Conferência de Imprensa na Gulbenkian

Vasco Gonçalves

8 de Abril de 1975


Fonte: Vasco Gonçalves - Discursos, Conferências de Imprensa, Entrevistas. Organização e Edição Augusto Paulo da Gama.
Transcrição: João Filipe Freitas
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Fernando A. S. Araújo.

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PerguntaJustificação da institucionalização do MFA e se há provas concretas de que há a intenção de determinadas nações fazerem o boicote económico a Portugal.

A pergunta formulada refere-se à afirmação do Sr. Primeiro Ministro «de que não ficaria surpreendido com o surgimento de um boicote económico a Portugal».

Concretamente: se há indícios de que tal boicote venha a ter lugar e portanto o que é que o leva a fazer afirmações desta natureza?

Resposta — Já antes do 11 de Março nós tínhamos certos indícios a nível das nossas relações comerciais, como por exemplo:

Certas empresas multinacionais abandonaram o nosso País, sem razão para tal. O Sr. Von Hassel chegou um dia destes a Portugal e disse que não via, neste momento, condições para investir em Portugal. Portanto considero isso como indícios do que possa acontecer. Não afirmo que seja um boicote já estudado, que seja generalizado, e que seja imediatamente posto em prática. O que eu disse é que há indícios de que tal possa vir a acontecer e que nós devemos preparar-nos para tal. De resto, eu não estranharia isso, porquanto, como dizia o Sr. Fauvet, do «Monde», um dia destes: o que preocupa certa imprensa estrangeira, neste momento, não é propriamente o que se passa aqui à beira do Tejo, mas o que se passa à beira dos rios deles.

Quer dizer: o que os reflexos do que aqui se passa possa ter nos outros países.

Só assim se compreende isso pois que essas potências fazem comércio, negócio. Têm tratados económicos e comerciais e doutro tipo, com os países do Leste, com os países Socialistas. Porquê não serem mantidas as mesmas relações connosco? Porque é que não há hoje condições para haver investimentos estrangeiros em Portugal se nós cumprimos escrupulosamente os nossos compromissos? Se nós somos um pacífico país que só deseja que a sua revolução seja respeitada e que respeita, inteiramente, as outras nações?

PerguntaSobre os Açores e a Base das Lages?

Resposta — Quanto aos Açores, nós, como disse, cumprimos os nossos tratados, os nossos compromissos. Não desejamos, é claro, nem permitiremos que as nossas bases sejam utilizadas contra os povos árabes. Isso é uma coisa, outra coisa são os tratados que cumprimos com os nossos aliados.

Pensamos que o futuro dos tratados que temos com vários países, — temos tratados com os países da NATO, com a Espanha, etc. —, não será objecto de decisão, digamos, do Governo Provisório. São matérias tão importantes que só mais tarde, às instituições livremente constituídas caberá a decisão.

Não sei se fui claro...

PerguntaUtilização das bases portuguesas e o conflito do Médio Oriente.

Resposta — Em primeiro lugar nós desejamos que o conflito do Médio Oriente seja resolvido por via pacífica, no interesse de todos os Povos do Mundo. Depois, se a questão da utilização das bases portuguesas se puser, será forçosamente discutida ao mais alto nível das instâncias governativas do País e nesse momento então sim, será tomada a decisão adequada.

Devemos salientar que a Alemanha Federal, a Espanha, quando se tratou da última guerra Israel-Árabe, não permitiram que as suas bases fossem utilizadas contra os Povos Árabes. Portanto não se trata de nenhuma novidade portuguesa, não se trata de nenhuma atitude «do arco da velha» que Portugal esteja a tomar.

PerguntaEm seguimento à pergunta do camarada sobre as questões de boicote internacional, eu gostaria de propor uma pergunta:

Além de se saber que determinados sectores internacionais, ligados ao petróleo, já pretenderam desviar petroleiros da área portuguesa; retirando, mesmo assim, este aspecto, mas sabendo-se que em cidades como Hanover, Frankfurt, Lyon — nesta última está programada para a próxima semana uma reunião de fascistas europeuse em vários pontos da Itália, para não falar de Espanha, as forças contra-revolucionárias portuguesas fortalecem cada vez mais a sua acção contra o nosso País, contra Portugal.

Face a este quadro, gostaria de lhe perguntar o que lhe parece, se a exposição e a preocupação de algumas fontes e algumas áreas fortemente enraizadas nos objectivos positivos em Portugal, se a revolução portuguesa não estará a passar por uma fase excessivamente transitória?

V. Ex.ª referiu há pouco aspectos da reforma agrária e parece-me a mim, como observador, que a lentidão com que se desenvolve o processo económico, inclusive, pode determinar uma situação favorável para que as forças da direita passem a agir muito mais intensivamente em Portugal, como foi o exemplo do 11 de Março. E já agora, relativamente ao 11 de Março, se será possível confirmar que o RA5 estaria fortemente envolvido nas plataformas do ex-general Spínola?

Resposta — Quereria dizer o seguinte: quando nós falamos em transição, queremos também dizer transformação. Tudo na vida é transformação, como se sabe.

Ora nós procuramos que os passos que vamos dar na via socializante, a caminho do nosso objectivo final, sejam passos adequados. Nós não desejamos nem que sejam acelerados, nem que sejam retardados. Pensamos que aquilo que tem parecido atrasos do nosso processo, tem correspondido a problemas que temos tido, mesmo no desenvolvimento do nosso processo. E basta que se veja a quantidade de oficiais spinolistas, por exemplo, que estavam comprometidos no 11 de Março para se ver que o processo que temos seguido é complexo. Não é um processo linear que tenha uma velocidade que dependa só de nós. De modo que nós, quando falamos em transição, não queremos dizer que não vamos tomando medidas irreversíveis, de consolidação irreversível da nossa revolução. Mas é evidente que queremos dizer que não passamos de hoje para amanhã ao socialismo. Nem o pretendemos fazer, e consideramos que seria um erro e um erro que pagaríamos muito gravemente. O nosso Povo pagaria muito caro esse erro.

É preciso ter em consideração a estrutura da sociedade portuguesa, os diversos interesses em presença, os objectivos finais, os objectivos parciais a atingir; é preciso ter em consideração que tudo isto é um movimento, uma inter-acção entre a teoria e a prática.

Quando se fala em prudência ou em cautela, não se fala em medo. O M.F.A. já provou à saciedade que não tem medo. Simplesmente prudência e cautela também não significa falta de audácia, mas nós não devemos ser tipos para darmos saltos no vazio; nós pretendemos dar os saltos com correcção e até agora, não obstante termos por vezes, e desejarmos mesmo do fundo do nosso ser, que os passos fossem mais rápidos, nós não temos tido condições para isso. Procuramos dá-los na velocidade adequada; quer dizer, nós estamos atentos a isso; sabemos muito bem que há a acção de todas essas forças contra-revolucionárias, não só cá como no estrangeiro. Sabemos muito bem isso.

Mas pensamos que, na medida em que formos transformando o nosso País, teremos de fazer uma autêntica revolução cultural, modificar os quadros mentais do nosso Povo; na medida em que formos transformando este nosso próprio Povo, em que o formos amadurecendo politicamente, estamos cada vez criando mais condições para que a contra-revolução não seja possível no nosso País.

PerguntaO Senhor Ministro acha que Portugal vai ser um membro de 2.ª classe da Aliança Atlântica, como já disse o Ministro da Defesa Americano?

Resposta — Isso para nós é um assunto puramente secundário. Nós temos muito orgulho e muita honra naquilo que temos feito até agora. E não serão os conceitos que os estrangeiros possam fazer acerca da nossa posição na NATO, que abalarão a nossa posição. Somos um membro da NATO, cumpriremos os nossos deveres para com essa associação, empenhamo-nos nisso, temos a consciência tranquila e não seria agora uma consideração dessas que nos faria esquecer tudo aquilo que tem sido feito — nós e o nosso Povo temos feito — pela nossa Pátria.

PerguntaSenhor Primeiro Ministro: antes do 25 de Abril, Portugal estava orgulhosamente só. Após o 25 de Abril, pois estamos acompanhados, não sei como!

Pergunta-se: se Portugal foi um país que atraiu as atenções mundiais no mau sentido, porque é que será, hoje, com honestidade, pelo menos que nós, Portugueses, julgamos ter, não será Portugal, digamos, uma plataforma de entendimentos entre os dois campos opostos?

Ao mesmo tempo, também pergunto, Senhor Primeiro Ministro, quais são na realidade as medidas que se tomarão para com os maus portugueses que tanto magoam o nosso Povo?

Resposta — Nós pensamos que não estamos orgulhosamente sós, nem o desejamos sequer. Mesmo nós temos de ter em atenção isto: há imprensa e há imprensa internacional.

A imprensa não é um ser inócuo, que viva no vazio, pois ela tem relações, tem cadeias económicas, tem interesses, e portanto quando interpretamos e lemos a imprensa internacional devemos fazer um esforço e ter presente a corrente política ou económica a que corresponde este ou aquele jornal, para nos orientarmos neste mar encapelado. Assim já não pensamos: «Ai... todo o Mundo está contra nós!...»

Isso, de resto, não acontece, pois todos sabem que as forças verdadeiramente progressistas do Mundo vêem-nos a nós até como uma esperança de transformação da sociedade em que essas forças se inserem. É daí que nós temos muitos inimigos, muita gente que diz mal de nós, muita gente que nos calunia, até muitos correspondentes que estão aqui em Portugal e mandam notícias falsas para o estrangeiro.

Mas nós pensamos que não estamos orgulhosamente sós... Nós abrimos as relações com uma série de países do Leste; há convites para visitarmos esses países, quer os de África, quer os do Leste, quer os países Ocidentais. Nós desejamos ter boas relações com todo o Mundo; nós pensamos que é ajustado o seu ponto de vista de que podemos ser uma plataforma de entendimento. Somos um pequeno país que não pode ter ambições neocolonialistas, nem neocapitalistas. Então, podemos congregar a confiança dos países de África; é nesse sentido que falamos em abertura ao Terceiro Mundo; pensamos privilegiar as relações com esses Povos fraternos das nossas antigas colónias.

Estaremos então sós?

Eu penso que não!

Nós temos a Frelimo a nosso lado, por exemplo, em Moçambique; como temos o PAIGC na Guiné; como temos problemas em Angola, mas o carácter dominante, é que essa gente está também a nosso lado.

Penso portanto que não estamos sós, nem corremos o risco de ficarmos sós. O que precisamos de ter, também, é calma e sangue frio. Os Portugueses conscientes, neste momento, têm de ter a cabeça à prova de bala; têm de ter muita calma, muito sangue frio e muito patriotismo, para se aguentarem neste mar encapelado; para não desanimarem, para não terem momentos de fraqueza. Isto tudo faz parte da nossa revolução, temos problemas quotidianos a vencer; a nossa luta é permanente, é diária, é uma luta de 24 horas porque o dia não tem mais horas.

Repito: nós não estamos sós; nesse aspecto podem estar certos, basta só olharem para o que se passa no Mundo e verificam que, de facto, não estamos sós: não estamos sós em qualquer dos lados.

PerguntaFinalidade das eleições para a Assembleia Constituinte e finalidades próprias do Governo Provisório?

Resposta — Já foi dito várias vezes e eu procuro dizer isso com toda a clareza que uma coisa é este Governo de combate que temos, para resolver os nossos problemas imediatos, e outra coisa são as eleições para a Assembleia Constituinte. As eleições para a Assembleia Constituinte são uma coisa. Esse Governo operativo de que necessitamos, é outra.

Eu penso que as eleições para a Assembleia Constituinte vão dar a vitória aos Partidos Progressistas e aos que estão interessados, como o MFA, na via Socialista.

Isso, de resto, vai aparecer quando agora verificarem os Partidos que assinaram o Pacto connosco.

São, pois, duas coisas diferentes e nós devemos ter isso bem presente; misturar as eleições à Assembleia Constituinte com a acção do Governo Provisório é criar problemas ao processo. A Assembleia Constituinte tem uma determinada finalidade; é preciso que eles trabalhem nessa finalidade; e, evidentemente, é preciso que o Governo Provisório trabalhe na sua finalidade.

PerguntaRecentemente, o Ministro dos Negócios Estrangeiros da Alemanha Federal esteve em Espanha e falou de que teriam sido acordadas determinadas coisas para isolar Portugal, dando um reforço à Espanha ou a aproximação ao Mercado Comum, ou mesmo a aproximação à NATO, Qual é o seu comentário a isso, Senhor Primeiro Ministro?

O Senhor Ministro da Comunicação Social informou o interessado de que o Senhor Primeiro Ministro já havia respondido à pergunta e até citou nomes.

PerguntaTem-se falado, na opinião do Senhor Ministro, numa via, de facto original, para o Socialismo Português, ou numa importação com esta ou aquela adaptação, deste ou daquele modelo?

Resposta —Eu penso que uma pessoa que esteja atenta à História e a como se desenvolve a vida quotidiana e como se desenvolvem os processos de transformação, etc., tem de concluir que não há dois países que percorreram a mesma via para o Socialismo. Por mais aproximados que sejam os modelos e por mais chapas que queiram seguir, e até nós já tivemos a experiência de quando se quer uma determinada chapa, sem a apropriar ao seu próprio País, que isso pode conduzir a logros muito graves.

Eu penso que esta via terá de ser criada pelos próprios portugueses no afã permanente de elaboração, baseado na prática. E a elaboração é a teoria dessa prática e todos sabemos que a vida se faz por uma acção e uma interacção, uma reacção, uma interligação constante entre a teoria e a prática.

Mesmo a vida quotidiana de qualquer indivíduo que não se aperceba sequer disto, é assim que se vive. Ele está permanentemente elaborando teorias e aplicando-as na prática, ou não as aplicando. Mesmo uma pessoa de menos cultura não se apercebe disto, mas isto é que é a realidade da vida das pessoas.

Ora, também ao nível político, ao nível social, ao nível económico, nós teremos de ir elaborando a nossa via. Tenho a certeza de que iremos cometendo erros, mas o que não deveremos é cometer erros irreparáveis, devemos ir corrigindo os erros cometidos; quer dizer: a vida tem de nos ir ensinando a própria via.

Não há ninguém, no nosso País, que possa dizer, a via é esta ou aquela; isso é mentira, é fazer promessas falsas.

Isto, claro, não põe de parte que nós consideremos as contribuições teóricas, as experiências que existem quer nos países capitalistas, quer nos países socialistas, etc.. Nós devemos ter a atenção aberta para isso tudo. Não podemos fazer tábua rasa e dizer, como esses tipos que há para aí e adeptos da terra queimada, «vamos arrasar tudo e agora vamos fazer de novo».

De modo nenhum! É do velho que vai sair o novo, como em toda a parte do Mundo e em todas as circunstâncias da vida. Vai haver uma sobreposição do velho com o novo, como todos os dias ela existe mas, desta vez, ela vai ter um carácter dominante; quer dizer: a novidade sobre o velho. Mas temos de aproveitar tudo o que é bom e que foi feito pelo nosso Povo. Nós não podemos fazer tábua rasa das experiências anteriores, quer nossas, quer dos outros países, quer dos erros que se cometeram, etc.. Portanto, isto é uma elaboração; eu vejo essa marcha como uma elaboração a caminho de um certo fim e, digamos, é uma elaboração constante, permanente.

PerguntaA segunda parte da mesma pergunta era se a independência económica do País, em relação ao exterior desde alguns artigos de primeira necessidade até aos equipamentos, tecnologia e diversas matérias-primas, se efectivamente poderá condicionar o modelo político e social do País?

Resposta — É claro que isso há-de ser um dos elementos que nos condicionam, como condicionam todos os factores que estão em jogo quando tomamos uma determinada decisão. Pensamos lançar uma política dinâmica, ao nível do Comércio Externo e do Ministério dos Negócios Estrangeiros, esclarecendo com rigor a nossa posição, procurando obter prorrogações em certos contratos que temos com os organismos internacionais, etc., porque nós temos problemas da Balança de Pagamentos e não podemos, temos de travar a sangria das nossas divisas e esperamos que as pessoas, lá fora, tenham isso em consideração e compreensão por nós acerca disso. Sabemos também que isso, forçosamente, influenciará, será um dos dados que hão-de influenciar o Processo — mas não vamos agora pensar que esse é um dado «sine qua non». Quer dizer: à maneira que nós vamos considerando os diversos factores, os diversos dados que influenciam as nossas decisões, nós temos de adaptar as nossas decisões e nós não somos um objecto passivo dos factores e dos actos que condicionam as nossas decisões. Nós não somos só objecto passivo, nós somos sujeito activo e, portanto, há sempre esta interacção.

PerguntaJá se falou em Terceiro Mundo e a Imprensa especula que Portugal vai alinhar a sua política externa com os Povos do Terceiro Mundo. Eu queria saber o que é que o Senhor Primeiro Ministro pode disser sobre isto e quais vão ser as relações de Portugal com esses mesmos, povos, em especial com Angola, Moçambique e Guiné.

Resposta — É incorrecto dizer-se que Portugal vai alinhar a sua política com o Terceiro Mundo. Portugal está aberto a todos os países do Mundo e deseja fazer uma política com todos os povos do Mundo. Isso talvez resulte destas relações particulares que nós temos em Angola, Moçambique e Guiné. Mas não podemos dizer, em rigor, que vamos alinhar a nossa política com o Terceiro Mundo; nós vamos é fazer uma política de segurança geral, de paz, de não ingerência nos outros países; queremos fazer uma política pacífica com todos os povos do Mundo. Seria errado dizermos que vamos fazer uma política predominantemente com os povos do Terceiro Mundo; vamos fazer uma política com todos os povos do Mundo, com todos aqueles que queiram aderir à nossa abertura, com todos aqueles com quem nos possamos entender, independentemente — eu frizo isto, independentemente — dos sistemas económicos, políticos ou sociais pelos quais esses povos se conduzam.

Nós pensamos que isso não tem que ver com os sistemas que presidam aos destinos desses povos.

Penso que devemos procurar privilegiar, dar uma atenção especial, às ligações que temos com Angola, Moçambique e a Guiné. Já estamos pondo isso em prática. Têm-nos corrido muito bem as coisas com Moçambique e com a Guiné e com os outros países que se vão formando, como Cabo Verde, S. Tomé, etc. Nós devemos privilegiar essas relações no sentido de que temos uma língua comum, temos uma cultura que tem tido muito de comum com eles. Esses povos precisam de ser apoiados. Dentro dos limites das nossas possibilidades, que não são as de uma grande potência, nós devemos apoiar esses países. Devemos cimentar as nossas relações. Se podemos ter problemas neste momento, nós pensamos que novas gentes, novas gerações, nova gente que vai para esses países, com outro espírito até, hão-de cimentar as nossas relações com eles.

Temos provas disso; temos boas relações com países que já estão mais adiantados no processo de descolonização; por exemplo, com a Guiné temos muito boas relações; com Moçambique; e também esperamos vir a ter muito boas relações com Angola.

PerguntaSenhor Primeiro Ministro: um dos primeiros pontos focados foi exactamente o 11 de Março. Houve aqui um camarada de Informação que já perguntou qual seria o castigo que ele disse «para os maus portugueses» e que eu diria os reaccionários, os fascistas. Os soldados e os marinheiros pediram o fuzilamento desses reaccionários. Um Ministro do actual Governo respondeu dizendo que isso era fazer o jogo da reacção.

Queria perguntar: qual é a posição do Governo Provisório e se ela se identifica com a deste Ministro que tomou esta posição?

Resposta — Eu desejava dizer o seguinte: ainda ontem a Assembleia das F.A. tomou a decisão da criação do Tribunal Revolucionário.

O fuzilamento não está nos nossos hábitos, nós não pensamos aplicar essa pena extrema. Não está nos nossos hábitos. Isso, de resto, já foi debatido entre nós e não é nossa intenção aplicar a pena de fuzilamento.

O MFA não tem essa intenção. Não o fará.

PerguntaA prisão dos oficiais em virtude do golpe de 11 de Março não poderá ser considerada como uma derrota dos capitães do 25 de Abril e como a existência de graves dissídios no seio das F.A.?

Resposta — Não. Os capitães do 25 de Abril cada vez têm obtido mais vitórias. Quem conheça bem as F.A. por dentro e conheça esses rapazes generosos, que são um exemplo vivo do que é o patriotismo desinteressado, verifica que não, que os capitães estão cada vez mais fortes. Há pessoas, é claro, que vão sendo saneadas, há certas pessoas que não compreendem este Processo. Mas nós, ao depurarmo-nos, fortalecemo-nos.

Vamos lá ver: nós preservamos a unidade das F.A. como uma coisa essencial a este Processo e temos trabalhado nesse sentido que tem condicionado, muito e muito, a marcha do Processo. Mas quando é altura de nos depurarmos, ao fazê-lo fortalecemo-nos, ficamos mais fortes se nos vemos livres de um certo número de indivíduos.

Estão, neste momento, presos certos camaradas nossos que aqui há pouco mais de um mês estavam nas Assembleias Gerais das F.A. comigo, etc. Alguns deles estão presos, de facto, mas isso não quer dizer que não tenhamos hoje uma Assembleia das F.A. mais forte e mais unida do que a que tínhamos anteriormente.

PerguntaReforma Agrária. Diferenciação entre o Norte e o Sul quanto a estruturas de propriedade e até, fundamentalmente, de organização e maturidade política do Povo.

Ora, eu queria saber, em linhas gerais, qual o tipo de táctica projectado dentro da mesma estratégia anti- monopolista, relativamente ao Norte e ao Sul do País. É uma pergunta do jornal «Avante».

Resposta — Nós pensamos que é imperioso, primeiro, procurar resolver problemas dos circuitos de comercialização e industrialização a montante e a jusante da agricultura. O que é que quer dizer isto? Quer dizer, a montante há o fornecimento das máquinas, dos sobrecelentes, dos adubos, das sementes, enfim, todo um mundo de problemas; a jusante há a colocação dos produtos, as instalações onde eles são conservados, a comercialização, etc.

Julgo que isto é um primeiro passo muito importante. Para quê? Para que maior rendimento do que é produzido na Agricultura fique no sector agrícola e não seja desviado para outros sectores.

Por outro lado, nós devemos completar isto com medidas legislativas no campo do arrendamento, no campo dos baldios, no campo das Associações de Agricultores; não devemos escamotear a existência de vários estratos sociais na Agricultura — há os assalariados agrícolas, os pequenos e médios agricultores e há os latifundiários, os rendeiros, etc.

Ora as suas Associações de classe devem adaptar-se a essas classes. Isso não significa que não deva existir colaboração entre os assalariados agrícolas, os pequenos agricultores e os médios agricultores.

Penso que outro guia que devemos ter presente é o do associativismo; é o do cooperativismo; mas o cooperativismo não é fácil de fazer que seja abraçado imediatamente até pelos próprios assalariados; é preciso ver que os quadros mentais dos nossos agricultores vêm de há centenas de anos; é preciso ver que se num curto período, os conseguirmos transformar, teremos realizado uma obra formidável.

Quando digo «se os conseguirmos transformar» quero dizer eles próprios, os mais esclarecidos aos menos esclarecidos; nesse sentido é que eu falo — no voluntário —, tudo tem de ser feito pelo voluntário.

No Norte, é claro que, sendo uma zona de pequena propriedade rural, devemos fomentar o associativismo, devemos fomentar as cooperativas, mas não podemos obrigar um fulano a entrar para a cooperativa, ele deve ser livre de entrar ou não entrar; tem de ser com o exemplo, com a prática dos outros que ele deve aprender e portanto, fomentando o cooperativismo, não devemos deixar de apoiar os que o não queiram. Não devemos fazer discriminação, precisamente para conquistarmos essas consciências. A questão homem-matéria-e-espírito é importante; não é só a modificação da estrutura material que resolve os problemas e que os resolve de per si. Têm, pois, de haver modificações da estrutura material e da estrutura intelectual das pessoas. O associativismo é muito importante nessas transformações.

No Norte, portanto, o caminho é, sobretudo, o do associativismo, o das cooperativas — mas das autênticas, não daquelas que metem, ao mesmo tempo, os «tubarões» e os pequeninos que passavam a vida a trabalhar para aqueles. Não são essas cooperativas as de que falamos. Falamos daquelas em que todos os interessados sejam respeitados. E mesmo quando falamos em cooperativas, pensamos que cada proprietário leva à cooperativa o que entende que deve levar, e deve conservar para si aquilo que entende que deve conservar.

Não devemos pensar que não esteja fortemente arreigado no espírito das classes agrícolas o individualismo. Esse é também um dos dados do problema. Nós não transformamos esses indivíduos à força, nem pela coacção. É pela persuasão, pelo exemplo, pelas vantagens materiais; é pela observação que façam de que, na cooperação, melhoram, etc.

PerguntaO Senhor Primeiro Ministro quer fazer um comentário às declarações do Senhor Cardeal Patriarca? (Rádio Renascença).

Resposta — Primeiro, como diz aqui o meu camarada Montez, há que confirmar se o Senhor Cardeal disse isso ou não. Segundo, eu tive uma larga conversa com o Senhor Cardeal Patriarca, durante uma hora e meia, em que foram focados os assuntos que o preocupavam e os que me preocupam, etc. Terceiro, se na realidade o Senhor Cardeal Patriarca fez essas afirmações — e eu não sei se as fez ou não — eu não faço comentários às afirmações do Senhor Cardeal Patriarca.

PerguntaEm que domínio vê as possibilidades de um aprofundamento das relações com os países do Leste europeu?

Resposta — A nossa proposta aos países socialistas do Leste europeu é a proposta comum a todos os países. Estreitarmos as nossas relações comerciais, económicas, culturais, numa base de reciprocidade, de interesse mútuo, de não ingerência nos assuntos de cada país.

PerguntaGostaria de saber a opinião do Senhor Primeiro Ministro relativamente ao modo como tem vindo a decorrer a Campanha Eleitoral, incluindo a actuação de determinados grupos recentemente ilegálizados. E, em última análise, gostaria de saber se o senhor Primeiro Ministro acha que esta campanha servirá, realmente, para esclarecer o Povo Português sobre os verdadeiros objectivos de cada Partido? (Diário de Lisboa).

Resposta — Bem... Eu penso que a Campanha Eleitoral é reflexo do estado de politiziação em que se encontra o nosso País, em particular, no que respeita à actuação das formações extremistas da esquerda.

De facto não compreendo como é que há pessoas que se consideram sinceramente da esquerda, que queiram que o País mude estruturas e digam, ao mesmo tempo, julgo que até na TV, que as nacionalizações foram uma burla. Penso que isto não é contribuir para a Revolução Portuguesa, mas, ao contrário, é precisamente atacá-la. Isto é falta de senso político e falta de instrução política. Penso que o esquerdismo, digamos assim, no seu mau sentido, é um dos problemas que enfrentamos no nosso País e não é só aqui no nosso País; julgo que ele é um traço da nossa falta de politização; quer dizer: as pessoas não estudam convenientemente as realidades; as pessoas são muito novas, ouvem os «slogans», atiram-nos cá para fora sem preparação.

Por outro lado, a atitude do esquerdismo está também muito ligada a estratos sociais a que pertencem as pessoas que militam nesses grupos. Penso que é um dever de todos os democratas e patriotas esclarecidos — é um dever de militante — combater ideologicamente esses esquerdismos; combatê-los politicamente; esclarecê-los — porque eu penso que a maior parte desse esquerdismo é motivado por falta de esclarecimento; outra parte será por defesa de interesses, até, ocultos interesses de classe que, apesar de tudo defendem.

Objectivamente, certos grupos esquerdistas acabam por se ligar com os grupos da direita. É claro que, entre nós, há uma certa benevolência em relação ao esquerdismo, talvez porque não estamos muito politizados mas isso, aliás, já existiu na República de 1926 — haja em vista as correntes anarquistas que se tinham desenvolvido no seio da classe operária e que não a ajudaram nada, e em nada, para vencer os seus problemas. Também sabemos que houve um período bombista na Primeira República!... Um período bombista em que rapazes generosos, cheios de coragem e de calor, sacrificaram a sua actividade, a própria vida, numa acção que se revelou inútil.

Não são esses os caminhos da Revolução.

Portanto, eu penso que o País, o Povo, têm um grande papel a desempenhar no sentido de desmascarar as atitudes esquerdistas que não consolidam a nossa Revolução, que não consolidam o nosso Processo — antes o combatem. Há mesmo atitudes que chegam ao ponto de dar ideia de quererem arrasar tudo para construir um mundo novo. Isto, é claro, é um erro, é ignorância! Como é que se pode pensar que se vai construir um mundo novo, arrasando tudo, tudo o que existia antes? Isto é não perceber nada da História! Queimar, destruir todo o trabalho anterior! É assim que julgam combater o capital? Mas, então, o capital não é trabalho acumulado? No capital não está acumulado o trabalho de gerações — numa fábrica, numa oficina que está aí, de pé, como foram construídos se não foi com o trabalho humano? Então vamos arrasar tudo para construir de novo? Vamos voltar à Idade da Pedra?!

No fundo estes esquerdistas, estas espécies de esquerdismos estão mas é a prejudicar o caminhar seguro da nossa Revolução.

PerguntaSenhor Primeiro Ministro: Vossa Excelência sabe, tão bem como eu, que Madrid está cheia de fascistas, mas quero esclarecer que a maioria desses fascistas é constituída por portugueses. Segundo: que Lisboa está cheia de esquerdistas que são espanhóis. Há um problema que, segundo as palavras de Vossa Excelência, se refere às relações exteriores e esse é o da grande preocupação que Portugal tem em relação aos boatos, às calúnias e às tergiversações que a Imprensa estrangeira está fazendo ao Processo Português.

Pergunto: Não tomaram os Senhores nenhuma medida para que a exportação de fascistas portugueses se reduza? É que os meus leitores, em Madrid, são portugueses e noto, sobremaneira, cada vez que lhes falo de algo positivo e progressista, com respeito a Portugale digo-lho todos os diasque as minhas orelhas tremem.

Tenho os bolsos cheios de cartas portuguesas que me dizem que sou uma espécie de «filho da mãe». Então, Senhor Ministro, vamos limpar e faça o favor de mandar todos os esquerdistas espanhóis para Espanha e recupere Vossa Excelência todos os fascistas. Esperemos, assim, que nenhum dos dois países que tem as fronteiras mais antigas da Europa estabeleçam a pena de morte por fuzilamento.

Resposta — Penso que não me formulou, assim directamente uma pergunta. Pode mesmo, se quiser, formular-me uma pergunta embaraçosa, porque eu, se me vir atrapalhado para responder, não respondo — a bem da Democracia em Portugal.

Não, nós pensamos que devemos ter as melhores relações possíveis, ao nível de Governo e dentro daquela política que anunciei atrás, com o Governo espanhol. Pessoalmente tenho até as melhores relações com o Embaixador espanhol — que é uma pessoa extremamente amável e simpática e com quem eu falo com a mesma franqueza com que estou a falar com o senhor.

Portanto a nossa política, a nível governamental, é esta: nada faremos para prejudicar as nossas relações com a Espanha. É claro que, como temos uma fronteira grande com o seu País e, também por causa da bondade dos nossos costumes, há uma quantidade de fascistas que se passam para Espanha; é o caminho mais fácil para saírem de Portugal. É claro que, quanto a nós, quem não gosta de Portugal ou não quer aqui estar não faz cá falta nenhuma. Até preferimos que se vão embora do que estejam cá dentro. O Portugal novo tem de ser construído com outra gente e não com essa que se vai embora.

Que lhe hei-de dizer mais?

Comentário do jornalista espanhol:

Empresta-me Vossa Excelência o COPCON cada vez que eu vá a Madrid?


Abriu o arquivo 05/05/2014