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Poderia parecer que a eliminação da concorrência pela economia de guerra, apesar de fazer com que se extinguisse o processo de emancipação negativa antes de alcançar sua fase crítica, tivesse que atuar, justamente por causa disso, no sentido de poupar aquelas sociedades de crises e colapsos. Precisamente nisso consiste a argumentação de Horkheimer e Adorno, que temem também para o Ocidente esse congelamento no "estatismo integral" de uma sociedade do trabalho não emancipada. Mas com isso não se compreende nem de longe a estrutura interna do colapso atual do socialismo real. Um período de 70 (União Soviética) ou de 40 anos (Europa oriental, China) pode parecer muito extenso aos indivíduos humanos, por preencher todo o seu tempo de vida consciente; historicamente, porém, trata-se de um espaço de tempo minúsculo que nos faz duvidar se o socialismo real jamais aparecerá nos anais da humanidade como formação social independente que mereça ser mencionada. Será, talvez, apenas uma nota de rodapé no processo transitório, historicamente curto, dos sistemas produtores de mercadorias e de sua crise global.
De fato, o socialismo real congelado na economia de guerra revelou-se como a parte mais frágil e suscetível de crises do sistema produtor de mercadorias global. O congelamento mais matou do que conservou, e a retroalimentação burocrática do processo de reprodução social, longe de eternizar-se num auto-movimento cibernético, foi perturbada, ao contrário, pelo "estatismo integral", até alcançar sua atual incapacidade reprodutiva absoluta. Por isso, cabe examinar primeiro em seus próprios fundamentos a crise que levou ao colapso da sociedade do trabalho do socialismo real, antes de considerá-la no contexto de uma crise global da moderna sociedade do trabalho. A questão é, portanto, como se apresenta concretamente a eliminação estatista da concorrência, tanto na economia interna como nas relações exteriores das sociedades do socialismo real, e como daí resultam necessariamente a crise e o colapso.
Na modernidade produtora de mercadorias, são os próprios sujeitos que preparam sua crise(1); na economia de caserna estatista, somente o fazem de maneira específica. A lógica do princípio da mais-valia exige, como já mostramos, a existência da circulação (do mercado) como esfera de realização da mais-valia, porque o dinheiro, a forma encarnada da mais-valia, somente pode aparecer no momento da circulação. A pretensão do socialismo real de socializar diretamente os sujeitos desmente-se, portanto, a si mesma pela determinação formal pressuposta desses sujeitos, nas categorias de uma socialização negativa, apenas indireta.
Pois quanto à sua forma de manifestação (e nisso não se distinguem fundamentalmente daqueles do Ocidente), têm que ser sujeitos de troca. Mas com isso estabelece-se uma esquizofrenia fundamental no que se refere à sua própria situação social. Pois a divisão da produção e do consumo dos bens de uso concretos, entre os quais aparece a circulação, faz com que também os próprios sujeitos sejam divididos em dois papéis, o de produtor e o de consumidor. Apesar de cada indivíduo e cada empresa ser ao mesmo tempo tanto produtor quanto consumidor da riqueza social, sua existência e seus interesses de produtor e de consumidor separam-se de forma absurda.
Como produtor, o sujeito-mercadoria ou sujeito da troca não está interessado no valor de uso de seus produtos, seja ele "trabalhador" ou "capitalista", seja gerente de empresa no capitalismo ou no socialismo real. Pois não se produz para o consumo próprio, mas sim para o mercado anônimo, e a finalidade do processo não é a satisfação de necessidades concretas, mas sim a transformação do trabalho em dinheiro (salário e lucro). Para o produtor e para os diversos funcionários de uma unidade produtora de mercadorias, os próprios produtos já estão perdendo suas qualidades sensíveis e se transformando naqueles "coágulos de trabalho" enquanto ainda se encontram em sua forma material e no processo de criação dessa forma, pois nada mais são que dinheiro potencial.
Em princípio, portanto, tanto faz se esse tipo de produtor faz tortas de chocolate, bombas de nêutrons ou cubos completamente inúteis, se cava buracos e depois os fecha etc. Naturalmente, cada um desses produtores, desde que tenha juízo normal, tem "de alguma forma" consciência do caráter absurdo ou socialmente perigoso de sua atividade, mas, por outro lado, seu interesse abstrato em dinheiro o impele a produzir aquilo que, realizado de maneira adequada, conduz pelo caminho mais curto e direto ao maior resultado monetário possível, a despeito dos conteúdos e das conseqüências talvez lamentáveis.
Como outro lado de sua existência à maneira de Dr. Jekyll e Mr. Hyde, no entanto, cada produtor, em seu alter ego de consumidor, tem também um interesse exatamente oposto, pois, no papel de consumidor, está naturalmente muito interessado naquele valor de uso material que, em princípio, nada importa para ele no papel de produtor. Isso aplica-se tanto aos indivíduos como às empresas. Como consumidores de matérias-primas, produtos semi-acabados, máquinas e prédios, no consumo produtivo, as empresas têm que se importar com aquele valor de uso ótimo que antes as incomoda no papel de produtoras; como indivíduos que comem, bebem, moram e se vestem, os homens têm que ser sensíveis em pontos que, no papel de produtores, exigem sua insensibilidade.
Encontram-se, portanto, como produtores e consumidores, numa oposição recíproca constante. Assim, o produtor de gás tóxico ou macarrão contaminado cospe enojado seu vinho de glicol (ou tenta suicidar-se com ele), o gerente que fica desesperado com peças de reserva defeituosas ou fornecidas contrárias ao contrato, tenta vender, sem escrúpulos, mercadoria de péssima qualidade como se fosse de primeira, de modo que todos estão constantemente montando armadilhas uns para os outros, nas quais, em virtude do entrelaçamento social universal, acabam por cair eles mesmos.
Compreende-se facilmente que numa relação de reprodução tão irracional(2) apenas a concorrência pode ser o fator que, apesar de não eliminar essa irracionalidade básica, faz com que esta se manifeste numa forma que leva em conta, pelo menos como efeito colateral e coação secundária do mercado, os valores de uso e as necessidades. A objetividade da coação exercida pela concorrência otimiza, do ponto de vista das empresas, também "valores de uso" prejudiciais, irracionais em si ou destrutivos (por exemplo, os da indústria de armamentos e farmacêutica etc), cuja "procura" nasce da própria irracionalidade do sistema. Do mesmo modo que a concorrência, na forma negativa e errada do sistema produtor de mercadorias, faz com que se desenvolvam e avancem em grande escala as forças produtivas, também garante, nessa forma negativa e errada, o valor de uso e a procura. O impulso e o interesse do produtor de mercadorias de aumentar sua produção, se possível sem levar em conta o valor de uso material de cada produto(3), são contraminados pela concorrência no mercado, que o obriga a considerar até certo ponto o valor de uso para os consumidores, aos quais tem que oferecer e mostrar esse valor.
Até uma criança pode imaginar as conseqüências que em tal sociedade terá a supressão da concorrência e sua substituição por comandos estatais. Pois a tendência dos produtores à abstração destrutiva do valor de uso das coisas perde então seus limites objetivos. As belas palavras sobre o socialismo como pretensa produção de valores de uso que se orienta na satisfação das necessidades (em vez do "lucro explorador" etc.) são assim desmentidas de forma vergonhosa e, no final, catastrófica.
Para impedir a fabricação de produtos de péssima qualidade, a economia de comando estatista criou um proliferante sistema de códigos que com minuciosidade contábil tenta fixar as qualidades de valor de uso dos produtos: realmente, uma prova de incapacidade por parte de uma sociedade que se propõe uma socialização consciente, e a caricatura de um planejamento. Mas com isso a instancia controladora perde a imperturbabilidade objetiva de uma lei natural. Manifesta-se apenas na forma de uma fiscalização estatal-burocrática externa, e não na forma das "leis coativas da concorrência" (Marx). Por isso, pode ser contornada, enganada e ludibriada de mil maneiras.
Assim, dirige-se aos sujeitos econômicos de todos os níveis, desde os trabalhadores até os gerentes das empresas, a exigência de desempenharem, por um lado, o papel social de produtores de mercadorias, dotados com os interesses correspondentes, mas, por outro lado, a de não se comportarem conseqüentemente como tais. Uma vez que, com a eliminação do princípio da concorrência, desaparece também a coação objetiva de observar os critérios de valor de uso, precisa-se apelar aos produtores de "coágulos de trabalho", privado de suas qualidades sensíveis, em campanhas eternamente repetidas que vacilam entre remuneração e castigo, para que assumam uma atitude "sensível" frente a seus produtos; precisa-se apregoar bom senso incessantemente às mônadas-dinheiro constituídas pelo fetichismo, o que obviamente não adiante nada.
De fato, as possibilidades de sanções por parte do controle burocrático subjetivo de necessidades e valor de uso são limitadas e dificilmente podem ser valavas a sério. A "lei coativa da concorrência", sem sujeito, executa suas sentenças imediatamente, na forma de falência iminente ou manifesta. A instancia controladora burocrática, pelo contrário, é ao mesmo tempo a proprietária geral abstrata de todas as empresas. Por isso, não pode castigá-las e muito menos liquidá-las.
O Estado, ao impor às empresas um plano de produção concreto, compromete-se também a garantir a venda da produção. Para esse fim, cada empresa recebe uma lista de compradores de seus produtos. Mas precisamente esse procedimento exclui qualquer concorrência entre as empresas com produtos semelhantes. O comprador, por sua vez, não pode escolher o fornecedor mais barato e eficiente, tendo que aceitar o que lhe fornecem. A situação agrava-se ainda pelo fato de que o pagamento à firma fornecedora é quase sempre efetuado pelo banco imediatamente depois da chegada da fatura de expedição, isto é, antes de o comprador poder conferir se o número e a qualidade das mercadorias fornecidas correspondem às condições estipuladas. Mais tarde, revela-se que uma parte considerável das mercadorias fornecidas não funciona, tendo o comprador que prepará-las para o uso. Isso acontece particularmente na agricultura, onde os trabalhadores têm que desmontar tratores e máquinas agrícolas recém-fabricados, que acabaram de receber, consertar as peças ou instalar aquelas que faltam, remontar tudo e adapta-los às normas correspondentes. [Saslawskaja, 1989, p. 101]
As conseqüências do "estado racional" burguês de Fichte, "posto em prática", que garante de forma "planejada" a venda da produção pré-fixada, são, portanto, muito pouco "racionais" para os consumidores do ponto de vista do valor de uso. A profunda irracionalidade do sistema produtor de mercadorias somente pode ser superada por esse próprio sistema, mas não, como tal, ser submetida a um "planejamento racional".
Essa contradição interna específica da economia de comando estatista é ainda completada e agravada pela modificação que experimenta devido à eliminação da concorrência interna o princípio básico da acumulação de riqueza nacional abstrata. Pois talvez o fenômeno mais estranho, tanto ideológico quanto social real, da economia de comando estatista é a sua relação com a categoria econômica do valor (denunciada por Marx como fetichista), categoria central do sistema produtor de mercadorias.
Em virtude da eliminação da concorrência, a afirmação da criação de valores, como acumulação de riqueza nacional abstrata, em conexão com o interesse individual e econômico dos produtores, tinha que resultar numa ignorância ainda maior e completamente absurda frente ao valor de uso material sensível e frente às necessidades reais. Pois a falta de interesse, em princípio, dos produtores de mercadorias no valor de uso de seus produtos intensifica-se não apenas pela possibilidade de enganar as instancias controladoras burocráticas, mas também em virtude dessa própria burocracia que, por sua vez, está interessada na acumulação de valores abstratos.
Naturalmente, encontramos também no Ocidente conteúdos de produção perigosos ou até catastróficos e as conseqüências correspondentes, além de projetos grotescamente inúteis (na RFA ficou conhecida, por exemplo, a reconstrução do canal que liga o Reno, Meno e Danúbio, justificável apenas sob o aspecto de uma terapia ocupacional econômica); também aqui o Estado figura como cúmplice desses processos inúteis e cada vez mais perigosos que trazem em si sua própria finalidade, uma vez que ele, como instancia que representa a vontade global de despender força de trabalho abstrata, depende do êxito desses processos.
Portanto, somente pode ser relativa a diferença entre o socialismo real e o Ocidente. Neste, a ilusão objetiva só é atenuada pelas "leis coativas da concorrência", que, frente ao imperativo primário, imanente ao sistema, da utilização abstrata máxima, obrigam, por outro lado, a um máximo (igualmente abstrato) de "economia". Isto é, toda empresa deve explorar abstratamente o máximo de trabalho e material, mas, ao mesmo tempo, economizar o máximo de trabalho e material. Porém esse antagonismo, paradoxal à primeira vista, de imperativos que aparentemente se excluem mutuamente, encontra sua solução constante no movimento da concorrência no mercado. A unidade empresarial tem que explorar, sem consideração do conteúdo e das conseqüências, o máximo de trabalho e material, mas apenas pode fazê-lo no nível social atual da produtividade. As unidades produtivas, sendo assim obrigadas à economia abstrata máxima em trabalho e material, podem apenas cumprir o imperativo oposto de maximização aumentando sua participação no mercado, o que acontece, por um lado, mediante a expulsão do mercado de outras unidades (que, realizada em grande escala, já se torna um elemento de crise) ou, por outro lado, mediante a expulsão do próprio mercado e, com isso, do modo de produção capitalista.
No fundo, trata-se, no caso desse movimento contraditório, apenas da forma capitalista daquela lei elementar da produção de mercadorias que já Marx descreve nas palavras conhecidas:
Poderiam parecer que, se o valor de uma mercadoria se determina pela quantidade de trabalho despendida durante sua produção, quanto mais preguiçoso e inábil é um homem, tanto mais valiosa é sua mercadoria, porque ele precisa de tanto mais tempo para fabricá-la. O trabalho, porém, que constitui a substancia dos valores, é trabalho humano igual, dispêndio da mesma força de trabalho humana. A força de trabalho global da sociedade, que se representa nos valores do mundo das mercadorias, é aqui considerada uma única força de trabalho humana, apesar de compor-se de inúmeras forças de trabalho individuais. Cada uma dessas forças de trabalho individuais é igual à outra força de trabalho humana, desde que possua o caráter de uma força de trabalho social média e atue como essa força de trabalho social média, isto é, desde que precise na produção de uma mercadoria apenas do tempo de trabalho necessário na média ou socialmente necessário. [Marx, 1965a (1890), p. 53]
Essa lei do tempo de trabalho socialmente necessário na média atua cegamente, como todas as leis da "segunda natureza" das sociedades produtoras de mercadorias. Nas produções de mercadorias marginais pré-modernas, realiza-se pela tradição; no sistema produtor de mercadorias da modernidade é executada pela concorrência – do mesmo modo que, já no caso do valor de uso e das necessidades, a economia de mercadorias sob comando estatista tem que substituir também no caso do tempo de trabalho necessário na média as leis coativas por determinações subjetivas da burocracia.(4) No fundo, o tempo de trabalho necessário na média teria que ser fixado burocraticamente e constantemente redefinido, empreendimento quase irrealizável. Ainda por cima, é contraminado pelo interesse da burocracia no aumento da riqueza nacional abstrata, e isso numa ironização social grotesca da tese de Marx que deriva logicamente de sua teoria do valor do trabalho:
Quanto maior a força produtiva do trabalho, tanto menor é o tempo de trabalho exigido para a fabricação de determinado artigo, tanto menor também a quantidade de trabalho nele cristalizada e tanto menor seu valor. Ao contrário, quanto menor a força produtiva do trabalho, tanto maior é o tempo de trabalho abstrato necessário para a fabricação de determinado artigo, e tanto maior seu valor. [Marx, 1.c, p.55]
É fácil imaginar as conseqüências absurdas que resultam necessariamente dessa definição simples e lógica do valor na economia de comando, em virtude da subjetivação das leis coativas. Pois o imperativo da "criação de valores" e de sua otimização conduz à situação de que a burocracia, mediante um sistema de remunerações e castigos (prêmios, concessões de fundos e material etc.), favorece aquelas unidades empresariais que produzem mais valor. Mas, uma vez que as coisas são exatamente como Marx as descreve, essa remuneração conduz, por assim dizer, a uma competição em que se trata de alcançar o mínimo de força produtiva do trabalho e o máximo de desperdício de força de trabalho e material, pois assim também se cria o maior valor, que deixou de ser controlado pelo mecanismo da concorrência. Não é apenas quase impossível determinar burocraticamente o tempo de trabalho socialmente necessário na média: esse tempo é ainda objetivamente mantido num nível muito alto em virtude daquele mecanismo absurdo de remuneração. Surge, portanto, algo como uma competição em preguiça e uma otimização contraprodutiva do input de força de trabalho e material, aumentando a desconsideração do valor de uso, situação que já foi apontada no contexto dos primeiros debates de reforma, nos anos 60:
Quando o output da produção se mede em máquinas prontas, o resultado é a falta de peças de reserva. Quando as metas do plano para a organização do transporte se medem em toneladas por quilômetro, deixa-se de aproveitar ótimas possibilidades de transporte. Quando se avaliam os candelabros pelo peso, saem desnecessariamente pesados. Já que as unidades de exames geológicos recebem seus planos em metros sondados, realizam conscientemente trabalhos desnecessários. Quando se medem tecidos pelo comprimento, saem demasiadamente estreitos. O combinat de construção "Stalingrado", quando recebeu um plano orientado no material gasto, desperdiçou de propósito metal para cumprir o plano. [Citado segundo Strotmann, 1969, pp. 16ss.]
A fome de um input abstrato, condicionada pelo sistema, a qual, em oposição ao Ocidente, manifesta-se diretamente e sem ser filtrada pelos movimentos do mercado, não podia ser atenuada, em sua capacidade absurda de desperdício, por nenhum esforço da burocracia. Vinte anos após as denúncias citadas, a calamidade correspondente até se agravara:
Desperdício estava acontecendo na economia não apenas com a força de trabalho, mas também com os fundamentos materiais – técnicas, energia, combustíveis, matérias-primas, material de trabalho etc. A imprensa soviética está cheia de exemplos de perdas sensíveis de materiais preciosos. Assim, há uma perda média de 20% do cimento, de mais de um quarto dos produtos agrícolas e de mais de metade da produção de madeira. Em muitas empresas acumulam-se máquinas e equipamentos novos, na espera de entrarem em funcionamento. Devido ao armazenamento inadequado, as máquinas tornam-se muitas vezes inúteis e têm que ser removidas sem terem jamais funcionado. Essa pílula é ainda mais amarga quando se trata de máquinas importadas, compradas com divisas. [Saslawskaja, 1989, p. 87]
Não há nada estranho nisso, pois os materiais, as máquinas etc., uma vez fornecidos, entram formalmente como input da empresa na criação do valor, independentemente do fato e, sobretudo, da forma de sua utilização real-material. Tanto faz se a energia escapa pela chaminé ou se é realmente incorporada de forma ótima em processos de produção, e também se uma máquina é removida para algum depósito devido ao desgaste efetivo ou devido à deterioração passiva.
Acontece, portanto, uma potenciação de todas as tendências da produção de mercadorias que atuam contra o valor de uso e as necessidades, em vez da superação desses elementos inerentes à forma-mercadoria. Não se opõe nenhum limite, na forma das "leias coativas da concorrência", à abstração destrutiva natural entre o produtor de mercadorias e o valor de uso dos produtos – e essa eliminação de todos os freios potencia-se ainda pelo imperativo burocrático de criar o maior valor possível, imperativo que também já não pode ser contraminado pela obrigação de produtividade e economia, imposta pela concorrência. Em virtude de suas metas planejadas, orientadas para um crescimento abstrato e para acumulação de valores, a burocracia está minando seu próprio papel de instância controladora, cumprindo as empresas, numa atitude esperta, ao pé da letra essas metas. O vencedor é aquele que trabalha devagar, desperdiça força de trabalho e material e pouco se importa com o valor de uso de seus produtos:
Naturalmente cabe às autoridades centrais de planejamento reduzir pedidos exagerados a um nível que se harmonize com os recursos disponíveis. E de fato estão reduzindo, mas a quantia global ainda parece ser muito alta. Uma das razoes é a defesa de altas taxas de crescimento por parte da liderança política. [Nove, 1980, p. 196]
Colocados em tal aperto, naturalmente não se podem fazer valer os aspectos apenas posteriores e externamente impostos de valor de uso, necessidades e produtividade. Dessa maneira, a economia de comando do "mercado planejado", seguindo sua própria lógica imanente, leva ao extremo todas as irracionalidades do sistema produtor de mercadorias, em vez de pelo menos começar a eliminá-las.(5)
As irracionalidades dessa maneira desencadeadas encontram sua expressão na superfície do "mercado planejado", no sistema de formação de preços. Se hoje certos reformadores dizem que esse sistema se compõe "de muitas camadas historicamente nascidas" (Aganbegjan, 1989a, p. 40), referem-se às numerosas tentativas das centrais de comando burocráticas de escapar, por medidas de fixação de preços, àquelas irracionalidades que, na verdade, apenas se refletem em tais medidas. Podemos observar principalmente três "camadas geológicas" no estabelecimento do sistema de preços:
Nenhuma dessas três tentativas principais, as únicas possíveis, de estabelecer um sistema de formação de preços para "mercados planejados" pode acabar com as irracionalidades desencadeadas por um sistema produtor de mercadorias desligado da concorrência. Pois é óbvio que jamais se compensam com medidas secundárias realizadas na superfície do mercado (isto é, no sistema de formação de preços) os defeitos primários na base da reprodução social, que se manifestam em constelações de interesses e imperativos objetivos. Apesar disso, ou precisamente por isso, é necessário examinar mais detalhadamente os mecanismos que atuam nessa infertilidade.
Os preços, conforme afirma a economia política, indicam a escassez relativa de bens. Mas o conceito de relatividade tem que ser interpretado num sentido extremamente amplo, muito além de seu horizonte lógico, para abranger fenômenos tão estranhos quanto a destruição de enormes quantidades de alimentos, a paralisação de recursos humanos e materiais em grande escala (aniquilação de capital, desemprego em massa), a destruição, seguida pela reconstrução provisória e dispendiosa, de fundamentos naturais, bem como o desperdício de recursos em produções que trazem em si sua própria finalidade, não resultando delas nenhum valor de uso individual ou social. Evidentemente não se refere essa escassez, de modo algum, nem relativa nem absolutamente, ou então apenas em casos excepcionais (por exemplo, quando se trata de determinados metais objetivamente raros etc.), a recursos naturais, materiais-sensíveis ou humanos.
No entanto, não se trata de uma produção de valores de uso sensíveis, mas sim do automovimento tautológico e fetichista do dinheiro, que traz em si sua própria finalidade, pressupondo-se que também nessa forma de dinheiro se expresse aquela escassez ominosa. Não se trata, portanto, de escassez no nível sensível-material, porque nesse podemos observar também no Ocidente atos de dissipação e desperdício grotescos e socialmente prejudiciais, mais sim da escassez relativa de capacidade aquisitiva social que, por sua vez, tem sua origem na escassez relativa da exploração lucrativa da força de trabalho. No mesmo grau em que mais ou menos trabalho vivo pode ser utilizado de forma lucrativa, resulta relativamente mais ou menos capacidade aquisitiva social em forma de salário e lucro. Para os ramos de produção e as empresas individuais, essa conexão apresenta-se como limite de sua lucratividade, isto é, como limite de sua capacidade de atrair, com despesas de produção dadas, tanta capacidade aquisitiva social que os preços realizáveis contenham um lucro suficiente. A capacidade de produção e distribuição de bens não está, portanto, nem um pouco limitada pela falta relativa de recursos naturais, sensíveis, mas unicamente pelo fetichismo do capital e de suas leis de movimento. E somente nesse sentido os preços indicam aquela escassez relativa.
Marx mostrou isso no terceiro volume de O capital, no exemplo da transformação de valores em preços de produção, que não se expressam diretamente pela soma das quantidades de trabalho individualmente despendidas, mas sim pelo movimento social da mais-valia e pela transformação dessa em lucros empresarias. Os preços de produção (que somente num nível global-capitalista, realizado por nenhuma instancia, voltam a coincidir com os valores) constituem-se, portanto, depois de passar pela taxa de lucro social média, a qual, por sua vez, somente pode vir a existir e ser estabelecida repetidamente devido ao processo cego da concorrência.
Os preços que resultam do cálculo da média das taxas de lucro diferentes das diversas esferas de produção e do acréscimo dessa média aos preços de custo das diversas esferas da produção são os preços de produção. Pressuposto deles é a existência de uma taxa de lucro geral, e essa, por sua vez, pressupõe que as taxas de lucro de cada esfera de produção particular já estejam reduzidas ao número correspondente de taxas médias. [...] O preço de produção da mercadoria é, portanto, igual a seu preço de custo mais o lucro que, de acordo com a taxa de lucro geral, lhe é percentualmente acrescentado, ou igual a seu preço de custo mais o lucro médio. [Marx, 1965b (1894), p. 167]
O que os preços de produção indicam é, portanto, a escassez relativa de rentabilidade social na produção de bens ou, em outras palavras, o limite relativo da capacidade de produção. Mas esse não se alcança ali onde faltam recursos reais, mas sim ali onde uma produção fica abaixo da taxa de lucro média. E isso significa, no jargão da economia política, os conceitos "escassez" e "rentabilidade".(6)
A reprodução do socialismo real, porém, apesar de definida como acumulação de capital, carece daquele mecanismo interno em que a mais-valia social se divide nas diversas formas de lucro, sendo apropriada como lucro pelas empresas individuais, mediante o movimento da concorrência. Por isso não se podem formar aqueles preços de produção(7) que, no jogo das forças produtivas da concorrência e na distribuição, por ele condicionada, dos recursos entre os diversos ramos da produção, têm que indicar aquela relação de escassez, isto é, a rentabilidade da produção.(8)
As empresas referem-se, portanto, diretamente, sem que interfira o correspondente mecanismo de mediação social, à mais-valia global social que está submetida aos comandos burocráticos externos. Trata-se, por assim dizer, de um capitalismo cujo fluxo sanguíneo foi interrompido e que constantemente tem que ser mobilizado artificialmente por um aparelho cardíaco-pulmonar, e nesse caso por um modelo produzido pelo socialismo real e, portanto, defeituoso e incapaz de funcionar. As dificuldades e as camadas do sistema de formação de preços de produção adequados.
Nem o custo empresarial nem o acréscimo de lucro, dos quais se compõe o preço de produção, podem constituir-se no movimento da concorrência, como corresponde à sua natureza, porém têm que ser fixados pela burocracia, caso a caso, em negociações com as empresas. Mas, uma vez que com a ausência do mecanismo da concorrência a transformação de valor em preço carece de qualquer fundamento objetivo, chega-se necessariamente a decisões arbitrárias que nada mais podem ser que compromissos entre os desejos e as constelações de interesses da burocracia e das empresas. E como estas não possuem nenhuma racionalidade sistemática no sentido da lógica do capital todavia pressuposta, têm que se limitar a corrigir na superfície do sistema de preços o desperdício de recursos predeterminado na relação social básica:
Quando o preço de um material do qual se sabe que é realmente escasso não reflete essa circunstancia, é provável que se gaste dele, em projetos de investimento planejados, uma quantia maior que a disponível; portanto, precisa-se introduzir diretivas administrativas ou medidas de racionamento. Ou, para dar outro exemplo que contém um aspecto em princípio importante: supondo que os preços se baseiam no custo, e também supondo que haja duas máquinas que para o produtor tenham o mesmo custo e proporcionem o mesmo lucro, sendo, porém, uma delas muito mais produtiva no emprego. Se o fato de produtividade maior não se refletir no preço e no lucro, uma decisão que se refere à norma de eficiência produtora [...], sob aspectos econômicos globais, pode ser muito menos eficiente. [Nove, 1980, p. 188]
A fome de um input abstrato máximo de material, força de trabalho e tempo de trabalho faz com que tendencialmente aumente cada vez mais o custo individual das empresas. Sob a lei da concorrência, a formação de preços não poderia levar em conta essa tendência, porque é determinada pelo movimento do mercado, independentemente do custo individual. Mas, sem essa lei, o nível de custo, também o social global, tem que elevar-se constantemente, em vez de baixar em virtude da obrigação de produtividade.
Uma vez que, por isso, o "valor verdadeiro", pelo menos dentro dos limites do sistema da economia de comando, é absurdamente alto e continua subindo constantemente, não pela expansão intensiva dos mercados, mas sim unicamente pela expansão extensiva do custo, ocorre necessariamente uma elevação constante do nível de preços que faz surgir uma pressão inflacionária. A burocracia esta em desvantagem frente às empresas porque quer insistir em preços baixos e porque seu próprio imperativo de maximizar o valor, sob as condições dadas do sistema, resulta no contrário, ou seja, no aumento do input abstrato e, conseqüentemente, do custo, e também, como isso, dos preços. Além disso, as empresas têm de fato o monopólio de informação sobre o custo efetivo, podendo contar às instancias burocráticas o que lhes convém. Finalmente, isso acontece também quando a burocracia concede às empresas certas margens na elevação dos preços para inovações de produtos, a fim de melhorar a qualidade do valor de uso. As empresas aproveitam-se dessa oportunidade para realizar pseudo-inovações à maneira de Potemkin, dando simplesmente outros nomes aos produtos e aperfeiçoando-os apenas aparentemente, para poderem exigir preços mais altos:
Fui uma vez visitar uma empresa construtora de máquinas pesadas que afirmou ter em seu programa 38% de produtos novos. Mas a mim, os produtos do século passado que estavam expostos na parede da sala de reuniões pareciam quase idênticos aos atualmente produzidos. O fato de a empresa alcançar uma taxa de inovação de 38% deve0se obviamente à habilidade do contador-chefe. [Cornelsen, 1989]
Situação não melhor que a do custo de produção, da base dos preços de produção, é a dos lucros acrescentados. Já que esses não se constituem de maneira objetiva, pela mediação da concorrência no mercado, sendo também burocraticamente fixados, carecem de qualquer critério objetivo. E definitivamente põe-se o bode para cuidar da horta quando, em face dessa problemática, justamente o próprio custo básico é elevado ao grau de um critério pseudo-objetivo para os lucros:
Além disso, as empresas estão interessadas em manter no nível mais alto possível o custo de produção, porque a margem de lucro é calculada como percentagem do custo de produção. [Saslawskaja, 1989, p. 100]
Em vez de diminuir, portanto, a tendência à inflação do custo, o critério do lucro ainda a potencia. Todas as reformas realizadas dentro da estrutura da economia de comando não põem mudar nada desse dilema, pois não existe outro critério.
É obvio que nessas condições de uma inflação de custo permanentemente crescente a conseqüência teria que ser uma hiperinflação correspondente aos preços. Nem o critério do "valor verdadeiro", ingênuo do ponto de vista da economia política, nem muito menos uma liberação da formação dos preços pelas empresas pode mudar alguma coisa nessa lógica que reina dentro das estruturas básicas estatistas. O "valor verdadeiro", por sua vez, reconduz tautologicamente ao "custo real", e esse, devido à natureza do sistema, é elevado por princípio por parte das unidades empresariais. A libertação da formação dos preços, por outro lado, enquanto não se baseia numa concorrência aberta no mercado e na possibilidade de falência, incitaria ainda mais uma inflação arbitrária dos preços, uma vez que, nesse caso, segundo a lógica econômica, iniciar-se-ia necessariamente uma concorrência orientada não pelo preço mais baixo, mais sim pelo preço mais alto.(9)
Como solução inevitável resta, portanto, apenas um caminho, ainda que cada vez mais precário e, devido a sua natureza, de sustentabilidade apenas limitada, que é a subvenção permanente e crescente dos preços por parte do Estado. Nesse sentido, a camada mais antiga do sistema de formação de preços, isto é, o preço político subvencionado, que faz lembrar os fundamentos e os modelos da economia de guerra, não apenas se conserva plenamente, mas até tem que expandir-se. No fundo, todos os preços são preços políticos, do mesmo modo que todo "Estado racional" do "mercado planejado" se baseia na ilusão da vontade política de uma subjetividade burguesa.(10) Também os preços não diretamente subvencionados (por exemplo, em virtude do monopólio do comércio exterior do Estado) são em última instancia políticos e contribuem para aumentar a pressão inflacionária, por exemplo, na forma da importação proibida de mercadorias estrangeiras mais baratas.
Sobretudo, porém, faz-se sentir de forma cada vez mais insuportável a pressão das crescentes subvenções diretas. Já que a inflação do custo empresarial está subindo constantemente, tem que ser aumentada também a subvenção dos preços por parte do Estado, o que, por falta de recitas políticas suficientes, somente é possível pela impressão de notas de banco. Dessa maneira abre-se uma tesoura monetária que já não pode ser fechada dentro da lógica estatista e que prepara o colapso das finanças públicas e do sistema monetário. A insustentabilidade das subvenções dos preços manifesta-se de forma mais clara nos preços dos alimentos. Na União Soviética, por exemplo, a situação é a seguinte:
Atualmente, o preço do pão, bem como o da carne e dos laticínios estão fixados no comércio estatal num nível extremamente baixo, encontrando-se abaixo dos preços dos produtos. Com um preço de venda médio de 1, 80 rublos por quilo de carne, no comercio estatal, a subvenção é de mais de 3, 50 rublos. Ao todo, as subvenções estatais para esse grupo de alimentos somam mais de 60 bilhões de rublos, frente a uma receita estatal global de 480 bilhões de rublos. [Aganbegjan, 1989a, p. 43]
Não é melhor a situação na RDA, apesar de ali toda a estrutura industrial e a infra-estrutura estarem mais desenvolvidas do que a média na União Soviética, apresentando o nível mais alto de todo o bloco oriental:
Mais de quatro quintos do custo efetivo da produção ou importação de alimentos é pago na RDA pelo Estado. [...] Segundo esse número, o Estado está subvencionando neste ano os alimentos com aproximadamente 33 bilhões de marcos orientais, pagando assim 84% do custo efetivo. [Frankfurter Rundschau, 23.11.1989]
As subvenções apenas dos alimentos ultrapassam atualmente na União Soviética 100 bilhões de rublos (Aganbegjan, 1989b), na RDA chegavam por fim a constituir 20% do orçamento estatal (Cornelsen, 1989). E ainda por cima houve um aumento acentuado nas últimas décadas:
As subvenções, no passado uma "vaca sagrada" na RDA, aumentaram entre 1970 e 1989 de 8 para 58 bilhões de marcos (orientais), o que significa um aumento de 7% ao ano frente a um crescimento anual da renda nacional entre 3,5 e 4%. [Handelsblatt, 15.11.1989]
No entanto, não devemos deixar de ver que essas conseqüências fatais não se devem simplesmente a "erros" do sistema, sendo esse próprio sistema um produto da lógica histórica da modernidade. As "adversidades" do sistema produtor de mercadorias estão condicionadas, por sua vez, pelo sistema, e a correção de supostos "erros" conduz apenas a novos "erros", conforme ainda veremos. Mas primeiro é necessário continuar no exame das contradições e dos potenciais de crise imanentes do "mercado planejado" da economia de mercado, que de modo algum se limitam a manifestar-se no sistema de preços disfuncional.
A dificuldade tem sua continuação lógica no sistema de investimentos e no comportamento real das unidades empresariais e do Estado nessa área. Encontramos aqui, em princípio, as mesmas irracionalidades que levam ao extremo, e até ao absurdo, todas as contradições do sistema produtor de mercadorias, e que já reinam na área do valor de uso e da produtividade das produções correntes, expressando-se e potenciando-se nestas pelo sistema de preços disfuncional. Segundo a lógica abstrata do crescimento (acumulação de valores), estabelece-se o imperativo sistemático de uma reprodução crescente, para além das necessidades, e com isso, em princípio, o crescimento do setor dos bens de investimento. A esse respeito, no entanto, podemos observar nos sistema s da economia de comando do setor uma estranha contradição: por um lado, parece tratar-se de investimentos insuficientes, quando se fala de instrumentos de produção antiquados e defeituosos etc.; por outro lado, porém, há reclamações de investimentos excessivos (cf. Nove, 1980, pp. 194 ss.) que são feitos a cargo da produção corrente, particularmente da indústria de bens de consumo.
Essa contradição, por sua vez, é explicada pela indiferença objetivamente condicionada frente ao valor de uso e à produtividade, que obviamente tem que se manifestar também no comportamento na área dos investimentos. O que ocorre na produção corrente, onde uma empresa consegue o melhor resultado monetário frente à burocracia mediante o simples aumento do custo e o aperfeiçoamento aparente do valor de uso, repete-se na área dos investimentos destinados à reposição e ampliação. Também aqui a burocracia engana-se a si mesma e mina sua própria função controladora pela remuneração de um "crescimento" abstrato, não filtrado pela concorrência no mercado.
Em primeiro lugar, o limite de um comportamento racional na área dos investimentos ("racional" – cabe ressaltar novamente – apenas no sentido das metas de utilização fetichistas) já está fixado pelo fato de que os lucros que poderiam ser destinados ao reinvestimento não podem ser absorvidos e aplicados de forma autônoma pelas próprias empresas, mas têm que ser entregues ao Estado, já que constituem sua fonte de renda principal.(11) A absorção centralizada dos lucros tem naturalmente sua razão na lógica histórica daquela modernização recuperadora, imposta pela concorrência externa. Essa lógica exigiu um planejamento estratégico da mais-valia para os setores básicos necessários da infra-estrutura, da indústria pesada etc., e isso contra a lógica representada pelas empresas particulares. Mas esse procedimento revela sua irracionalidade quando enfrenta as necessidades de investimentos de um crescimento "intensivo", as quais, após a Segunda Guerra Mundial, apresenta-se de forma cada vez mais irrecusável.
Pois a burocracia, devido à sua carga hereditária histórica (e também, talvez, devido às suas estruturas de pensamento sociais), está programada para a megalomania, para megraprojetos de investimento como usinas elétricas, barragens, deslocamento de rios inteiros, construções gigantescas e, naturalmente, o armamento.(12) Além disso, absorve como uma esponja gigantesca uma parte considerável dos lucros arrecadados, redistribuindo-os para fins duvidosos ou privados e em estruturas nepotistas. E em terceiro lugar, não dispõe de informações concretas suficientes para poder avaliar as necessidades de investimentos das empresas. Uma vez que falta a pressão da concorrência, os pedidos das próprias empresas não precisam orientar-se pelo imperativo de produtividade.
Já por esses fatores explica-se por que uma parte considerável dos investimentos excessivos tem que se destinar a projetos desnecessários. Essa tendência intensifica-se pelo imperativo abstrato de crescimento, filtrado pela burocracia em vez da economia de concorrência. A burocracia provoca uma inflação de custo não apenas nas produções correntes, mas também nos investimentos. Isso manifesta-se sobretudo na relação entre os investimentos de reposição e de ampliação. Toda empresa ocidental está obrigada pela concorrência a renovar e modernizar de fato, depois de certo tempo, suas máquinas amortizadas, de acordo com o atual nível de produtividade social. E somente depois de cumprir satisfatoriamente esse imperativo primário dos investimentos, ela pode pensar em investimentos de ampliação, para aumentar sua participação no mercado e intensificar as vendas. Já que não atua essa coação na economia de comando e, por outro lado, uma vez que, em razão do "crescimento" econômico, particularmente os investimentos de ampliação são remunerados pela burocracia na forma de concessão de fundos e material, as conseqüências são previsíveis: os investimentos de reposição, que são menos lucrativos, ficam desatendidos; o parque de maquinaria é amortizado, mas não renovado de fato, tornando-se assim antiquado e propenso a consertos, o que baixa o nível da produtividade:
Infelizmente temos que constatar que durante décadas não se empregou nenhum recurso na renovação ou na compra de máquinas de produção. Aproximadamente 60% das empresas produtoras de bens de consumo são antiquados. [Aganbegtjan, 1989b]
Isso aplica-se igualmente a todos os países do socialismo real. Também nessa área, a situação não era nada melhor na RDA, o país mais desenvolvido entre as economias de comando. Os especialistas e assessores de empresas ocidentais que, após a abertura das fronteiras, puderam viajar pela RDA (e particularmente pela província, até então oculta ao olhar público) para visitar as empresas ficaram horrorizados e abalados; tiveram um aperto no coração ao verem as ruínas abandonadas de indústrias que ainda estavam produzindo. A realidade foi muito pior do que a situação inevitavelmente imaginada e comentada há muito tempo:
Nada está realmente bem organizado; muitas vezes, as máquinas são velhas e quebradas. Por isso, muitas empresas da RDA têm que empregar um número inimaginável de pessoas somente para fazer consertos. Além disso, essas máquinas e instalações gastam material e energia em excesso, e isso aumenta a escassez. [Cornelsen, 1989]
Enquanto o aparato de produção propriamente dito e o parque de maquinaria ficam incrivelmente abandonados porque sua renovação , sob as condições dadas, não é lucrativa para as empresas e nada contribui para o resultado monetário, realizam-se, por outro lado, os investimentos de ampliação, remunerados pela burocracia, segundo o método provado do Príncipe Potemkin. Os investimentos excessivos dessa área entram sobretudo em projetos de construção porque esses são mais apropriados para manobras contra a burocracia e para fazer desaparecer recursos. Como funciona isso, pode revelar-nos também o "reformador" Aganbegjan:
No setor de construção, por exemplo, escolheu-se como base a extensão das obras realizadas: quando se constrói um objeto caro, os salários são altos, quando se trata apenas de instalações limitadas, os salários são mais baixos. O resultado dessa política eram obras inacabadas no valor de aproximadamente 30 milhões de rublos. As empresas construtoras adaptaram-se imediatamente às novas condições: formalmente, a extensão estava dada, mas nada foi terminado. [Aganbegjan, 1989b]
Mas não são tão novas assim essas condições, conforme provam reclamações análogas do passado. Em nenhum outro setor a simulação de valor de uso, o cumprimento apenas formal do plano podem ser praticados com maior facilidade que em projetos de construção, particularmente em obras muito grandes que podem então demorar como a edificação de uma catedral medieval.
Aumenta o número de obras inacabadas a despeito dos repetidos apelos "de concentrar os recursos no acabamento". Ano após ano o ministério da Fazenda reclama daquilo que chama de "dissipação de recursos na indústria de construção". [...] O fluxo constante de recursos e bens centrais para determinada região tem suas vantagens, porque uma parte desses recursos pode ser aproveitada para outros fins, e assim não há nenhum motivo para terminar logo um grande projeto. [Nove, 1980, pp. 195 ss.]
Os meios de investimento, devido à estrutura de absorção centralizada, não apenas entram, portanto, em projetos disfuncionais e megalomaníacos, mas também fica inacabado um número crescente desses projetos. Às ruínas de industria e aos instrumentos de produção que parecem ser peças de museu, por falta de investimentos na forma de objetos de construção e de outro tipo, jamais terminados, com os quais estão salpicados os países das economias de comando baseadas na economia de guerra. E ainda por cima, essas ruínas de investimento estão sujeitas à mesma inflação de custos de todas as demais produções, o que significa outro agravamento para o orçamento público e o volume de suas subvenções. Dessa maneira, são consumidos os meios que na verdade deveriam ser empregados em investimentos produtivos. Com isso, inicia-se um movimento espiral que não apenas tem que conduzir ao colapso das finanças, senão também àquele da produção material, que se torna cada vez mais mórbida.
Por outro lado, a renúncia à absorção central dos lucros pelo Estado ou a delegação parcial ou total das decisões de investimentos às empresas, experimentadas repetidas vezes em diversas iniciativas de reforma, teriam no contexto da estrutura estatista os mesmos efeitos negativos de uma liberação correspondente da formação de preços: o comportamento disfuncional e absurdo das empresas, de acordo com seu interesse abstrato preestabelecido, agravar-se-ia de forma ainda mais descontrolada. Além disso, o Estado já não pode renunciar à absorção dos lucros, porque depende dela em razão do volume constantemente crescente das subvenções, não lhe restando outro caminho que uma política monetária de emergência, com um curso médio entre a inflação causada pela emissão excessiva de notas de banco e a falência nacional.(13)
Notas de rodapé:
(1) Abstraindo-se das guerras que, no entanto, costumavam interferir menos profundamente na reprodução social, as crises das sociedades pré-modernas estavam em primeiro lugar condicionadas pelo fato de essas sociedades estarem à mercê da "primeira natureza", isto é, as crises manifestavam-se na forma de catástrofes naturais, más colheitas e epidemias. Ainda as primeiras crises do próprio capital, no século XIX, como mostrou Marx, estavam, pelo menos em parte, condicionadas por crises agrárias, revelando, portanto, o grau em que o sistema produtor de mercadorias, ainda em estado embrionário, estava dependendo do cordão umbilical que o ligava à relação primária com a natureza. Mas também mais tarde o processo de crise nunca pôde ser completamente separado dos fundamentos naturais como tais. Ao contrário, a crise social apresenta-se hoje, em sua forma mais desenvolvida, também como crise da "natureza socializada", isto é, como crise ecológica. (retornar ao texto)
(2) É desmentido assim, pela própria situação, em última instancia, também o dito de Max Weber sobre a "racionalidade" da modernidade, e isso, hoje mais do que nunca, nos processos da crise ecológica e da nova crise da economia mundial. Em palavras mais exatas; a "racionalidade" de Weber, como racionalidade puramente interna, refere-se unicamente à finalidade fetichista da produção de riqueza abstrata. Somente nesse contexto é racional, como princípio econômico de rentabilidade. Do ponto de vista da sensibilidade, porém, do usufruto efetivo e da relação concreta com a natureza, a mesma "racionalidade" tem que se tornar irracional. As ações "racionais" do sujeito-mercadoria-dinhero são racionais no mesmo sentido em que um louco, dentro de sistema de sua loucura, pode agir de forma completamente lógica. (retornar ao texto)
(3) Essas fúrias da abstração destrutiva estão adormecidas na produção de mercadorias pré-modernas, acordando apenas esporadicamente (por exemplo, nas adulterações de vinho e alimentos, conhecida desde sempre); no artesanato medieval, são domadas não apenas pelas leis corporativas, mas também, e sobretudo, pelo orgulho profissional do próprio artesão, cujo trabalho, dentro de seu processo vivo, permanece para ele diretamente concreto, constituindo a finalidade e a forma sensível de sua existência. Abstrato torna-se esse trabalho apenas a posteriori, ao assumir na troca a forma-dinheiro. Na relação capitalista do mundo moderno, ao contrário, a abstração do trabalho e portanto também seu instinto destrutivo já constituem o ponto de partida. (retornar ao texto)
(4) Certamente seria ainda mais ilusória a substituição do comando burocrático pela "constituição democrática de uma vontade", sobre a mesma base social. O renascimento atual, quase inflacionário, do pensamento de Rousseau, as propostas um tanto infantis de todas as espécies de novos "contratos sociais" entre os sujeitos-mercadorias não se cansam de pressupor uma consciência social sobre a base de categorias marcadas pela falta de consciência. (retornar ao texto)
(5) Do mesmo modo que a própria burocracia e seus ideólogos, propagandistas etc. sempre podem referir-se apenas posteriormente às necessidades do valor de uso, explicando, suplicando e ameaçando, a crítica ocidental mobiliza o empirismo do bom senso para chamar a atenção às falhas óbvias de um sistema que nada mais fez que, forçado por seu caráter historicamente recuperador, levar à última conseqüência a irracionalidade do próprio modo de produção ocidental. A diferença na irracionalidade é apenas gradual. Mas uma conseqüência que somente pode imaginar alternativas dentro das formas do sistema produtor de mercadorias é naturalmente incapaz de reconhecer esse fato. (retornar ao texto)
(6) Um papel triste desempenha nesse sentido a esquerda marxista tanto do Leste quanto do Oeste, que costuma esquecer todos os fundamentos da crítica da economia política de Marx logo que passa do sermão dominical crítico, filosófico, para a análise e os aspectos "práticos" de problemas sócio-econômicos concretos e atuais. Com a maior naturalidade põe-se a confabular no provado jargão dos economistas sobre a "escassez" e a exigir "rentabilidade", como se essas categorias famosas não tivessem nada a ver com aquelas metas de "lucro" e "exploração" oficialmente combatidas e condenadas, como se fossem determinações quase ontológicas da reprodução social em geral. Não admira que a esquerda teórica perdeu nesse ponto, após o colapso do socialismo real, quase todos os escrúpulos, praticando sua "crítica" barata nas esferas do palavrório "político". (retornar ao texto)
(7) Também os preços de produção não são idênticos aos preços de mercado empíricos, o que se pressupõe aqui para simplificar. Mas aqui trata-se apenas de expor o problema fundamental, para pôr em relevo o defeito decisivo do sistema de formação de preços do socialismo real. (retornar ao texto)
(8) Dessa constelação de problemas resulta também, em última instancia, uma discussão teórica aparentemente independente, tanto dentro do marxismo quanto entre esse e a economia política acadêmica, a saber, a que diz respeito ao problema da transformação, isto é, a transformação de valor em preço de produção. A afirmação sempre repetida a respeito de Marx não ter resolvido satisfatoriamente esse problema no terceiro volume de O capital (havendo, por isso, um abismo entre a teoria do primeiro e do terceiro volumes) deve0se a uma única razão: os críticos não aceitam o caráter de objetividade cega ou do "sujeito automático" (Marx) e de todas as suas emanações, querendo reincorpora-los, e com isso também e sobretudo a formação de preços, à subjetividade burguesa das ações no mercado. Na medida em que se trata de marxistas, esse debate implica a pretensão teórica e prática e a impossibilidade positiva, não de querer suprimir as leis fetichistas do valor, mas sim de "planejá-las conscientemente", o que naturalmente também implica uma transformação consciente e "planejada" dos valores em preços de produção. O fato de que essa colocação do problema, como é justo, não trouxe nenhuma solução teórica e o fracasso prático não conduz ao reconhecimento do absurdo das próprias premissas, mas sim, ao contrário, à condenação da teoria do valor do trabalho de Marx. Se, portanto, a transformação de valor em preço, devido à sua própria natureza, não pode ser "planejada", atribui-se a culpa disso justamente à teoria supostamente falsificada de Marx, que desde sempre ressalta precisamente essa impossibilidade. Essa é a acrobacia teórica mais desastrada do marxismo do movimento operário, que aspirava à felicidade econômica. (retornar ao texto)
(9) Nesse dilema fracassaram até agora todas as tentativas de reformas de preços dentro do socialismo real que, sob a premissa de "mais economia de mercado", pretenderam conceder a esse respeito mais autonomia às empresas. Têm toda razão, nesse sentido, aqueles críticos ocidentais que consideram "um pouco mais de mercado" tão impossível quanto "um pouco mais de gravidez". A liberação dos preços somente pode conduzir à diminuição do custo quando a concorrência com todas as conseqüências é liberada sem reserva, o que é naturalmente idêntico à capitulação incondicional da economia de comando estatista e de suas elites burocráticas, capitulação que, por sua vez, pressupõe o colapso total que hoje de fato está acontecendo. Mais tarde mostraremos que da adoção então necessária da lógica ocidental "normal" da economia de concorrência não resultará nenhum melhoramento da situação de vida das massas, mas sim que atuará de forma ainda pior a lógica do marcado mundial. (retornar ao texto)
(10) Também a esse respeito cabe ressaltar que fenômenos análogos não são, de modo algum, alheios ao capitalismo ocidental. Não apenas nas economias de guerra ocidentais existia o mesmo tipo de preços políticos subvencionados. Subvenções protecionistas de caráter direto ou indireto podem ser encontradas em todas as economias de mercado, sem exceção; basta lembrar o sistema de subvenções intensivo e dispendioso da agricultura da Comunidade Européia. Conhecidas são também as subvenções de preços político-sociais do fascismo na Alemanha, Itália e Espanha, do peronismo na Argentina ou da maioria dos atuais regimes do Terceiro Mundo. A diferença ao socialismo real é também nesse caso apenas relativa e deve-se ao congelamento do estatismo: No Oeste e no Sul, os sistemas de subvenções são sempre de novo corroídos pelo sistema monetarista oposto e não se podem consolidar e expandir no mesmo grau da economia de comando congelada. (retornar ao texto)
(11) Por isso, aliás, não existe, ou então existe em forma pouco desenvolvida, um sistema tributário geral análogo ao ocidental, parecendo ser uma alternativa pouco séria e dificilmente realizável. E isso é lógico em países onde o Estado, como proprietário, já absorve os lucros de todas as empresas. (retornar ao texto)
(12) Esse fenômeno é o núcleo real de todas as teorias que descobrem no socialismo real traços de orientalismo ou traços faraônicos.Mas, por mais que os superprojetos megalomaníacos burocraticamente mediados possam lembrar formações históricas mais antigas, referem-se em cada época a mecanismos básicos completamente diferentes. (retornar ao texto)
(13) Por toda parte, a dívida interna dos estados do socialismo real aumentou em dimensões insuportáveis. Como também nas economias de guerra ocidentais da época das guerras mundiais, trata-se principalmente de dívidas diretas e precárias com o banco emissor, enquanto a dívida pública do ocidente, que sem dúvida representa um fator de crise especial, está hoje em grande parte mediada pelos mercados financeiros nacionais e internacionais. Na União Soviética, o déficit interno do Estado alcançou um total de pelo menos 100 bilhões de rublos, levando-se em conta a estatística pouco confiável e a tendência da burocracia, apesar da glasnost, de fazer segredo de números "negativos". E semelhante é a situação em todos os demais países do socialismo real. (retornar ao texto)