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Fonte: verve. revista semestral autogestionária do Nu-Sol verve, 7: 57-74, 2005
Tradução: Tradução do inglês por Anamaria Salles. Tradução das poesias por Thiago Rodrigues. In Emma Goldman. Anarckism and Other Essays. Toronto, Dover Publication Inc., 1969. pp. 109-126)
Transcrição e HTML: Fernando Araújo.
Em 1849, Fiodor Dostoievski escreveu na parede de sua cela na prisão a seguinte história intitulada “O Padre e o Demônio”.
“Olá, padre gordinho!’ Disse o diabo ao sacerdote’. 'O que o fez mentir tanto para essas pessoas pobres e iludidas? Que torturas infernais você descreveu? Você não sabe que eles já estão sofrendo torturas infernais em suas vidas na Terra? Não sabe que você e as autoridades do Estado são meus representantes na Terra? É você quem os faz sofrer as dores do inferno com as quais você os ameaça. Você não sabe disso? Bem, então, venha comigo!'
O diabo agarrou o padre pelo colarinho, ergueu-o no ar, e o levou a uma fábrica, uma fundição de aço. Lá, ele viu os trabalhadores correndo, indo de lá pra cá, e labutando sob um calor escaldante. Rapidamente, o ar denso e pesado e o calor eram demais para o padre. Com lágrimas nos olhos, ele implorou para o diabo: ‘Deixe-me ir! Deixe-me sair deste inferno!’
Meu querido amigo, eu vou lhe mostrar muitos outros lugares. ‘O diabo pegou-o novamente e o arrastou até uma fazenda. Lá, ele viu os trabalhadores debulhando grãos. O pó e o calor eram insuportáveis. O administrador carregava um chicote e batia sem piedade em quem caísse ao chão vencido pelo trabalho duro ou pela fome.
Depois o padre foi levado para as cabanas aonde os mesmos trabalhadores viviam com suas famílias — sujas, frias, esfumaçadas, buracos fedidos. O demônio sorri. Ele aponta para a pobreza e a miséria que se encontram à vontade.
Ele pergunta: ‘isto não é suficiente?' E parece que até ele, o diabo, tem compaixão dessas pessoas. O piedoso servo de Deus mal pôde suportar isso. Com as mãos levantadas, ele implora: ‘Deixe-me ir embora daqui. Sim, sim! Este é o inferno na Terra!’
‘Bem, então, você vê. E ainda promete a eles outro inferno. Você os atormenta, tortura mentalmente até o fim e a eles só resta estar fisicamente mortos! Vamos! Eu lhe mostrarei mais um inferno — mais um, o pior de todos’.
Ele o levou a uma prisão e lhe mostrou o calabouço, com seu ar viciado e as diversas formas humanas, despojadas de toda saúde e energia, deitadas no chão, cobertas por vermes que devoravam os seus pobres corpos nus e mirrados.
Tire suas roupas de seda’, disse o diabo ao padre, ‘coloque nos seus tornozelos as pesadas correntes assim como estes desafortunados as usam; deite-se no chão frio e sujo — e então fale a eles sobre o inferno que ainda os espera!’
‘Não, não!’, respondeu o padre, ‘eu não posso pensar em nada mais terrível que isso. Eu lhe suplico, deixe-me ir embora daqui!’
‘Sim, este é o inferno. Não pode existir nenhum inferno pior que este. Você não sabia disso? Você não sabia que estes homens e mulheres os quais você assusta com a figura do inferno do além — você não sabia que eles já estão no inferno, antes de morrer?’.
Isto foi escrito há 50 anos na escura Rússia, na parede de uma das mais horríveis prisões. No entanto, quem pode negar que isto se aplica com a mesma força na atualidade, até mesmo nas prisões americanas?
Com todas nossas tão vangloriadas reformas, nossas grandes mudanças sociais, e nossas descobertas de longo alcance, os seres humanos continuam a ser enviados para o pior dos infernos, aonde são ultrajados, degradados e torturados, para que a sociedade seja “protegida” desses fantasmas de sua própria criação.
Prisão, uma proteção social? Que mente monstruosa pode ter concebido uma ideia dessa? É como dizer que a saúde pode ser promovida pela disseminação de uma epidemia.
Depois de 18 meses de horror em uma prisão inglesa, Oscar Wilde deu para o mundo sua maior obra- prima The ballad of reading goal:
As ações mais perversas, como as ervas venenosas,
Florescem bem no ar da cela;
Só o que é bom no Homem
Se perde e murcha nela.
A pálida Angústia guarda o pesado portão,
E o desespero é sentinela.(1)
A sociedade continua perpetuando este ar envenenado, não percebendo que disso só podem sair os mais venenosos resultados. Estamos gastando no presente $ 3,500,000 por dia, $ 1,000,095,000 ao ano, para manter as instituições prisionais, e isso em um país democrático — um total quase tão grande quanto a soma da produção de trigo, que vale $ 750,000,000, e a produção de carvão avaliada em $ 350,000,000. O professor Bushnell, de Washington D.C, estima o custo das prisões em $ 6,000,000,000 anuais, e o Dr. G. Frank Lydson, um eminente escritor norte-americano sobre crime, estima, como um valor razoável, $ 5,000,000,000 anuais. É uma despesa incalculável para manter um vasto exército de seres humanos enjaulados como animais selvagens!(2)
No entanto, os crimes aumentam. Assim, sabemos que na América há 4,5 vezes mais crimes para cada milhão de habitantes hoje, do que há 20 anos.
O aspecto mais horrível é que nosso crime nacional é o assassinato, não roubos, desfalques, ou estupros, como no Sul. Londres é cinco vezes maior que Chicago e, no entanto, nesta cidade há 118 assassinatos anuais, enquanto em Londres há apenas 20. Tampouco é Chicago a cidade líder em crimes; ela é apenas a 7ª da lista liderada por quatro cidades do Sul, São Francisco e Los Angeles. Diante de uma situação tão terrível, parece ridícula tagarelice dizer que a proteção da sociedade deriva das prisões.
A inteligência média é vagarosa em apreender a verdade, mas quando a instituição mais completamente organizada, centralizada, mantida com uma despesa nacional excessiva mostrou-se um completo fracasso social, o obtuso deve começar a questionar o seu direito a existir. Já foi o tempo da satisfação com nossa estrutura social simplesmente porque ela é “ordenada por direito divino” ou pela majestade da lei. As amplas investigações sobre prisões, agitação e educação nos últimos anos são provas conclusivas que os homens estão aprendendo a ir fundo nos alicerces da sociedade, às causas da terrível discrepância entre a vida individual e social.
Por que, então, são as prisões um fracasso e um crime social? Para responder essa questão vital cabe-nos procurar a natureza e causa dos crimes, os métodos empregados para combatê-los e os efeitos que esses métodos produzem em livrar a sociedade da desgraça e horror dos crimes.
Primeiro, quanto à natureza do crime. Havelock Ellis(3) divide o crime em quarto tipos: o político, o passional, o insano e o ocasional. Diz que o criminoso político é a vítima de uma tentativa de um governo mais ou menos despótico por preservar sua própria estabilidade. Ele não é necessariamente culpado de uma atitude antissocial; simplesmente tenta reverter uma certa ordem política que pode ser ela mesma antissocial. Essa verdade é reconhecida em todo mundo, exceto na América onde ainda prevalece uma tola noção de que na democracia não há lugar para criminosos políticos. No entanto, John Brown foi um criminoso político, assim como os anarquistas de Chicago, assim como todo grevista. Consequentemente, diz Havelock Ellis, o criminoso político de nosso tempo ou lugar pode ser o herói, o mártir, o santo de outra época. Lombroso denomina o criminoso político como o verdadeiro precursor do movimento progressivo da humanidade.
“O criminoso passional é comumente um criminoso bem nascido e de vida honesta, que sob um grande stress, um incidente, tomou a justiça nas suas mãos”(4).
Mr. Hugh C. Weir em The menace of the police, cita o caso de Jim Flaherty, um criminoso passional que ao invés de ser salvo pela sociedade, tornou-se um bêbado e um reincidente, tendo como resultado uma família arruinada e jogada na miséria. Um tipo mais patético é Archie a vítima da novela de Brand Whitlock, The tum of the balance, a maior exposição americana da maquinação de um crime. Archie, mais que Flaherty, foi levado ao crime e à morte pela cruel falta de humanidade do seu meio, e pela inescrupulosa perseguição da máquina da lei. Archie e Flaherty são apenas alguns exemplos entre milhares, demonstrando como os aspectos legais do crime, e os métodos para tratá-los, ajudam a criar a doença que está minando a nossa vida social.
“O criminoso insano, na verdade, não pode ser considerado criminoso mais que uma criança pois está sob condição mental semelhante à de uma criança ou de um animal”.(5)
A lei já reconhece isso, mas apenas em casos raros de natureza muito flagrante, ou quando a riqueza do acusado permite o luxo da insanidade criminal. Ficou na moda ser vítima de paranoia, mas em geral, a “soberania da justiça” continua a punir os crimes de insanidade com toda a severidade. Então, o senhor Ellis cita as estatísticas do Dr. Richter mostrando que na Alemanha 106 loucos, de 144 criminosos insanos, foram condenados a punições severas.
O criminoso ocasional “representa de longe a maior parte de nossa população carcerária, portanto, a maior ameaça ao bem-estar social”. Qual é a causa que compele um vasto contingente da família humana a escolher o crime, de preferir a terrível vida encarcerada à vida livre? Esta causa, certamente, deve ser inexorável, pois deixa suas vítimas sem saída, pois até o mais depravado ser humano ama a liberdade.
Essa incrível força está condicionada por nossa cruel disposição social e econômica. Não afirmo que se deva negar os fatores biológicos, fisiológicos ou psicológicos na realização do crime; mas dificilmente se encontra um eminente criminólogo que não concordará que as influências sociais e econômicas são as mais implacáveis, as sementes mais venenosas do crime. Mesmo admitindo que existam tendências criminais inatas, não é menos verdade que estas tendências encontram campo fértil em nosso ambiente social.
Há uma relação próxima, diz Havelock Ellis, entre crimes contra o indivíduo e o preço do álcool, entre crimes contra a propriedade e o preço do trigo. Ele cita Quetelet e Lacassagne, o primeiro vendo a sociedade como fomentadora dos crimes e os criminosos como instrumentos de sua execução. O último acha que
“o ambiente social é o meio de cultivo da criminalidade; que o criminoso é o micróbio, um elemento que apenas se torna importante quando encontra o meio, que provoca sua fermentação; toda sociedade tem os criminosos que merece?.(6)
O período industrial mais “próspero” torna impossível que o trabalhador receba o suficiente para a manutenção da saúde e do vigor. E como a prosperidade é, no melhor dos casos, uma condição imaginária, milhares de pessoas são constantemente adicionadas à multidão dos desempregados. De leste a oeste, do sul ao norte, este vasto exército caminha em busca de trabalho ou comida, e tudo que encontra são reformatórios ou favelas. Aqueles que ainda têm uma centelha de autorrespeito, preferem o desafio aberto, preferem o crime à posição esquálida e degradada da pobreza.
Edward Carpenter estima que cinco sextos dos crimes sujeitos à sanção penal consistem em alguma violação ao direito de propriedade; mas este é um número muito baixo. Uma investigação completa provaria que nove em dez crimes poderiam ser ligados, direta ou indiretamente, às nossas injustiças sociais e econômicas, ao nosso sistema de exploração e usurpação sem compaixão. Não há criminoso tão estúpido, que não reconheça este terrível fato, apesar dele não ser capaz de dar-se conta disto.
Uma coleção de filosofia criminal, que foi compilada por Havelock Ellis, Lombroso, e outros homens eminentes, mostra que o criminoso sente de maneira nítida de que é a sociedade que o leva ao crime. Um ladrão milanês, disse a Lombroso: “
Eu não roubo, eu simplesmente tomo dos ricos seus supérfluos; por outro lado, os advogados e comerciantes não roubam?”.
Um assassino escreveu:
“Sabendo que três quartos das virtudes sociais são vícios covardes, eu pensei que um assalto aberto a um homem rico devesse ser menos ignóbil do que a combinação cautelosa da fraude”.
Outro escreveu:
“Eu estou preso por roubar meia dúzia de ovos. Ministros que roubam milhões são honrados. Pobre Itália!”.
Um condenado educado disse a Mr. Davitt:
“As leis da sociedade são forjadas com a finalidade de garantir a riqueza do mundo para o poder e a ponderação, despojando uma larga porção da humanidade de seus direitos e oportunidades. Por que eles deveriam me punir por estar tomando de uma forma similar daqueles que tomaram mais do que tinham direito?”.
O mesmo homem adicionou
“A religião rouba as almas de sua independência; patriotismo é uma adoração estúpida do mundo pelo qual o bem-estar e a paz dos habitantes foi sacrificada por aqueles que lucram com ele, enquanto as leis da pátria, reprimindo desejos naturais, estão travando guerra ao espírito manifesto da lei de nossos seres. Comparado a isso”, ele concluiu, “roubar é uma meta honrável”(7).
Há certamente uma verdade maior nesta filosofia do que em todos os livros sobre lei e moral da sociedade.
O fator econômico, político, moral e físico são os micróbios do crime, então, como pode a sociedade enfrentar esta situação?
Os métodos para lidar com o crime têm sem dúvida passado por muitas mudanças, mas principalmente no sentido teórico. Na prática, a sociedade tem mantido o objetivo primitivo ao lidar com o criminoso, que é a vingança. Ela também adotou a ideia teológica, em outras palavras, punição; e o método legal e “civilizado” consiste em retrocesso ou terror, e reforma. Devemos observar, atualmente, que os quatros tipos falharam totalmente, e que nós não estamos hoje mais perto de uma solução do que na idade das trevas.
O impulso natural do homem primitivo de revidar um golpe, de vingar-se de uma ofensa, é anacrônico. Ao invés disso, o homem civilizado, despido de coragem e audácia, tem delegado a um organizado maquinário a responsabilidade de vingar-se por ele de suas ofensas, baseado na tola crença que o Estado se justifica ao fazer aquilo para o qual ele não tem mais a virilidade ou consistência. A “majestade da lei” é algo racional; ela não desce aos instintos primitivos. Sua missão é de natureza “superior”. Verdade, ela ainda é impregnada pela confusão teológica, que proclama a punição como forma de purificação, ou uma indireta reparação do pecado. Mas, legal e socialmente o estatuto exercita a punição, não apenas como aplicação da dor sobre o criminoso, mas também para provocar um efeito aterrorizante sobre outros.
Entretanto, qual é a base real para a punição? A noção do livre arbítrio, a ideia que o homem é sempre um agente livre para o bem ou para o mal; e se ele escolhe o último, deve pagar o preço. Ainda que esta teoria tenha explodido há muito, e tenha sido jogada em um entulho, ela continua a ser aplicada diariamente por toda a maquinaria do governo, tornando-a o mais cruel e brutal torturador da vida. A única razão para isto continuar é a noção, ainda mais cruel, que quanto maior a propagação do terror da punição, certamente maior será seu efeito preventivo.
A sociedade usa os medos mais drásticos ao tratar com o criminoso social. Por que eles não desistem? Embora nos Estados Unidos um homem seja considerado inocente até que provem sua culpa, os instrumentos da lei, a polícia, perpetuam o império do terror, aprisionando indiscriminadamente, espancando, esbordoando, aterrorizando pessoas, usando métodos bárbaros de “terceiro grau”, sujeitando vítimas desafortunadas ao vicioso ar de suas delegacias, e à mais asquerosa, ainda, linguagem de seus guardiães. Os crimes continuam se multiplicando rapidamente, e a sociedade paga o preço. De outro lado, não é segredo que quando o desafortunado cidadão é contemplado com a “misericórdia” da lei, e para o bem da segurança ele é escondido no pior dos infernos, inicia-se seu real calvário. Roubado de seus direitos enquanto ser humano, degradado a um mero autômato sem desejo ou sensações, totalmente dependente da misericórdia de seus guardiães, passa diariamente por um processo de desumanização, que a ela comparada, a vingança selvagem é brincadeira de criança.
Não há uma única instituição penal ou reformatório nos Estados Unidos em que os homens não sejam torturados para “tornarem-se bons”, por intermédio do cassetete, da clava, da camisa de força, da água para o afogamento, do humming bird (uma corrente elétrica que percorre o corpo humano), a solitária, e a dieta de fome. Nestas instituições sua vontade é quebrada, sua alma degradada, seu espírito subjugado pela monotonia mortal e a rotina da vida presidiária. Em Ohio, Illinois, Pensilvânia, Missouri, e no sul, estes horrores se tornaram tão flagrantes que atingiram o mundo exterior, enquanto na maioria das outras prisões os mesmos métodos cristãos ainda prevalecem. Mas as paredes das prisões raramente permitem que os gritos aterrorizantes das vítimas escapem — as paredes das prisões são espessas, elas abafam o som.
A sociedade deveria, com grande imunidade, abolir as prisões de uma vez, do que esperar por proteção dessas câmaras de horrores do século vinte.
Ano após ano os portões das prisões infernais devolvem ao mundo uma parte náufraga da humanidade, esquálida, deformada, sem vontade própria, com a marca de Caim em suas testas, suas esperanças esmagadas, todas as suas inclinações naturais frustradas.
Sem nada, mas com a fome e a desumanidade para recebê-los, estas vítimas logo mergulham novamente no crime como a única possibilidade de existência. Não é, de forma alguma, incomum encontrar, homens e mulheres que passam metade de suas vidas — ou melhor, quase toda sua existência — na prisão. Eu conheço, uma mulher na ilha Blackwell, que entrou e saiu 38 vezes, e soube por meio de um amigo de um jovem rapaz de 17 anos, de quem ele foi enfermeiro e cuidou, na penitenciária de Pittsburg, que nunca conheceu o significado de liberdade. Do reformatório à penitenciária foi o caminho da vida deste rapaz, até que, alquebrado, morreu vítima da vingança social. Estas experiências pessoais estão substantivadas por extensos dados que trazem evidências esmagadoras do absoluto fracasso das prisões como um meio de dissuasão ou reforma.
Pessoas bem intencionadas estão trabalhando por uma nova orientação na questão da prisão — reclamação, devolver mais uma vez ao prisioneiro a possibilidade de se tornar um ser humano. Apesar de louvável, eu temo ser impossível esperar por bons resultados, despejando um bom vinho numa garrafa mofada. Nada menos que uma reconstrução completa da sociedade livrará a humanidade do câncer do crime. Ainda, se o fio cego de nossa consciência social fosse afiado, as instituições penais poderiam ganhar uma nova camada de verniz. No entanto, o primeiro passo a ser dado é a renovação da consciência social, que está em uma condição particularmente dilapidada. Ela necessita, desesperadamente, ser despertada para o fato que o crime é uma questão de grau, que todos nós temos o embrião do crime dentro de nós, mais ou menos, de acordo com nosso ambiente mental, físico, e social; e que o indivíduo criminoso é somente um reflexo das tendências da massa.
Com a consciência social despertada, o individuo comum pode aprender a recusar a “honra” de ser o cão de caça da lei. Ele pode parar de perseguir, desprezar, desconfiar do criminoso social e lhe dar uma chance de viver e respirar entre seus companheiros. As instituições são, obviamente, mais difíceis de serem atingidas. Elas são frias, impenetráveis e cruéis; no entanto, com a consciência social despertada pode ser possível libertar as vítimas das prisões, da brutalidade dos oficiais, guardas e carcereiros. A opinião pública é uma arma poderosa; até os guardiões da presa humana a temem. Eles podem ser educados com um pouco de humanidade, especialmente se perceberem que seus trabalhos dependem disso.
Mas o passo mais importante é dar ao prisioneiro o direito de trabalhar durante o aprisionamento, com alguma recompensa monetária que pode permitir que ele poupe algo para o dia de sua libertação, o começo de uma nova vida.
É quase ridículo esperar muito da sociedade atual quando consideramos que um operário, escravo ele mesmo do salário, opõe-se ao trabalho do condenado.
Eu nem irei entrar no mérito da crueldade dessa objeção, mas vou simplesmente considerar sua impraticabilidade. Para começar, a oposição até agora levantada pelo trabalho organizado tem sido direcionada contra moinhos de vento. Os prisioneiros sempre trabalharam; apenas o Estado tem sido seu explorador, da mesma maneira que o empregador individual é o usurpador do trabalho organizado. Os Estados ou têm usado os condenados para trabalhar para o governo, ou têm subcontratado o trabalho do condenado para particulares. Vinte e nove dos Estados norte-americanos seguem o último plano. O governo federal e dezessete Estados o têm descartado, assim como as nações líderes da Europa, já que levam a um abominável trabalho pesado e abuso dos prisioneiros, e a um suborno sem fim.
“A ilha Rhode, Estado dominado por Aldrich, talvez expresse o pior exemplo. Em um contrato de 5 anos, elaborado em 7 de julho de 1906, e renovável por mais cinco anos, por opção dos próprios contratantes, o trabalho dos internos da Penitenciária da Ilha Rhode e da cadeia do condado de Providence são vendidos para a Reliance-Sterling Mfg. Co., por uma taxa um pouco menor que 25 centavos por dia e por homem. Esta Companhia é um verdadeiro monopólio gigante do trabalho na prisão, e para isso eles também alugam o trabalho de condenados das penitenciárias de Connecticut, Michigan, Indiana, Nebraska, e Dakota do Sul, e do reformatório de Nova Jersey, Indiana, Illinois, e Wisconsin, totalizando 11 estabelecimentos.
A enormidade do suborno no contrato de Rhode Island pode ser estimado pelo fato desta mesma Companhia pagar 62 dólares e meio por dia em Nebrasca pelo trabalho dos condenados, e que Tennessee, por exemplo, ganha $1.10 por dia pelo trabalho de um condenado da Gray-Dudley Hardware Co.; Missouri ganha 70 centavos por dia da Star Overall Mfg. Co; West Virginia 65 centavos por dia da Kraft Mfg. Co, e Maryland 55 centavos por dia da Oppenheim, a fábrica de camisas Oberndorf 85 Co. A grande diferença nos preços aponta para um enorme suborno. Por exemplo, Reliance-Sterling Mfg. Co, manufatura camisas sendo que o custo do trabalho livre não é menor que $ 1.20 por dúzia, enquanto ela paga a Ilha Rhode trinta centavos a dúzia. Além disto, o Estado não cobra deste monopólio aluguel pelo uso das suas enormes fábricas. Não cobra nada pela eletricidade, calor, luz, e até mesmo drenagem e não exige taxas. Que suborno!”.(8)
Estima-se que o equivalente a mais de 12 milhões de dólares de camisas e macacões de trabalhadores são produzidos, anualmente, neste país, por prisioneiros. É uma indústria feminina, e a primeira reflexão que isto levanta é que uma imensa quantidade de trabalho feminino livre está desocupada. A segunda consideração é que prisioneiros masculinos, que deveriam estar aprendendo um ofício, o que daria a eles alguma chance de se sustentarem após sua libertação, são mantidos neste trabalho com o qual possivelmente não ganharam um dólar. Isto é ainda mais sério quando consideramos que muitos desses trabalhos são feitos em reformatórios, que alardeiam estar treinando seus internos para que se tornem cidadãos úteis.
A terceira, e mais importante consideração é que o enorme lucro conseguido por meio dos trabalhadores apenados é um constante incentivo para os contratantes exigirem de suas vítimas infelizes muito além de suas forças, e para os punir cruelmente quando seu trabalho não acompanha o aumento excessivo da demanda.
Mais algumas palavras a respeito da condenação dos apenados e sobre as tarefas com as quais eles não devem ter esperança de poder ganhar a vida. Indiana, por exemplo, é um estado que tem feito um grande alarde por estar à frente no quesito aperfeiçoamentos penais modernos. Porém, de acordo com o relatório produzido em 1908 pela instituição de treinamento de seu “reformatório”, 135 estavam comprometidos na produção de correntes, 207 na de camisas, e 255 na fundição — um total de 597, nas três ocupações. Mas neste autodenominado reformatório 59 profissões, eram representadas pelos internos, 39 das quais ligadas a interesses do país. Indiana, como outros estados, professa estar treinando os prisioneiros em seus reformatórios em ocupações com as quais eles poderão obter seu ganha pão após serem soltos. Na verdade, os prepara para trabalhar fazendo correntes, camisas e vassouras, estas últimas para o lucro da Louisville Fancy Grocery Co. A produção de vassouras é uma prática amplamente monopolizada pelos cegos, a de camisa é feita por mulheres, e há apenas uma fábrica “livre” de correntes no estado, e nela um prisioneiro liberto não pode ter esperança de conseguir empregar-se. Toda a situação é uma farsa cruel.
Se, então, os estados podem ser instrumentos em arrancar enormes lucros de suas vítimas indefesas não está mais do que na hora do trabalho organizado parar com seu uivo inútil, e começar a requisitar uma remuneração decente para o condenado, tal como reivindicam para si mesmos? Desta maneira, os trabalhadores erradicariam o germe que faz o prisioneiro um inimigo dos interesses do trabalho organizado. Já disse em outra ocasião que milhares de prisioneiros, sem competência ou profissão, sem meios de subsistência, são anualmente lançados de volta ao meio social. Estes homens e mulheres devem viver, pois até ex-condenados tem necessidades. A vida na prisão os tornou antissociais e as portas firmemente fechadas que eles encontraram na sua libertação não diminuíram a sua amargura. O resultado inevitável é que eles formam um núcleo favorável do qual fura-greves, detetives e policiais são extraídos e dispostos a cumprir a ordem do mestre. Portanto, o trabalho organizado, pela sua tola oposição ao trabalho na prisão destrói a si mesmo. Ajuda a criar a fumaça venenosa que asfixia qualquer tentativa de melhora econômica. Se o trabalhador deseja evitar esses efeitos ele deveria insistir no direito do condenado ao trabalho, devia vê-lo como um irmão, trazê-lo para a sua organização, e com sua ajuda enfrentar o sistema que os agrilhoa.
Por último, mas não menos importante, é a crescente tomada de consciência da barbárie e da inadequação da sentença definitiva. Aqueles que acreditam, e seriamente se esforçam, numa mudança chegam, rapidamente, à conclusão que deve ser dado ao homem a oportunidade de fazer o bem. E como ele fará isso com dez, quinze ou vinte anos de prisão pela frente? A esperança de liberdade e de oportunidade é o único incentivo para a vida, especialmente para a vida de um presidiário. A sociedade tem pecado há muito contra eles e isto é o mínimo que ela deve deixar-lhes. Eu não estou muito esperançosa que isto ocorrerá, ou que qualquer mudança real nesta direção possa acontecer até que as condições que originam a ambos, o prisioneiro e o carcereiro, sejam abolidas para sempre.
Da sua boca, uma rubra, rubra rosa!
Do seu coração, uma branca!
Para quem pode dizer por qual estranha ma Cristo traz sua vontade à luz do dia,
Do cajado estéril que o peregrino portava Floriram diante do Papa.(9)
Notas de rodapé:
(1) The Ballad of Keading Goat:
The vilest deeds, like poison weeds,
Bloom well in prison air;
It is onlv what is good in Alan.
That wastes and withers there.
Pale Anguish keeps the heaw gate,
And the Warder is Despair (retornar ao texto)
(2) W. Owen. Crime and criminais. (retornar ao texto)
(3) Havelock Ellis, foi um membro dos fabianistas ingleses, psicólogo, defensor da eugenia, e escreveu em 1890, The criminal Em 1892, publicou The Nationalisation of Health, entre outros. Foi um estudioso do homossexualismo, escrevendo o controvertido Studies in the Psychology of Sex, entre 1897-1928, em 7 volumes. (N.E.). (retornar ao texto)
(4) Havelock Ellis. The criminal. (retornar ao texto)
(5) Ibidem (retornar ao texto)
(6) Ibidem (retornar ao texto)
(7) Ibidem (retornar ao texto)
(8) Extraído das publicações do National Committee on Prison Labor. (retornar ao texto)
(9) Out of his mouth a red, red rose!
Out of his heart a white!
For who can say bv that strange wav;
Christ brings his will to light;
Since the barren staff the pilgrim bore;
Bloomed in the great Pope's sight. (retornar ao texto)