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Transcrição: COLOCARNOME
HTML: Fernando Araújo.
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O 25 de Abril, a Revolução de Abril, trouxeram ao povo português, às suas classes mais desfavorecidas as maiores conquistas democráticas da sua história, de mais de oito séculos, alcançadas pela luta do Movimento das Forças Armadas e pela luta do próprio povo.
A Revolução de Abril fez surgir, entre nós, no dia a dia das suas conquistas económicas, sociais, políticas, culturais, um modelo original de transição da sociedade portuguesa a caminho do socialismo, modelo que foi consagrado, institucionalizado, pela Constituição da República de 1976.
O cumprimento do ordenamento constitucional, a sua realização, conduziriam ao domínio do poder político sobre o económico, alicerçado num poderoso sector empresarial do Estado, capaz de determinar as orientações de base de um desenvolvimento sustentado da nossa sociedade, desenvolvimento que teria, necessariamente, presente a inevitável universalização e o estreitamento das relações externas.
Por consequência, haveria a concretização progressiva, gradual dos mais elementares e legítimos direitos e aspirações das mais vastas camadas da nossa população.
A Constituição de 1976, tal como foi promulgada, era assim uma verdadeira Constituição dos Direitos do Homem, direitos que, hoje, os poderes políticos instalados, tão falsamente, proclamaram defender e promover.
E por que era uma verdadeira Constituição dos direitos humanos?
Porque institucionalizou, nas condições concretas, existentes no nosso país, as estruturas necessárias e indispensáveis à sua realização. Estruturas económicas, sociais, culturais que garantiam a democracia política, a participação popular, a justiça social, a tendência para a equidade. Porque os direitos humanos não se confinam a liberdades cívicas, de associação, de reunião, de expressão de ideias e opiniões, a eleições livres, consubstanciadas numa democracia política burguesa.
Os direitos humanos básicos, para além das liberdades, e como condição necessária para o exercício dessas mesmas liberdades, têm de ser o direito ao trabalho, ao desenvolvimento, a sair da marginalização e da pobreza, os direitos à educação, ao conhecimento científico, à cultura, à habitação, à segurança social, à saúde, à ocupação saudável dos tempos livres, à preservação do ambiente e dos recursos naturais, à soberania e independência nacionais, à igualdade de tratamento entre as nações, à paz.
Contudo, promulgada a Constituição quase in extremis, quando a contra-revolução já estava em curso, a partir da existência do primeiro Governo Constitucional todos os governos que temos tido têm destruído, na prática quotidiana coberta, a posteriori, por sucessivas revisões constitucionais, a grande parte das conquistas económicas e sociais alcançadas.
Desde 1976, todos os governos, com maior ou menor intensidade, têm praticado uma política de direita, de acordo com os interesses económicos e financeiros do grande capital, dominantes no nosso país, cada vez mais estritamente ligados e dependentes do grande capital transnacional, interesses dominantes nos países da União Europeia e nos Estados Unidos. Mas, na primeira, na terceira, na quarta, na sétima e na oitava legislaturas havia, na Assembleia da República, uma maioria (é certo que aritmética) de deputados do Partido Socialista e do Partido Comunista que possibilitava a existência de governos que garantissem a prática, no fundamental, do ordenamento económico-social constitucional.
Tal não foi possível porque o Partido Socialista, como os seus irmãos da Internacional Socialista, enveredou pelos caminhos da política do neolibealismo globalizado, fazendo em ligação, aberta ou mascarada, com os partidos de direita, uma política de direita.
E, assim, chegámos à situação actual. Era inevitável que a política seguida de acordo, determinada e subordinada aos interesses dos países mais desenvolvidos da União Europeia conduziria à presente situação.
Como é que um país, nas nossas condições, pode fazer uma política de desenvolvimento e de satisfação das necessidades sociais de uma população carente como a nossa, sem uma intervenção vigorosa do Estado?
Como pode fazer tal política sem o investimento substancial do Estado nos sectores básicos da produção e na satisfação de necessidades sociais como o ensino, a saúde, a segurança social, a habitação, a ciência e a tecnologia, a conservação do ambiente e dos recursos naturais, etc., etc.?
Como poderá fazer essa política sem um défice orçamental que seja saudável, isto é, represente, dentro de limites compatíveis, um investimento gerador de desenvolvimento, e não, como o défice actual que representa, em parte, substancial desgoverno?
Como pode um país nas nossas condições submeter-se às mesmas regras orçamentais (Pacto de Estabilidade) de padrões desenvolvidos como uma Alemanha, uma Inglaterra, uma França, uma Itália?
Como pode o nosso Estado investir num desenvolvimento sustentado tendo por meta um défice orçamental zero, como o previsto para 2004?
A nossa política tem sido subordinada aos interesses dos nossos "parceiros" da União Europeia, desde sempre encaminhada para federalização.
Fala-se muito nas contrapartidas que temos recebido pela nossa política demissionista, os fundos de coesão, chegando-se ao ponto de afirmar, como o fez a ministra das Finanças, que a sua supressão seria fatal para o nosso país! Como têm sido aplicados os fundos que temos recebido? Que preço tem pago por tais fundos a degradação do nosso sistema produtivo e da nossa balança de pagamentos?
Tem sido a política de 26 anos da contra-revolução que conduziu à situação actual.
Temos, hoje, um governo cuja estrutura, composição e programa correspondem às aspirações mais profundas da direita, que é representante directo dos interesses e das tendências mais retrógradas e conservadoras existentes na nossa sociedade. Um governo com personalidades ligadas ou dependentes dos grupos económicos e do sector financeiro.
É a direita sem máscara.
A tónica dominante é a de que "a redução do défice orçamental deve ser feita pela diminuição da despesa e não pelo aumento da receita".
Porquê? Porque, no fundamental, o aumento da receita tem de recair sobre os lucros. Ora, a maioria das empresas privadas, os ganhos da especulação financeira, as grandes fortunas, a riqueza, não paga impostos.
É extinto o Ministério da Reforma do Estado e da Administração Pública, o que faz prever que a rentabilidade do Estado continue na mesma, que não sejam resolvidos os grandes problemas da Administração Pública, com a modernização e a reestruturação dos serviços, a melhoria da qualificação profissional dos funcionários e correspondente dignificação, não seja consolidado e aprofundado o regime democrático por meio, precisamente, da reforma do aparelho de Estado, acreditando-o junto da população.
A política é outra: privatização de tudo que seja possível e rentável do aparelho de Estado e da Administração Pública. Menos Estado social, o que não dispensa o reforço do aparelho repressivo do Estado.
São de prever:
Que tremenda abdicação da soberania nacional! O Estado não tem meios para modernizar o armamento e equipamento das suas Forças Armadas, não recorre a meios nacionais mas a empréstimos estrangeiros!
O significado disto é o de que, hoje, as Formas Armadas estão perdendo as características essenciais de meios de defesa nacional, dependentes do financiamento das multinacionais, dos grupos financeiros internacionais para se tornarem elementos como que de umas forças armadas supranacionais, um Estado da NATO.
Assim, os recursos desse "estado" que é expressão dos interesses do grande capital internacional, dos interesses dos países desenvolvidos mais poderosos, que dele fazem parte, financiam as "suas forças armadas", em vez do tradicional financiamento das Forças Armadas pelo seu próprio país.
Apresentámos, de modo sumário, e sem a preocupação de ser exaustivos, as ameaças que decorrem para a democracia portuguesa da política que o actual governo vai procurar levar à prática.
Mas, ao contrário, de que política precisamos nós?
Reformas profundas no ensino público, como tão continuamente tem sido proposto por professores e alunos.
Investir num ensino público de qualidade, universal e gratuito.
Não favorecer ou permitir a mercantilização da educação.
Clarificar, de modo adequado, a relação entre o privado e o público.
Combater a mercantilização da saúde.
A não participação nas falsamente chamadas operações humanitárias da NATO.
Não cooperação nas pseudo operações de paz no Afeganistão e na antiga Jugoslávia.
Condenação veemente da agressão militar de Israel ao povo palestiniano, que está sendo submetido, no território da Alta Autoridade Palestiniana, a um verdadeiro holocausto.
Mas para a realização de uma verdadeira oposição à previsível política antidemocrática do governo é imperiosa a convergência entre as forças democráticas, nomeadamente, à esquerda do PSD. Uma convergência que tenha precisamente em conta a realidade das diferenças de concepções, de ideologias, de posições públicas. Que tenha um objectivo comum: impedir a política da desigualdade, da marginalização, da degradação da vida das classes mais desfavorecidas, do alinhamento submisso pelos interesses do imperialismo.
Uma política de liberdade, de justiça social, de independência nacional.
Uma convergência das forças democráticas e progressistas que respeite a identidade de cada um, que não represente cedências quanto aos princípios.
Uma política fundada nas forças do trabalho, nos movimentos sociais, os mais variados, em face das dificuldades de vida criadas às mais diversas camadas da população.
Convergência dos intelectuais, das camadas médias, dos trabalhadores cuja ética rejeite as injustiças, a imoralidade, a destruição dos recursos naturais e do ambiente.
Mas uma coisa é sentir os problemas e reagir, grande parte das vezes, de modo espontâneo; outra é compreender, ter a consciência das causas profundas da situação x e de como actuar para combater eficazmente a política de direita.
É necessária uma grande batalha de ideias pela consciencialização, pela mobilização, pela transformação da consciência social em consciência política, dos mais variados sectores prejudicados pela política do governo, tendo por base as situações concretas, sentidas, as relações de trabalho, as relações sociais que se vivem.
São obstáculos, fortes obstáculos, a essa consciencialização política:
Estes numerosos factores negativos obrigam a um denodado e continuado empenhamento nas tarefas da consciencialização e de mobilização políticas, de largos sectores da nossa população incluindo os trabalhadores da imprensa, os intelectuais.
Tarefas tanto mais difíceis porque não são uma política de governo, de Estado, com os meios que estes têm ao seu dispor.
Exigem disponibilidade, espírito de camaradagem, espírito de missão, solidariedade familiar. E consciência moral, ética, exigência pessoal, para consigo mesmos, da parte dos mais conscientes, empenhados e mobilizados pelos ideais e para as tarefas de que exige a procura da construção de uma sociedade mais justa, de equidade social.
O aprofundamento da consciência política e social da nossa população, a educação, a instrução, a cultura para o progresso do homem e da sociedade não são, entre nós, uma política de Estado.
Pelo contrário, a política de direita é uma política de desmobilização das consciências, de alienação sistemática, de mentira, de individualismo e competitividade, no mau sentido, entre os homens, de educação que, desde a escola, sirva os interesses das classes dominantes.
São dificuldades acrescidas que temos de enfrentar com paciência e compreensão para com os nossos concidadãos, mas com firmeza de princípios e determinação.
E com particular atenção à compreensão da situação dos jovens, submetidos, quase desde a nascença, às pressões e solicitações, aos atractivos imediatos da sociedade de consumo.
Eles têm o direito a uma aprendizagem, a uma educação democrática enriquecedoras da sua personalidade, à realização das suas legítimas aspirações, à cultura, à formação técnica e profissional, ao trabalho com qualidade e dignidade.
Por todas estas razões, a convergência, o entendimento possível entre as forças à esquerda do PSD, sem cedências de princípios, é indispensável.
Certamente que haverá um tempo de amadurecimento das condições necessárias, mas a própria política da direita contribuirá para tal amadurecimento.
A direita terá sempre em mira a divisão das forças que se lhe opõem. A divisão, não a diferença, é inimiga do entendimento, da convergência indispensável.
É no quadro do entendimento possível entre as forças democráticas que se poderá impulsionar com maior vigor o processo de consciencialização e de luta das massas populares.
Só com o apoio do povo e a sua mobilização se poderá inverter a actual política. O futuro de Portugal está estreitamente ligado à capacidade do homem, como no 25 de Abril, se bater por uma sociedade de justiça social, em todos os seus domínios.
A situação actual, caracterizada pelo objectivo de domínio político, económico, militar dos Estados Unidos sobre o planeta, de aceitação deste domínio pela generalidade dos governos que a ele se submetem, de terrorismo de Estado, de tendências para a fascistização de sociedades democráticas como a dos Estados Unidos, de imposição de um neoliberalismo globalizante não é uma fatalidade, não resulta de uma inevitável evolução importada pelo desenvolvimento histórico, necessariamente.
A história não terminou. O capitalismo não é o fim da história.
O próprio sistema capitalista traz no seu bojo cada vez mais contradições e problemas, cada vez mais difíceis de resolver.
Está à vista de todos nós a tomada de consciência, embora lenta, das populações das mais variadas partes do mundo.
O movimento social contra o neocapitalismo globalizante alarga-se, é constituído por numerosas organizações sociais, cívicas, partidos políticos, que são diferentes, mesmo muito diferentes.
Mas o facto da existência destas diferenças é, por si só, uma indicação de como o sistema imperial está sendo contestado por cada vez maior número de homens, mulheres, jovens em todo o mundo.
É uma demonstração de que, de facto, a história continua, a luta por um mundo melhor, sem guerra e sem exploração, continua.
Esta luta decorre num tempo de resistência, no tempo de resistência, que hoje vivemos, mas esta resistência é o próprio alicerce da mudança necessária.
Todos estes factores mostram como eram correctos, estavam e continuam a estar de acordo com a longa duração da história os caminhos que Abril abriu.
Viva o 25 de Abril!