A Dialética do Abstrato e do Concreto em O Capital de Karl Marx

Evald Vasilievich Ilienkov


Capítulo 3. Ascensão do Abstrato ao Concreto

2. Concepção de Hegel do Concreto


Como sabemos, Hegel foi o primeiro a entender o desenvolvimento do conhecimento como um processo histórico sujeito às leis que não dependem da vontade e consciência dos homens. Ele descobriu a lei da ascensão do abstrato ao concreto como a lei governando todo o curso do desenvolvimento do conhecimento.

Esta lei é, primeiro de tudo, parecendo ser um simples fato empiricamente estabelecido – o fato do desenvolvimento progressivo da cultura espiritual da humanidade. Indubitavelmente, a cultura espiritual do homem, seu mundo espiritual, está se tornando gradualmente cada vez mais rico, complicado, variado e neste sentido, mais concreto. Apesar de toda sua complexidade, entretanto, o mundo espiritual do homem permanece um mundo integral governado pelas mesmas leis, assim constituindo uma genuína unidade da diversidade.

Movimento do abstrato ao concreto aparece em Hegel primeiro de tudo como a forma natural empiricamente indubitável na qual a construção do “reino do espírito” é completada. Em primeiro este reino (a esfera da cultura humana) é naturalmente descomplicada, pobre em formas estabelecidas, isto é, extremamente abstrata, se tornando ao longo do tempo cada vez mais complexo, rico e variado, isto é, concreto.

É fácil ver que ainda não existe qualquer coisa dialética ou idealista em tudo isso.

O idealismo, e ao mesmo tempo a dialética específica de Hegel, começam mais tarde, quando Hegel aborda a questão das forças motivadoras do desenvolvimento do “reino do espírito”, a esfera da consciência. Esta característica específica da filosofia hegeliana é o fato de que a ideia do desenvolvimento é plenamente aplicada somente aos fenômenos da consciência.

Em seu ponto de vista, a natureza existindo fora e independentemente do espírito não se desenvolve. Ela confronta consciência como uma imagem congelada no tempo, idêntica desde o início e por todo o tempo que virá. A consciência realiza sua natureza ativa incansável através de considerar ativamente essa imagem imóvel, este reino de coisas eternamente paradas nas mesmas relações com as outras. A atividade da realização enquanto tal também contém dentro de si o a mola principal de seu próprio desenvolvimento.

O espírito é a única concreticidade, isto é, o único sistema desenvolvido e em desenvolvimento de vivos fenômenos interagindo passando um no outro. Este último traço é, em seu ponto de vista, inteiramente não característico da natureza. Para ele, a natureza é abstrata de ponta a ponta, metafísico em sua própria essência: todos os fenômenos da natureza estão lado a lado com algum outro, isolado um do outro, situado fora um do outro. Como Hegel coloca, natureza recai dentro de si mesma em seus momentos abstratos, em coisas, objetos, processos separados existindo lado a lado um com o outro e independentemente um do outro. Na melhor das hipóteses, a dialética genuína é só vagamente refletida ou vagamente aparece na natureza.

A natureza idealista da filosofia de Hegel é aqui revelada de uma forma bastante marcante: ele atribui diretamente as limitações metafísicas da ciência natural contemporânea, o conhecimento da natureza, à própria natureza como sua propriedade eterna.

Onde a ciência natural contemporânea timidamente começa a realizar a dialética das próprias coisas, ele também vê “rudimentos” da concreticidade real, da interação dialética viva dos fenômenos. Assim ele vê uma forma imperfeita de concreticidade na vida orgânica. Aqui ele descobre interação viva ligando todas as partes do organismo animal em um sistema unificado dentro do qual cada membro separado existe e possui um significado somente através de sua interação com outros: fora desta interação não pode existir em geral. Uma mão amputada se decompõe, cessa de ser uma mão até mesmo na forma externa e em última análise no nome, também. Não pode existir separadamente em abstração.

Aqui Hegel vê uma fraca semelhança da concreticidade que ele considera como a excepcional propriedade do mundo espiritual. No mundo da química, no seu ponto de vista, interação interna é ainda mais fraca, embora existam rudimentos disso aqui também. Aqui oxigênio, por exemplo, pode e existe lado a lado com o hidrogênio, até mesmo se eles não estão ligados como elementos da água. Essa relação é impossível no organismo: a mão não pode existir separadamente da cabeça, tanto mão quanto cabeça existem somente através de sua interconexão, somente dentro desta conexão e condicionamento mútuo. Uma partícula possuindo somente propriedades mecânicas permanece a mesma partícula, que não muda em si mesma dependendo do tipo de ligação mecânica com outras partículas do mesmo tipo. Isoladas ou extraídas desta ligação, isto é, em sua forma abstrata, ainda permanecerá a mesma, não apodrecerá ou decairá como a mão “abstraída” do corpo.

O sistema hegeliano da natureza é construído como um sistema de estágio começando com a esfera abstrata do mecanismo e terminando com uma esfera relativamente concreta da vida orgânica. A pirâmide toda é coroada pelo espírito, como a esfera na qual todo o significado reside na concreticidade, na interconectividade absoluta de todos os seus fenômenos.

Onde está a falsidade desta construção hegeliana?

Primeiro de tudo nele tomando as concepções historicamente limitadas da ciência natural contemporânea, que, de fato, não contém dialética consciente, como sendo a característica absoluta da própria natureza.

Quanto ao fato da natureza como um todo ser um sistema integral realmente em desenvolvimento de formas de movimento da matéria condicionando mutuamente um ao outro, aquela natureza como um todo, incluindo o homem, é a concreticidade objetiva, real; este fato é mistificado por Hegel em seu sistema, no qual o abstrato, isto é, o mecanismo, é a manifestação da concreticidade do espiritual.

Ele não atribui qualquer forma ao movimento, à parte do movimento da razão pensante, a esfera de conceitos, com uma concreticidade imanente, isto é, com condicionantes mútuos reais dos fenômenos dentro de um todo natural.

Da mesma forma, Hegel considera a esfera da vida econômica da sociedade. Para ele, esta é a esfera da “vontade e intelecto”, uma esfera onde indivíduos únicos isolados uns dos outros interagem, cada um deles conectado com os outros somente porque ele tem que preservar si mesmo como um indivíduo abstrato único, como um tipo de átomo social.

É fácil ver aqui assim também que Hegel tomou as limitações metafísicas da economia política contemporânea (ele tinha um bom conhecimento dos teóricos Ingleses) por um caráter abstratamente intelectual da própria esfera econômica. A esfera da vida econômica, a esfera da sociedade civil, é supremamente governada pelo intelecto, isto é, nos termos hegelianos, a forma abstratamente unilateral da consciência.

Nesta esfera, opostos permanecem sem mediação, irreconciliáveis, eles se chocam um com o outro, repulsam um ao outro, permanecendo os mesmos opostos metafísicos. Desenvolvimento real é assim impossível aqui. Uma e a mesma relação, a relação eterna de necessidades de meios de gratifica-lo, é reproduzido eternamente aqui.

Assim a única forma possível de transição para algum estágio mais elevado no qual todos os extremos abstratos da esfera econômica são resolvidos é a transição para a realidade legal. O direito surge como a mais alta concreticidade que é manifestada como dividida em seus elementos abstratos na esfera da vida econômica.

Aqui nós vemos que a lógica de Hegel, sua dialética, ainda que ao mesmo tempo uma concepção essencialmente idealista do concreto e do abstrato, serve para justificar aqui que existe. Na ciência natural, a concepção de Hegel perpetua o dado nível de conhecimento da natureza, e na sociologia suporta a atitude apologética tanto da forma econômica da propriedade, quanto do direito que sanciona sua propriedade.

A atitude de Hegel para com a economia política poderia ser considerada em grande detalhe. É instrutivo em dois aspectos: por um lado, é aqui, na concepção de concreticidade, que a oposição entre a dialética idealista de Hegel e a dialética materialista de Marx é vista mais claramente, e por outro lado, é vista tão clara que a dialética idealista desculpa completamente a natureza metafísica do pensamento dos clássicos da economia burguesa (Smith, Ricardo e outros) pela negação da natureza genuinamente dialética do assunto da própria economia política, declarando ser uma esfera na qual as definições intelectuais abstratas correspondem plenamente ao caráter do assunto.

Em outras palavras, o idealismo da dialética hegeliana produz o mesmo resultado que em Smith, Ricardo e Say é a consequência do modo metafísico de investigação.

Qual é a característica mais impressionante de sua abordagem? O fato de que a esfera da vida econômica para ele não é uma esfera concreta, não é um sistema de interação de homens e coisas que se desenvolveu historicamente e pode ser entendido como uma esfera realmente concreta.

Para Hegel, a economia é somente uma de muitas manifestações do “espírito concreto”, isto é, uma manifestação abstrata de uma natureza mais elevada do homem. Essa natureza mais elevada, também manifestada unilateralmente na forma da atividade econômica, não é qualquer coisa além do que objetivos dirigidos atuando na vontade – a substância do direito e vida econômica, política e todo o resto. O objetivo dirigido (racional) aparecerá como uma substância concreta que é manifestada abstratamente e unilateralmente em seus produtos, em seus modos – economia, direito, política etc. Enquanto isso é tomado como o ponto de partida, enquanto o objetivo dirigido racional (ou simplesmente a razão, desde que vontade em Hegel é a forma da existência da razão no homem) será apresentado como uma substância concreta universal de todas as formas da atividade social, ele naturalmente considera economia somente como algo que pode ser interpretado como uma manifestação da vontade racional, como um de muitas revelações, como uma manifestação unilateral (abstrata) da razão e vontade do indivíduo social.

Assim, todas as definições de economia, todas as categorias da vida econômica (valor, lucro, salários etc.) aparecem como modos abstratos da vontade racional, como uma forma particular ou específica de seu ser social. Na economia, a razão surge em uma forma que não corresponde com sua natureza universal, mas meramente a uma única manifestação abstrata unilateral dela. O universal concreto criará a forma que é adequada a sua natureza somente no direito e no estado. O estado é, de acordo com Hegel, a realidade concreta da vontade universal incluindo em si mesma todas as formas particulares, específicas e, desse modo, abstratas de sua manifestação, incluindo a economia, a esfera das necessidades, um “sistema de necessidades”.

Dentro da economia, a substância concreta universal de qualquer coisa que é humana – vontade racional – aparece em uma forma extremamente unilateral e abstrata. A esfera da atividade econômica dos homens não é, assim, um sistema concreto de interação de homens e coisas, surgindo e desenvolvendo independente da vontade e consciência dos indivíduos. Ela não pode constituir o assunto de uma ciência especial e só pode ser considerada em um sistema de definições universais da vontade racional, isto é, dentro da filosofia do espírito, dentro da filosofia da lei do estado. Aqui ela aparece como uma das esferas específicas da atividade da razão, como uma forma abstrata de revelação da razão atuando na história.

Não é difícil ver a oposição diametral entre os pontos de vista de Marx e Hegel da economia, da natureza de sua interconexão dialética com todas as outras manifestações da vida social, e seu papel no todo social.

Neste ponto, Marx contraria Hegel como um materialista primeiro de tudo. A característica mais interessante aqui é, entretanto, que é o materialismo que permite que ele desenvolva um ponto de vista mais profundo da dialética do assunto.

Para Marx, a esfera da interação econômica dos homens é a esfera plenamente concreta da vida social, com suas próprias leis imanentes específicas de movimento. Em outras palavras, ela parece ser relativamente independente de todas as outras formas de atividade social dos homens e precisamente por esta razão constitui o assunto de uma ciência especial. O sistema de interação econômica entre homens surge como um sistema historicamente decorrente e historicamente desenvolvido, todos os aspectos os quais são mutuamente conectados um com o outro através da unidade de origem (geneticamente).

É importante enfatizar que o sistema de relações econômicas é um sistema que não é somente relativamente, mas também absolutamente independente da vontade e consciência dos indivíduos, embora a vontade e consciência dos indivíduos desempenham um papel muito ativo na sua formação. A própria natureza desta participação da vontade consciente na formação do sistema é determinada pelo próprio sistema de relações econômicas, incorporando homens dotados com vontade e consciência, ao invés de pela “natureza do espírito”, de antemão e de fora. Em outras palavras, vontade e razão aparecem elas mesmas aqui como modo de algumas outras substâncias, como suas manifestações e produtos abstratos. Todas as definições da vontade e consciência dos indivíduos envolvidos no desenvolvimento do sistema econômico são literalmente deduzidas da natureza do auto movimento interno do sistema como um todo, interpretado como produtos do movimento desse sistema.

Assim, deste ponto de vista tudo parece exatamente o reverso quando comparado à construção hegeliana: tudo está revirado. É o materialismo que age como a principal causa e condição do fato de que a dialética é aplicada para o entendimento da economia em uma medida plena e muito mais compreensivamente do que é geralmente possível fazer a partir das posições hegelianas.

Para Hegel, a categoria da concreticidade é plenamente aplicável somente aqui e ali, quando e onde nós lidamos com vontade consciente e seus produtos, somente na esfera do espírito e seus produtos, suas manifestações (Entäusserungen).

No ponto de vista de Marx, essa mais importante categoria da dialética é plenamente aplicável em todo lugar, em qualquer esfera do ser social e natural, independentemente de qualquer espírito que seja, e nesta base, aos fenômenos da vida do próprio espírito, isto é, ao desenvolvimento de qualquer esfera da consciência social, incluindo raciocínio, a esfera da lógica.

De acordo com a construção hegeliana e seu ponto de partida idealista, nenhuma forma de movimento na natureza pode ser entendida como uma forma concreta, como um sistema historicamente surgindo e autodesenvolvendo de fenômenos interagindo internamente. Qualquer esfera assim adquire alguma relação com a concreticidade somente quando está envolvida no processo espiritual, quando alguém sucede em interpretá-la como um produto do espírito, como modos da substância espiritual. O atributo da concreticidade prova ser um monopólio exclusivo do espírito autodesenvolvendo, enquanto a própria natureza (incluindo o aspecto material do ser social humano) não possui concreticidade em sua existência. Aos olhos de Hegel, interconexão é em geral possível somente como interconexão ideal, como afirmado pelo espírito ou conceito.

A categoria de concreticidade, uma das categorias centrais da dialética, é assim emasculada no sistema de Hegel em tal medida que é impossível aplica-la na ciência natural ou à concepção materialista da sociedade. Em resumo, a categoria de concreticidade e consequentemente dialética como um todo, que é inconcebível sem esta categoria, revela-se inaplicável a qualquer coisa que não a esfera do espírito. Para tudo o mais só é aplicável na medida em que essas outras coisas são interpretadas puramente idealisticamente, como uma manifestação do espírito universal, como uma manifestação unilateral (abstrata) do espírito concreto, do concreto pleno e rico do espírito absoluto, a ideia absoluta.

Estas limitações idealistas da concepção de Hegel de concreticidade, a estreiteza desta concepção, são indissoluvelmente vinculadas com a noção de que natureza é algo estático, que o desenvolvimento pertence somente à esfera do espírito.

Concreticidade de fato é indissoluvelmente vinculado com o desenvolvimento, e desenvolvimento dialético, com autodesenvolvimento através das contradições. O último Hegel viu na consciência e em nenhum outro lugar. Por isso a estreiteza de sua concepção de concreticidade, uma concepção que, limitada como ela é, é depois estendida ao inteiro campo da natureza.

Conectado a isso está a interpretação de Hegel do método de ascensão do abstrato ao concreto. De acordo com Hegel, isso significa que a inteira realidade, incluindo a natureza e história, é a ascensão do espírito a si mesmo, um processo que vai através de um número de estágio a partir do “mecanismo”, como a esfera da manifestação puramente abstrata da espiritualidade, a um espírito humano concreto. A ascensão a si mesmo é realizada pelo absoluto, não-humano, espírito divino. Enquanto tal, este espírito é concreto em si mesmo (an sich) antes mesmo de ter se revelado como “mecanismo”, “quimismo”, ou “organismo” em uma maneira unilateral, abstrata.

É por isso que a lógica pura no sistema de Hegel precede a consideração filosófica da natureza, sendo a última apresentada como um número de estágio nos quais o espírito lógico concreto revela a si próprio (sich entäussert) ainda mais pleno e concreto na forma de espaço e tempo.

Ascensão do abstrato ao concreto, desse modo, coincide em Hegel com a geração do mundo pela ideia lógica. Assim a lei da reprodução espiritual do mundo pelo pensamento é aqui representada diretamente como a lei da produção desse mundo pelo poder criativo do conceito.

Esta ilusão hegeliana, como Marx mostrou, é baseada simplesmente em um ponto de vista unilateral do filósofo e lógico da realidade. Hegel, como lógico ex professo, está interessado em todos os lugares e primeiro de tudo na “matéria da lógica, ao invés da lógica da matéria”. A partir deste ponto de vista, o homem é considerado somente como o sujeito da atividade teórica lógica, e o mundo, somente como objeto, somente como material processado nesta atividade. Esta abstração é, dentro de certos limites, justificada na lógica, e enquanto a lógica suporta estas limitações na mente, não existe qualquer coisa idealista nesta abstração.

A abordagem de Hegel, entretanto, elimina estas fronteiras. Ele considera pensamento não somente e não simplesmente como uma das habilidades do homem, mas também como a fonte substancial de todas as outras habilidades humanas e tipos de atividade, como sua fundação essencial. Ele trata a habilidade de mudar praticamente o mundo externo, natureza fora do homem, também como uma manifestação do princípio mental no homem. O verdadeiro processo da transformação prática do mundo aparece em sua filosofia como uma consequência e manifestação da atividade puramente espiritual – em última análise, da atividade puramente lógica, enquanto o todo da cultura material da humanidade, como um produto do pensamento, como um “conceito refinado”, como o “outro ser do conceito”.

Na realidade, a base imediata do desenvolvimento do pensamento não é a natureza enquanto tal, mas precisamente a transformação da natureza pelo homem social, isto é, prática. Se a base prática objetiva do pensamento é apresentada como o produto do pensamento, como pensamento em sua realização material, alguém precisa concluir que pensamento tem a ver com a objetividade somente na aparência, enquanto o fato verdadeiro, essencialmente, lida somente com si mesmo, com seu próprio “outro ser”. Definições lógicas, isto é, aquelas definições que o mundo objetivo externo deve ao pensamento, aparece como o absoluto e as definições unicamente genuínas deste mundo.

O ponto de vista da lógica se torna em Hegel absoluto e que tudo abarca. Se a essência do homem acredita-se estar no pensamento, e a essência da realidade objetiva, em sendo o produto do pensamento, um “conceito alienado”, a lei do desenvolvimento do pensamento aparece como a lei do desenvolvimento do mundo real. É por isso que o homem e pensamento em conceito provam serem sinônimos completos em Hegel, assim como o mundo e o mundo em conceitos, o mundo assimilado logicamente. A lei a qual de fato determina somente a atividade da cabeça pensante teórica é feita a suprema lei do desenvolvimento e prática do homem e do mundo objetivo.

O verdadeiro assunto da lógica hegeliana permanece, apesar de suas ilusões, somente o processo da assimilação teórica do mundo, da reprodução mental do mundo. Na medida em que Hegel estuda este mundo, ele chega a verdadeiras descobertas. Na medida em que ele toma este assunto como algo diferente do que realmente é, por algo maior – a formação do próprio mundo, ele toma o caminho da compreensão errônea do mundo e do pensamento, também. Ele priva a si mesmo de qualquer possibilidade de entendimento do processo do próprio pensamento. Enquanto as verdadeiras condições produzindo a atividade lógica são apresentadas como seus próprios produtos e consequências, o raciocínio lógico é suspendido em pleno ar, ou ainda no “éter do pensamento puro”. O próprio fato da origem do pensamento e as leis de seu desenvolvimento se tornam bastante inexplicáveis. Ele não possui fundação em qualquer coisa residindo fora de si. As fundações acredita-se residirem em si mesmo. É por isso que Hegel é compelido no final a interpretar a habilidade lógica, a habilidade de distinguir entre e combinar conceitos, como um tipo de dom divino, como atividade do conceito se autodesenvolvendo. A lei da ascensão do abstrato ao concreto, descoberta por Hegel no movimento do conhecimento teórico, também permanece inexplicável. A questão de porque o pensamento se move em uma direção ao invés de outra, é respondida pela filosofia hegeliana em uma forma essencialmente tautológica: tal é a natureza original e “não-criável” do pensamento. Tautologia cessa ser uma mera tautologia aqui, se tornando uma mentira idealista.

Este é o ponto ao qual Marx nivela sua crítica, mostrando que absolutamente não existe explicação aqui, e a tentativa de transmitir uma ausência de uma explicação por uma explicação é equivalente ao idealismo.

Embora Marx descarte a concepção hegeliana do pensamento como o demiurgo do mundo objetivo, ele, entretanto, não rejeita a lei que Hegel estabeleceu no movimento do conhecimento teórico, embora ele tenha dado a isso uma falsa interpretação idealística. A ascensão do abstrato ao concreto, como Marx apontou, é de fato nada além de um método para o pensamento humano assimilar a realidade concreta existindo fora e independentemente dele. Enquanto tal, este método assume, primeiro, a existência de uma concreticidade não interpretada, segundo, a atividade objetiva prática do homem social se desenvolvendo independentemente do pensamento, e terceiro, uma forma sensorial imediata de reflexo da concreticidade objetiva na consciência, isto é, consciência, contemplação e noção empíricas formando bastante independentemente de e anteriormente a atividade teórica especial. Em outras palavras, pensamento teórico é posterior a existência do mundo objetivo e, além disso, a outra forma de consciência forma diretamente ao longo da atividade prática sensorial – o modo espiritual prático da assimilação do mundo, como Marx se referiu a isso.

Hegel apresenta todas essas premissas do pensamento teórico como seus produtos e consequências. Marx coloca todas as coisas em seus devidos lugares.

A partir do ponto de vista materialista, como Marx mostrou, o método da ascensão do abstrato ao concreto pode e deve ser entendido bastante racionalmente, sem qualquer misticismo, como o único método pelo qual o pensamento pode reproduzir no conceito, no movimento dos conceitos, a concreticidade historicamente estabelecida existindo fora e independentemente dele, um mundo existindo e se desenvolvendo fora e independentemente do pensamento.