Declarações ao Jornal Francês «Le Monde»

Vasco Gonçalves

29 de Agosto de 1975


Fonte: Vasco Gonçalves - Discursos, Conferências de Imprensa, Entrevistas. Organização e Edição Augusto Paulo da Gama.
Transcrição: João Filipe Freitas
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Fernando A. S. Araújo.

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Avançar para o socialismo, ou voltar ao fascismo; Portugal está na hora da escolha. Não há outra alternativa.

A revolução está em perigo, ameaçada por forças reaccionárias que encontram apoio no exército e nas direcções duma certa esquerda.

Nós vivemos agora uma luta encarniçada pela direcção do processo revolucionário. A pequena burguesia tenta apoderar-se dele.

Não seguramente para o conduzir ao socialismo, mas para enganar o povo, usando uma linguagem socialista, e fazer uma política contrária.

É uma etapa bem conhecida de todas as revoluções. A medida que avançamos na construção duma sociedade socialista, encontramos resistências cada vez mais fortes.

As opções decisivas são mais difíceis de tomar, quando as diferentes camadas da pequena burguesia lutam desesperadamente para se opor à direcção do processo e desviá-la dos seus fins.

Os nossos inimigos exploram o arsenal clássico da propaganda reaccionária, utilizam a mentira e querem fazer crer que nós queremos construir um Estado totalitário, copiar o modelo soviético.

PerguntaPortugal não pode inspirar-se nas democracias ocidentais clássicas?

Resposta — Não há lugar aqui para uma democracia burguesa. Nós saímos de meio século de fascismo, com um capitalismo de características próprias, que não pode transformar-se em um capitalismo de tipo liberal, no desenvolvimento actual do processo revolucionário.

Em face do atraso das nossas forças produtivas, uma tentativa de instaurar uma tal sociedade conduziria inevitavelmente a burguesia a exercer uma repressão maior contra os trabalhadores.

O capitalismo teria necessidade de um novo regime de força.

As violências actuais reflectem bem esta realidade. Pelos seus enormes erros, a direcção do P.S. não abriu a via a tendências liberais burguesas. Ela desencadeou também uma ofensiva das forças mais reaccionárias.

Que me compreendam bem: não se trata de confundir as bases com os dirigentes. O P.S. é indispensável à revolução, mas a sua direcção não é socialista.

PerguntaEste género de conflito reproduzir~se-á no interior do M.F.A.?

Resposta — Sim. O Documento dos Nove, e, duma maneira geral, as tendências eleitoralistas no seio da M.F.A., opõem-se às forças revolucionárias, agindo no exército.

O modo como este documento foi difundido, é profundamente negativo.

É certo que as Forças Armadas devem ser educadas politicamente. É mesmo uma condição essencial da disciplina. Mas a politização não pode fazer-se anarquicamente.

PerguntaQual a sua apreciação ao documento do COPCON?

Resposta — É um documento progressista que não tem nada a ver com o dos «Nove». As propostas que ele avança são, no conjunto, correctas, e foram tomadas em conta no programa do V Governo Provisório, intitulado «Salvemos a Revolução».

Os oficiais do COPCON indicam uma via socialista; os «Nove» exprimem uma via democrática pequeno-burguesa.

PerguntaA Assembleia do M.F.A. deve reunir-se na próxima semana.

Algunsos moderadoscontestam a sua representatividade e a sua legitimidade. Que pensa disso?

Resposta — A Assembleia do M.F.A. é um órgão de soberania nacional, dotado duma legitimidade revolucionária igual à do Movimento do 25 de Abril.

Os membros do Conselho da Revolução fazem parte desta Assembleia. Daí tiram a sua legitimidade. Se a contestam, contestam-se a si próprios.

É preciso esperar que a próxima reunião contribua para a unidade do M.F.A., e permita definir os grandes eixos da actividade político-miiltar.

PerguntaOs «Nove» moderados poderiam ser reintegrados no Conselho da Revolução?

Resposta — Só a Assembleia o decidirá.

Mas eu penso que o grupo dos «Nove» não é uma entidade homogénea; isto é um elemento que deverá guiar a reflexão da Assembleia.

PerguntaO Presidente da República, declarou, falando do gabinete a que preside, que se trata dum Governo de «passagem». Partilhará a sua opinião?

Resposta — Eu presido a um Governo de grandes patriotas. É uma honra para mim dirigir homens tão exemplares na defesa dos objectivos da construção duma sociedade democrática em transição para o socialismo. Estes homens trabalham com o mesmo entusiasmo quer seja para um dia, ou para um ano. Para nós, ser ou não ser um Governo «de passagem» interessa pouco. O sentimento da nossa responsabilidade, da nossa dignidade, permanece o mesmo.

PerguntaEspera que a Assembleia Constituinte responda ao mandato que lhe foi confiado pelos eleitores?

Resposta — Eu não posso consagrar muito tempo a seguir os trabalhos da Assembleia Constituinte. De certo modo, ela ultrapassou o seu mandato — que era de elaborar uma nova Constituição — organizando debates sobre a actividade política, num período dito «antes da ordem do dia».

PerguntaO Directório de que é membro, com o General Costa Gomes e o General Otelo de Carvalho, foi criado com o fim de restaurar a autoridade de Estado. Conseguiu-o?

Resposta — Não. Não respondeu aos fins para que foi criado.

PerguntaPorquê?

Resposta — Eu não posso responder.

PerguntaPortugal conhecerá um dia novas eleições?

Resposta — O nosso objectivo era que o pacto com os partidos fosse respeitado. Ele previa eleições para uma Assembleia Legislativa.

PerguntaSerá respeitado?

Resposta — Isso dependerá fundamentalmente da atitude dos partidos que participam na Assembleia Constituinte.

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