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Primeira Edição: Conferência pronunciada em 12 de Fevereiro de 2004 no anfiteatro do Edifício da Alfândega, na Cidade do Porto, no âmbito do ciclo de conferências de ex-primeiro-ministros promovido pela Câmara Municipal do Porto.
Fonte: http://resistir.info
HTML: Fernando Araújo.
Sr. Presidente da Câmara Municipal do Porto.
Minhas Senhoras e meus Senhores.
Desejo felicitar o Sr. Presidente e a Câmara Municipal pela iniciativa que tiveram em promover este ciclo de conferências.
Desejo, igualmente, afirmar que me sinto honrado com o convite que me foi dirigido e que é com muito prazer que aqui estou.
Em 25 de Abril de 1974, o Movimento das Forças Armadas derrubou o governo fascista-colonialista que oprimia o nosso povo e os povos das colónias portuguesas.
Nesse mesmo dia verificou-se um vigoroso, entusiástico, e espontâneo levantamento popular e nacional que desencadeou um processo de transformação do golpe militar numa revolução.
A Revolução de Abril foi a mais profunda e a mais popular das revoluções portuguesas. Trouxe ao povo português, às suas classes mais desfavorecidas, as maiores conquistas democráticas da sua história de mais de oito séculos.
A Revolução de Abril pôs fim à guerra colonial e deu um impulso decisivo na criação de condições para a independência não neo-colonialista de Moçambique, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Angola e Guiné-Bissau (este país já tinha proclamado a sua independência numa parte do seu território).
Instaurou um regime de amplas liberdades, garantias e direitos políticos, cívicos, culturais, sindicais e laborais.
Com a nacionalização da banca e das companhias de seguros, dos sectores básicos da produção, das principais empresas de transportes e comunicações, destruiu as bases do capitalismo monopolista de estado e os grupos económicos monopolistas, que dominavam a economia e a política portuguesa antes do 25 de Abril. Pôs fim ao condicionamento industrial permitindo que os empresários tivessem liberdade de investimento.
Com a criação de um sector público de peso determinante no funcionamento da nossa economia e na regulação do mercado e no comércio externo, foram abertas perspectivas de um desenvolvimento económico-social orientado, basicamente, por critérios de satisfação das necessidades materiais e culturais da nossa população e das suas mais legítimas aspirações.
Face aos nossos atrasos, deficiências e debilidades, abriu-se a oportunidade de reestruturar profundamente o tecido económico e social e de garantir o progresso.
A Revolução de Abril criou condições para profundas transformações sócio-económicas nos campos, com a expropriação dos latifúndios e a realização da reforma agrária dando origem à constituição de unidades colectivas de produção constituídas por trabalhadores assalariados rurais, pequenos e médios proprietários, com a aprovação de uma nova lei de arrendamento rural, com a devolução aos povos de terrenos baldios (de tradição centenária), com o desenvolvimento do cooperativismo, com a transformação dos antigos organismos corporativos e de coordenação económica, em estruturas para o desenvolvimento agrícola ao serviço dos agricultores e dos trabalhadores rurais assalariados.
A Revolução de Abril promoveu melhores condições de vida para os trabalhadores e para as mais vastas camadas da população com a elevação de salários, com a institucionalização do salário mínimo, reformas, pensões mínimas, segurança social, alargamento do período de férias para trinta dias, férias pagas, 13º mês, licença de parto, redução do horário de trabalho, protecção no desemprego, e uma mais justa repartição do Rendimento Nacional entre o capital e o trabalho.
A Revolução de Abril promoveu transformações progressistas no ensino sem paralelo na nossa história (um extraordinário acesso à frequência escolar, a unificação do ensino básico, gestão democrática das escolas, novos programas de estudo), na saúde, através da criação de um Serviço Nacional de Saúde universal e gratuito, na cultura e no desporto.
Todas estas transformações tiveram a orientação geral de democratizar a vida social, de promover o exercício dos direitos dos cidadãos e de estimular a participação popular.
No domínio das relações internacionais, Portugal deixou de ser um país isolado e submetido aos interesses do imperialismo passando a praticar uma política de abertura e diversificação das relações internacionais, e assumindo uma política de independência nacional.
Portugal passou a agir como país independente assumindo o seu próprio rumo quer no respeitante ao processo de descolonização, quer na condução da sua política interna.
É de salientar que o processo da Revolução de Abril mostrou que a liquidação do poder económico dos grupos monopolistas e do latifúndio era uma condição necessária para a instauração de uma autêntica democracia política.
Mentiu-se, e continua a mentir-se demagogicamente, com deliberados objectivos políticos e ideológicos e de interesses de classe, acerca da política económica que estava sendo posta em prática, numa situação com as características de uma situação revolucionária, naturalmente agitada e de grandes contradições sociais.
Mas a verdade é que essa política se mostrou adequada à situação em que se vivia, no contexto internacional da crise capitalista de 1973-75, a maior do pós-guerra.
Para que não se esqueça, cito as declarações esclarecedoras, mas deliberadamente ocultadas da opinião pública, da missão da OCDE que se deslocou a Portugal de 15 a 20 de Dezembro de 1975, composta por Rudingen Dornbush, Richard Ekaus e Lance Taylor, do Departamento de Economia do Massachussets Institute of Tecnology (MIT):
Parece ser opinião virtualmente unânime em Portugal que houve um catastrófico declínio da actividade económica no segundo semestre de 1974 e durante o ano de 1975.
Em face de tão sombrias perspectivas, pode ser encarado como injustificado optimismo sustentar que, embora a situação seja muito fluida, no princípio de 1976, a economia portuguesa está surpreendentemente saudável.
Se há uma potencialidade perigosa para novos declínios reais no produto e no rendimento, mais desemprego e inflação há, também, a potencialidade para uma forte recuperação.
Para um país que recentemente passou através de reforma sociais, um mar de mudanças na sua posição no comércio externo e seis governos revolucionários nos últimos dezanove meses, Portugal goza, inesperadamente, de boa saúde económica.
Se o produto real caiu claramente em 1975, o declínio não foi precipitado: a melhor estimativa é de uma diminuição de 3% no produto interno bruto (PIB). Em comparação com outros países da OCDE, a experiência portuguesa não parece muito pior que a média.
De facto, o desempenho da sua economia foi extremamente robusto quando as incertezas políticas de 1975 são levadas em conta.
Em comparação o declínio do PIB nos Estados Unidos foi de cerca de 3%, da Alemanha Ocidental próximo dos 4% e da Itália quase 4,5%
Aquilo que para os autores do relatório era surpreendente não o era para os responsáveis pela política económica dos governos provisórios.
Foram, precisamente, as mudanças estruturais, a nacionalização da banca e dos seguros, dos sectores básicos da produção, das principais empresas de comunicações e transportes, a reforma agrária, a participação dos trabalhadores, as melhorias salariais, a intervenção do Estado nas empresas em dificuldades, que salvaram a nossa economia do colapso.
Ao longo do processo histórico da Revolução de Abril foi surgindo, nas suas linhas gerais, um modelo de transição pacífica, democrática e pluralista para o socialismo. Este modelo foi sendo elaborado nas condições políticas, económicas, sociais e culturais do nosso país, fortemente determinadas pela participação popular, pela existência do MFA, pela aliança Povo-MFA, na dinâmica de uma acesa luta de classes, no contexto da crise da economia capitalista dos anos de 1973-75, e das relações internacionais caracterizadas pela guerra fria.
O modelo foi surgindo às claras, sem mentiras, e correspondeu ao programa do MFA, à opção socialista do MFA, aos dois pactos MFA-Partidos, aos enunciados de política económica e social feitos pelo IVº Governo Provisório nas assembleias do MFA de 11 de Abril e 19 de Maio de 1975, às conquistas democráticas e revolucionárias, até à queda do Vº Governo Provisório, às ideias e aos trabalhos da maioria dos deputados constituintes e à decisão da Assembleia Constituinte e do Presidente da República, que era também Presidente do Conselho da Revolução.
Foi consagrado na Constituição da República Portuguesa de 1976.
Pelo modo como foi elaborado, e pela sua própria natureza, este modelo de reeorganização da sociedade a caminho da transição para o socialismo, era necessariamente diferente de todos os anteriormente ensaiados.
A Constituição da República Portuguesa, de 1976 foi uma criação do 25 de Abril e da revolução que aí se iniciou e o socialismo a que a Constituição se refere não é, uma qualquer forma de capitalismo reformado, é a superação do capitalismo.
A Constituição foi promulgada em 2 de Abril de 1976, portanto depois do 25 de Novembro de 1975, quando estava em curso uma mudança de correlação de forças políticas e sociais, civis e militares, contrária ao conteúdo revolucionário das conquistas de Abril.
A aprovação e promulgação da Constituição ainda foram possíveis devido ao impulso que as conquistas democráticas haviam dado ao 25 de Abril, aos esforços dos militares que ainda conseguiram fazer aprovar a 2ª Plataforma de Acordo Constitucional MFA-Partidos, à vontade da maioria dos deputados da Assembleia Constituinte que elaboraram o texto constitucional e à posição tomada pelo Presidente da República, que no próprio dia da aprovação do texto se deslocou à Assembleia Constituinte para nela, imediatamente, o promulgar.
A mudança de correlação de forças que acima referi, teve múltiplas causas das quais são de salientar:
Desde 1976, de um modo geral, todos os governos, com maior ou menor intensidade, têm praticado uma política contra-revolucionária, uma política de direita de acordo com os interesses económico-financeiros e políticos do grande capital dominante, no nosso país, por sua vez cada vez mais estreitamente ligado e dependente do grande capital transnacional, e portanto dos interesses dominantes nos países mais poderosos da União Europeia e nos Estados Unidos.
Em contraste com o ordenamento económico-social da Constituição de 1976, em contraste com as perspectivas de futuro para Portugal, que a Revolução de Abril abriu, a política que tem sido levada à prática pelos sucessivos governos constitucionais tem sido determinada pelo neo-liberalismo, nas estratégias e nas acções quotidianas, quer quanto às decisões estruturais, quer quanto às decisões conjunturais, nos diversos domínios da actividade política, económica, social, cultural, das relações externas, da comunicação social e das Forças Armadas.
Devo dizer que estou a referir-me a linhas de fundo de acção política e que tenho consciência de que nesses governos participaram individualidades que não perfilhavam a orientação neo-liberal, das quais devo destacar a Srª Eng.ª Maria de Lurdes Pintassilgo.
A política seguida há quase 30 anos é profundamente diferente daquela para que apontavam as conquistas de Abril.
As conquistas de Abril eram um caminho para o futuro de Portugal.
E elas continuam a ser, devidamente ponderadas, analisadas e adaptadas, um objectivo para esse futuro, face às novas realidades do nosso país e do mundo.
Não se trata de uma posição voluntarista mas realista, face às tremendas e, para alguns, inultrapassáveis realidades actuais.
Procura-se diminuir drasticamente o papel do Estado quer nas funções de regulamentação do mercado, quer na orientação estratégica do desenvolvimento económico-social, quer na correcção das desigualdades da distribuição da riqueza nacional, que, pelo contrário se agravam.
Procura-se reduzir a intervenção do Estado na prestação de serviços infra-estruturais públicos, na Saúde, no Ensino, na Segurança Social, na Habitação, na Cultura, no Desporto, na defesa do meio ambiente e do próprio património nacional.
Menos Estado social, mas maior utilização do papel do Estado para garantir a regulamentação da «desregulamentação» favorável aos interesses do capital e desfavorável aos dos pequenos e médios produtores e das classes trabalhadoras.
O neo-liberalismo tem provocado o agravamento das desigualdades, o que é uma das suas características estruturais.
Provoca o aumento do desemprego, a desindustrialização, a degradação e ruína da agricultura e das pescas, a degradação do ambiente, a mercantilização de todas as actividades da sociedade.
O neo-liberalismo é incompatível com a justiça social.
A política de privatizações da propriedade pública, um dos fundamentos da política de contra-revolução, tem decorrido em três fases, ajustadas aos interesses do grande capital, e à necessidade que este tem de preparar sucessivamente a opinião pública com vista a diminuir a intensidade da sua oposição.
Na primeira fase, já muito avançada, a privatização das empresas públicas industriais e financeiras.
A segunda, tem por objectivo os serviços públicos infra-estruturais, água, energia, transportes e comunicações, começando pela privatização do estatuto jurídico a que se seguirá a privatização do capital social das empresas.
Esta fase está em curso e tem encontrado resistência, aliás, como a primeira, por parte dos assalariados e da opinião pública.
A terceira fase, hoje bem visível por todos nós, tem por objectivo a privatização de serviços públicos de natureza não empresarial, como a educação, a saúde e a segurança social.
A situação do país é caracterizada hoje, fundamentalmente, por:
Face a esta situação que política nacional é necessária?
Uma política absolutamente contrária à política de direita que tem governado o nosso país desde 1976.
Uma política que garanta o cumprimento do ordenamento económico, social, político e cultural da Constituição que, não obstante as graves alterações sofridas em consequência de sucessivas revisões constitucionais, contém, ainda, um estatuto institucional, cujo conteúdo permite a execução de uma política de desenvolvimento, no sentido da satisfação das mais legítimas aspirações da grande maioria da nossa população.
Aspirações à justiça social, ao bem estar, à equidade social e ao progresso, no sentido e de abrir abrir caminho para uma sociedade socialista, no respeito da vontade do povo português, tendo em vista a construção de um país mais livre, mais justo e mais fraterno. Cito o preâmbulo da Constituição revista em 1997.
Precisamos de uma política económico-social que tenha por objecto o desenvolvimento, em todos os aspectos, da vida da sociedade, a melhoria do nível de vida das classes mais desfavorecidas, e o controlo apertado e firme dos grandes grupos económicos e do investimento estrangeiro.
Portugal necessita de um novo modelo de desenvolvimento que abandone o modelo de produção baseado na utilização de mão de obra barata e de baixa qualificação e que tenha por base:
Portugal necessita de um modelo que não permita que o capital estrangeiro se venha a apropriar de sectores estratégicos para o nosso desenvolvimento, como tem acontecido com a política das privatizações.
Assistimos, em particular, a uma ofensiva global do capital espanhol, transnacional: financeira e comercial, com consequências graves em quase todos os domínios da vida nacional.
Trata-se de uma ameaça à nossa própria identidade.
A Espanha é o primeiro parceiro comercial de Portugal, sendo Portugal o quinto da Espanha. As exportações espanholas para Portugal são superiores à soma de todas as suas exportações para a América Latina.
As nossas cedências conduzem a oferecer à Espanha possibilidades concretas de vir a transformar a hegemonia económica em dominação política, o que deve ser rejeitado com a maior firmeza.
Um modelo de desenvolvimento que possa garantir a existência das empresas rentáveis, e que estão sendo levadas à falência, não só por má gestão, falta de iniciativa, falta de recursos, como pela concorrência internacional desigual, em consequência da abertura de fronteiras à livre circulação de capitais, mercadorias e serviços, quer no quadro da nossa pertença à União Europeia, quer devido à pressão de organismos internacionais, como a Organização Mundial do Comércio, o que beneficia determinantemente os países altamente industrializados.
É necessário pôr fim à política de privatizações, salvando o que resta do sector público empresarial, consolidadndo-o e promovendo o seu desenvolvimento e a sua expansão.
Não privatizando, de modo directo ou indirecto, serviços públicos infraestruturais que sejam fundamentais para a satisfação de necessidades básicas dos cidadãos, como por exemplo, água, gás, electricidade, remoção e tratamento de lixos e resíduos sólidos, etc.
É crucial um grande esforço no investimento público, o qual deverá ser utilizado como instrumento importante de revitalização da actividade económica e da criação de um clima de confiança.
A salvaguarda do papel do Estado no desenvolvimento do país, exige a modernização da Administração Pública melhorando a organização e a qualidade do trabalho, do mesmo passo dignificando a função pública como serviço público.
No entanto, a intenção política subjacente à actual reforma da Administração Pública vai no sentido da privatização de serviços, e da precarização do trabalho.
É necessário garantir os direitos laborais, sindicais, sociais dos trabalhadores e uma justa retribuição do trabalho, contribuindo assim, para uma mais justa redestribuição do Rendimento Nacional e a dinamização do mercado interno.
O novo Código de Trabalho, recentemente aprovado, é injusto e duramente violento, destruindo direitos fundamentais dos trabalhadores, como por exemplo, os relativos a remunerações, à fixação de horários de trabalho e duração de trabalho, à actividade sindical nos locais de trabalho, aos direitos das comissões sindicais e das comissões de trabalhadores, à contratação colectiva, à regulação das relações de trabalho nas empresas (através da desregulamentação, precariedade e flexibilidade), tudo subordinado ao objectivo da intensificação da exploração da mão de obra.
O sistema público de Segurança Social tem de ser melhorado e garantida a sua sustentabilidade financeira, ao contrário do sentido da nova Lei de Bases da Segurança Social que deve ser combatida.
A nova Lei de Bases da Segurança Social tem por objectivo a entrega duma fatia substancial dos fundos da Segurança Social à área de negócios dos seguradores privados, tornando a Segurança Social um sector particularmente lucrativo para o capital em prejuízo da garantia da segurança das pensões de reforma dos trabalhadores, que passam a ser objecto de negócio bolsista.
Devemos lutar, com firmeza, pela existência de um Serviço Nacional de Saúde, o que implica a inversão da actual política no sentido da sua progressiva privatização, que está a ser concretizada através das recentes alterações à Lei de Bases da Saúde relativas ao estatuto dos profissionais de saúde do SNS, ao financiamento do SNS, à nova lei de gestão hospitalar, à empresarialização de 34 hospitais públicos, à lei de Parceria Público-Privado.
Todas estas novas leis têm por finalidade a transformação da Saúde numa nova e grande área de negócio financiada pelo Estado por intermédio e em prejuízo do SNS.
Também é essencial não favorecer nem permitir a mercantilização do Ensino e da Educação, investindo no ensino público universal e tendencialmente gratuito, de qualidade.
O Estado deve garantir um sistema de justiça, rigoroso, isento e credível capaz de assegurar aos cidadãos o cumprimento eficaz da lei.
A salvaguarda da qualidade de vida dos cidadãos, exige uma política nacional de ordenamento do território tradução territorializada de uma política nacional de desenvolvimento que se deseja equilibrado, respeitador do ambiente e dos valores culturais das populações.
Tudo isto exige a dignificação do comportamento político, da própria actividade política a todos os níveis da representação popular, contrariando a utilização das Administrações Central e Local para o emprego de clientela partidária.
Portugal, no domínio das relações internacionais, deve rejeitar o processo de federalização da União Europeia.
Em matéria de Defesa Nacional, Portugal deve rejeitar o fim do Serviço Militar Obrigatório e a constituição de umas Forças Armadas exclusivamente profissionais.
O novo conceito estratégico de Defesa Nacional é um conceito moldado no novo conceito estratégico da NATO, ou seja, dos EUA.
A NATO é uma aliança bélica e de pressão internacional que os EUA utilizam e controlam de acordo com os seus interesses de domínio planetário.
É um conceito estratégico a que nos devemos opôr, bem como ao propósito de militarização da União Europeia, através da criação de uma força europeia de intervenção rápida.
Os princípios que devem estar na base do nosso conceito estratégico de defesa nacional têm de ter em conta as componentes políticas, económicas, sociais e culturais do nosso país com vista à preservação da independência nacional e ao exercício da soberania nacional.
Portugal deve afirmar uma voz própria e autónoma no plano internacional, orientando por objectivos próprios a sua defesa nacional e o exercício da sua soberania, recusando uma aceitação passiva de políticas determinadas por interesses que não são nossos.
O principal factor de defesa nacional tem de assentar numa coesão interna com base na justiça social.
Com efeito, um pequeno país como o nosso não pode alicerçar a sua defesa em poderosos e sofisticados armamentos, mas antes na vontade de independência nacional de um povo.
Deve alicerçar a sua política na amizade e cooperação com todos os povos e na vontade de negociação política, pacífica, dos diferendos entre nações, no respeito do Direito Internacional.
Não pode aceitar que organizações como a ONU e a OSCE, no seio das quais devem ser resolvidos os diferendos, sejam instrumentalizadas por parte dos EUA e dos seus poderosos aliados.
Portugal não deve, cooperar ou intervir nas falsas operações humanitárias, de paz, quer na antiga Jugoslávia, quer na guerra contra o povo iraquiano, quer em outros teatros de operações.
Portugal não pode aceitar a política de dominação planetária dos EUA a pretexto da prevenção do combate ao terrorismo.
Só respeitando e não agredindo os direitos dos povos à independência e à liberdade se pode combater o terrorismo.
Mas existem condições que permitam levar à prática as orientações políticas acima expostas?
O modo de produção capitalista, em consequência da sua própria essência, das leis do seu desenvolvimento, das condições necessárias à sua reprodução e perpetuação, conduziu à globalização neo-liberal.
A política de globalização neo-liberal, comandada e imposta pelos EUA, sustentada pela sua força militar e dos seus poderosos aliados da NATO, embora com contradições internas e externas, procura impôr-se a todo o mundo.
É uma política que arrasta consigo a penetração generalizada e cada vez mais expandida da ideologia e da prática do consumismo nos hábitos de comportamento das pessoas e na formação da sua consciência social e política.
O 11 de Setembro permitiu que os interesses económicos da globalização neo-liberal, pudessem ser acelerados sob o manto ideológico da luta contra o terrorismo.
Passámos a assistir à intervenção militar externa deliberada, à margem do Direiro Internacional a pretexto de levar a democracia « aos povos não democráticos », cujos países, curiosamente, dispõem de recursos naturais estratégicos.
E a guerra contra o terrorismo é estabelecida em duas vertentes: como uma guerra preventiva a pretexto da defesa dos interesses próprios, onde e quando esses «interesses» se sentirem ameaçados - e como uma 'guerra sem fim'.
Tudo isto justificando a corrida aos armamentos nucleares, químicos, radiológicos e biológicos.
Estamos perante uma política de dominação unipolar planetária por parte da mais forte potência militar que jamais existiu sobre a terra e com ela a uma ofensiva global do capitalismo que procura impôr-se a todo o mundo como sistema único de organização da sociedade.
Será possível que a acção consciente, organizada e determinada dos trabalhadores e dos povos, seja capaz de criar condições para pôr fim a esta ofensiva global do capital e substituir a sociedade capitalista por uma sociedade mais justa, a socialista? Será possível, neste quadro pôr fim à política de direita que vem sendo feita em Portugal, há cerca de 30 anos?
Ao contrário do que pode parecer o capitalismo está em crise.
E a crise que o capitalismo, hoje, vive não é conjuntural mas estrutural.
Por isso o sistema procura impor, a todo o mundo, esta globalização, como fase final da sua evolução histórica.
No entanto, o capitalismo não é reformável porque as relações sociais em que se baseia e sem as quais não pode sobreviver são intrinsecamente injustas e de exploração do homem.
Assim, a cada momento, se agrava o processo de globalização, cuja mão invisível não é, desta vez, o mercado de Adam Smith, mas a força militar liderada pelos EUA. É o próprio Kissinger que o afirma.
A globalização capitalista'', segundo Istvan Meszaros, ''acciona forças que colocam em causa não somente a controlabilidade do sistema, por qualquer processo racional, mas também e simultaneamente, a sua própria capacidade para cumprir as funções de controlo que se definem como a sua condição de existência e legitimidade.
Assim, dada a crise estrutural do sistema do capital, mesmo que uma alteração conjuntural fosse capaz de criar, durante algum tempo, uma tentativa de instituir alguma forma de administração keinesiana do Estado, ela teria forçosamente, uma duração muito limitada, devido à ausência das condições materiais que poderiam favorecer a sua expansão por um período maior, mesmo nos países capitalistas avançados.
Aliás, isto verificou-se com o fim da longa duração da expansão keynesiana, nos trinta gloriosos anos após a 2ª Guerra Mundial. Esgotada, deu lugar à actual política neo-liberal.
O novo imperialismo planetário necessita do controlo dos recursos naturais e das guerras preventivas , de intervenção humanitária para garantir a sua dominação e superar a sua fraqueza económica intrínseca.
Com efeito o imperialismo americano vive hoje uma crise económica estrutural com tremendos défices na balança de pagamentos, no orçamento federal, no endividamento interno, e na balança comercial e energética.
Espelho desta situação é a queda do dólar em relação ao euro.
O capitalismo necessita da guerra e da fome e da miséria de milhares de milhões de pessoas.
O seu domínio sobre a ciência e a tecnologia, utilizadas, permanentemente, como meios para a superação da crise estrutural do sistema, tem levado a consequências dramáticas no meio ambiente, colocando em risco a continuidade da vida humana sobre o planeta, tal como a conhecemos hoje.
Os próprios cientistas, responsáveis pelo mais recente e extenso estudo sobre as consequências da subida geral da temperatura do planeta, mostram-se chocados e aterrorizados com as conclusões a que chegaram.
Prevêm que a mudança de clima nos próximos 50 anos conduzirá à extinção de um quarto dos animais e plantas terrestres. Estimam que a perda de uma em cada dez espécies de plantas e animais já é irreversível devido ao aquecimento global provocado pelos gases já descarregados na atmosfera.
Por isso se coloca, hoje, no horizonte histórico do homem, a necessidade de travar a actual ofensiva do capitalismo neo-liberal e de o substituir por uma sociedade orientada para a construção do socialismo.
Mas não haverá uma terceira via, a qual tem sido defendida por partidos socialistas e sociais-democratas?
Penso que não.
Os seus defensores ao pretenderem colocar-se entre capitalismo e socialismo têm na prática adoptado políticas neo-liberais contrárias aos interesses dos trabalhadores e dos povos dos seus países, como se tem por exemplo verificado com a experiência recente e actual dos governos socialistas e sociais-democratas na Europa, os governos de Jospin em França, Shroeder na Alemanha, Blair na Grã-Bretanha.
A gravidade da situação é a de que a globalização neo-liberal corresponde a um grau de concentração transnacional da propriedade, da produção, do poder político comandado pelos monopólios transnacionais, fundidos com os Estados das principais potências imperialistas.
Por outro lado a revolução científico-técnica não pode adiar indefinidamente a explosão das contradições antagónicas e insolúveis do sistema.
Não estamos em condições de prever o futuro próximo.
Mas conhecemos já ao que pode conduzir a política actual.
Impõe-se, portanto, a luta contra o neo-liberalismo e contra as guerras que o sistema desencadeia, luta que tenha sempre presente, como objectivo final, a superação do capitalismo.
As lutas nacionais não devem ser desligadas das acções internacionais.
É necessário apoiar os movimentos de resistência anti-imperialista que hoje se desenvolvem no mundo.
Nestas condições tão difíceis e tão exigentes para cada um de nós, a missão das forças democráticas e progressistas, no nosso país, é o trabalho quotidiano, continuado, persistente, tenaz, inteligente, firme, pela consciencialização política e social da nossa população, para a efectiva participação profunda na construção do seu próprio futuro.
Luta que deve ter por base os problemas mais concretos, mais diversos, em todos os domínios da vida da sociedade.
Luta contra a guerra, contra o armamentismo.
Luta que deve ser pluriclassista porque a ameaça ultrapassa os limites das classes trabalhadoras.
Luta, ela própria, formadora da consciência política e social, mobilizadora de vontades e corações, da disponibilidade pessoal e colectiva para enfrentar e combater, de modo vitorioso, as consequências da política neo-liberal globalizante.
Luta que tem por objectivo inverter a presente correlação de forças políticas e sociais, civis e militares, para pôr fim à política de direita e criar condições para a política alternativa de que Portugal precisa:
Uma política que procure satisfazer os mais legítimos anseios e interesses da grande maioria da nossa população, de defesa e consolidação do regime democrático, de desenvolvimento e de progresso, de independência nacional e de paz, apoiada nos princípios programáticos da Constituição da República.
Luta na qual têm um papel decisivo a existência dos sindicatos, dos partidos políticos, dos movimentos sociais e associações democráticas e progressistas, nos mais diversos domínios da actividade social, que lutem por uma transformação radical da sociedade.
Luta através da qual se irá ganhando espaço decisivo nas instituições no poder legislativo, no governo, no poder local e regional.
Luta ao longo da qual será acumulada a força social e política necessária para a mudança e para a instauração de um governo que faça uma política que cumpra o princípio constitucional fundamental do preâmbulo da Constituição da República: abrir caminho para uma sociedade socialista, no respeito da vontade do povo português, tendo em vista a construção de um país mais livre, mais justo e mais fraterno.