MIA > Biblioteca > Frantz Fanon > Novidades
Há cerca de dois meses que estamos a assistir à tentativa verdadeiramente forçada dos Anglo-Americanos para transformar a tragédia de Sakiet Sidi Youssef, prolongamento da tragédia maior argelina, numa farsa onde a indecência se mistura ao absurdo.
Depois de Sakiet, a Tunísia apresenta queixa contra a França no Conselho de Segurança. A seguir, a República Tunisina, numa nota conjunta, submete o problema argelino às instâncias internacionais. Sakiet exigia ao povo tunisino opções precisas: evacuação das tropas francesas, incluindo Bizerta; restituição dos aeródromos e, no plano internacional, intervenção diplomática em vista do conflito argelino.
Os Anglo-Americanos, fazendo chantagem com a solidariedade ocidental, prometem ao Governo Tunisino obter da França o respeito de todos estes pontos sob reserva de as nações comunistas não estarem interessadas, por intermédio do Conselho de Segurança, nos “problemas internos” atlânticos.
Durante um mês, viu-se Murphy e Beeley avistarem-se, discutirem. “Queremos aproximar os pontos de vista franceses e tunisinos”, pretendiam, e, entretanto, o Governo Francês, abalado por um momento, retomava a sua argumentação belicista. Na Argélia, os massacres continuavam e o povo argelino encontrava-se perante 87 mortos, uma aldeia arrasada e barreiras que correspondem cada vez menos à realidade do seu drama e da sua cólera.
O Presidente da República tunisina fez algumas alterações às exigências do povo tunisino. Mas, no momento em que o Chefe do Governo Tunisino anunciava essas concessões e precisava os seus limites, o Presidente do Conselho Francês Gaillard, apresentava outras exigências, reclamava garantias estritas, encostava o povo tunisino à parede, em suma, lançava de novo a política de agressividade, de ameaça, de intimidação.
Ora, há um ponto para o qual não é inútil chamar a atenção. É o caso de Dulles ter podido declarar: “Depois das concessões do Governo Tunisino, a palavra pertence à França”.
Afirmamos por mais de uma vez que com o colonialismo era inútil esperar qualquer abrandamento. O colonialismo francês é urna força de guerra e é preciso abatê-lo pela força. Nenhuma diplomacia, nenhum gênio político, nenhuma habilidade poderão vencê-lo. Incapaz como é de se renegar, é preciso que as forças democráticas se aliem para quebrá-lo.
Quanto a nós, Argelinos, revelamos no decurso dos nossos anos de luta a existência de um certo número de verdades que varreram as mentiras historicamente estabelecidas. Para nós, Argelinos, o triunfo da democracia não depende unicamente do mundo ocidental, visto que também esse mesmo mundo ocidental contesta os seus valores.
Murphv e Beeley, através do jogo subtil dos silêncios prolongados e de um paradoxal otimismo, tentam lançar a confusão no mundo anticolonialista. Devem saber que talvez enganem muita gente, mas não o povo argelino.
Murphy e Beeley não transformarão numa farsa a luta do povo maghrebino pela independência.
Os plenipotenciários anglo-americanos devem perder todas as esperanças de brincar com o povo maghrebino como quem brinca com marionnettes.
Resta aos povos marroquino e tunisino oporem-se com tenacidade às manobras dos porta-vozes do Governo Francês, delegados pelo mundo atlântico.
A tragédia de Sakiet, a tragédia do genocídio perpetrado na Argélia pelo povo francês ocidental e cristão, não serão transformadas em comédia burlesca em que não importa quem diz seja o que for, entendendo-se que a última palavra continua a pertencer ao “mais forte”.
É a própria teoria da força tradicional dos países mercenários que soçobra no ridículo. Se há uma farsa a representar, será representada pela França. Será a França, o seu regime e o seu povo a pagar o seu preço.
Notas de rodapé:
(1)El Moudjahid, n,° 211 de 1 de Abril de 1958. (retornar ao texto)
Inclusão | 09/07/2018 |