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Para encontrar qualquer propriedade idêntica, deve-se ter uma gama de objetos reais para comparação. Mas como se determina esse alcance, o que serve de base para delineá-lo? Não é difícil observar que formar um grupo de objetos semelhantes pressupõe a existência de conhecimento sobre essa propriedade que é semelhante a esses objetos. Para alguns lógicos, essa circunstância tem sido uma base para a afirmação de que abstrações e conceitos de forma alguma surgem da maneira descrita pela teoria empírica. Por exemplo, Sigwart (1908, p. 284) observa que “uma comparação de diferentes coisas vermelhas por sua cor somente é possível se a abstração indicada já tiver sido realizada”. É possível presumir que “os conceitos devem, em última análise, ser adquiridos por um método diferente, não pelo método desse tipo de abstração, pois eles apenas tornam possível o processo dessa abstração” (SIGWART, 1908, p. 281).
Sem uma hipótese do geral como base real para a escolha dos objetos, esse tipo de comparação deve ocorrer de forma puramente arbitrária, e então o que é comparado é uma questão de indiferença. Drobisch (1887) falou ironicamente a propósito disso em seu tempo, observando a possibilidade de comparar uma framboesa, não só com uma amoreira, mas também com uma tartaruga. Então, como Lotze (1880) observou, cerejas e carne podem ser reduzidas ao grupo de substâncias vermelhas, suculentas e comestíveis. Contudo, as pessoas, na verdade, não seguem esse caminho e não estabelecem tais grupos arbitrários; elas aparentemente têm alguns critérios particulares para destacar e combinar objetos em grupos realmente aparentados: esses critérios são o que não é apreendido pelo esquema empírico para a formação de abstrações e conceitos.(1)
A comparação formal só é possível com a condição de que as propriedades de cada objeto particular sejam distintas, isoladas e independentes umas das outras (essa é precisamente a pré-condição na teoria empírica). Nesse caso, os atributos nos quais os objetos na situação dada diferem uns dos outros não são importantes para sua unificação em uma classe com base em um atributo comum, não estão conectados a esse atributo comum e não procedem de sua existência.
Nesse contexto, a seguinte observação irônica é instrutiva: “Só porque incluímos uma escova de sapato na mesma categoria dos mamíferos não significa que nela aparecerão glândulas mamárias” (MARX; ENGELS, 1956f, p. 41]. Uma semelhança entre a escova de sapatos e os mamíferos pode ser encontrada, é claro, mas será uma combinação subjacente à qual haveria uma unidade real de objetos semelhantes que determina suas outras características, inclusive diferentes? Claramente, não há unidade real aqui, seja dos próprios objetos semelhantes ou de suas propriedades semelhantes e diferentes. Tais combinações são possíveis apenas de acordo com propriedades puramente externas, relativamente independentes e isoladas das coisas.
Isso, como foi acordado afirmar, é apenas uma identidade abstrata de objetos. Nela, o semelhante e o diferente, o idêntico e o não idêntico, o mesmo e o diferente são simplesmente separados, e formalmente, desde que a base de comparação mude (e isso pode ser feito arbitrariamente), a identidade torna-se uma diferença, e a diferença torna-se identidade.
Esse tipo de separação do geral e do particular, do comum e do diferente, está na própria base do esquema empírico de generalização. Alguns autores aspiram remover essa indiferença do geral para o particular – isto é, a abstração da identidade – pelos seguintes argumentos. Assim, Gorskii (1960, p. 226), ao analisar a relação entre o geral e o individual, observou que as propriedades gerais intrínsecas a uma classe de objetos têm um aspecto individual em cada um deles (por exemplo, a propriedade de “possuir o poder da fala”, que as pessoas têm em comum, tem peculiaridades individuais, inimitáveis para cada pessoa em particular). Mas isso apenas indica que o geral não é uma coincidência absoluta, uma mesmice absoluta, e tem certas variações. A questão é outra: o formalmente geral implica um conjunto e um tipo dessas variações? Claramente, estabelecer a propriedade de possuir fala não implica em nenhum tipo de variação, embora na realidade existam alguns. A concepção dessa propriedade pode ser usada para traçar uma distinção suficientemente clara entre pessoas, que possuem fala, e cachorros, que não a possuem, mas sem nenhuma ideia auxiliar das variações e peculiaridades individuais na própria fala das pessoas.
Voishvillo (1967) indica que uma abstração das diferenças nos objetos, quando elas estão sendo generalizadas em um conceito, não significa ignorar as diferenças em geral. Aqui há uma abstração do que são as diferenças, e não do fato de sua própria existência. Assim, o conceito de retângulo implica qualquer retângulo, que tenha uma certa relação de seus lados. A questão do caráter das diferenças permanece em aberto (VOISHVILLO, 1967, p. 117-118]. Não é preciso fazer menção particular ao fato de que qualquer objeto que possua apenas a propriedade subjacente à generalização é fixado na generalização – esse é o alfa do esquema empírico. O ômega é o reconhecimento das diferenças como tais, pois é a partir delas que ocorre a abstração. O problema está em outro lugar: a ideia de uma certa semelhança inclui a ideia de certas diferenças, a ideia de que tipo elas são, afinal, em caráter?
Certamente, quando uma classificação de certos objetos já foi estabelecida e uma hierarquia para suas propriedades típico-genéricas foi criada, a aparência de uma unidade de propriedades semelhantes e diferentes é criada, pois dentro da classificação pode-se passar de um nível de generalidade para outro (as operações de generalizar e restringir conceitos). Mas é impossível deduzir uma propriedade de outra da necessidade interna aqui, pois elas são independentes uma da outra. O verdadeiro problema está justamente em encontrar uma forma para um conceito em que a derivação de propriedades seja possível, e a forma implicaria também o caráter das diferenças.
A noção de que a classe que se fixa em um conceito não é uma formação integral opõe-se à hipótese de propriedades ou objetos independentes uns dos outros. Quando o formalmente geral é destacado, há abstração até mesmo das conexões reais entre propriedades e objetos que podem ser observados (VOISHVILLO, 1967, p. 250). Kotarbin’skii (1963, p. 277) claramente delineia esse recurso nas seguintes palavras:
[...] Uma classe é entendida, no entanto, não como um todo cujos elementos particulares são partes, mas como algo diferente, algo tal que, quando falamos “sobre isso”, estamos de alguma forma falando indiretamente, por meio disso mesmo, sobre cada um dos indivíduos incluídos nesse algo, mais do que sobre o todo que os compõe.
Se reconhecermos que, na realidade, ainda existem formações integrais constituídas por indivíduos como suas próprias partes, então podemos construir a impossibilidade de estabelecer essas formações integrais com a forma de conceitos destinada a representar classes.(2) Na medida em que, de acordo com os princípios da dialética, as entidades naturais são um todo inter-relacionado, as limitações do conceito de classe como meio de conhecimento tornam-se claras. Nesse nível, o esquema empírico de generalização e abstração perde seu real significado cognitivo e é convertido em um método de delinear e distinguir entre entidades de acordo com algumas de suas propriedades externas, em um meio de criar termos novos, designações e nomes. Como Tondl’ (1960, p. 132) acertadamente observa sobre a teoria empírica da abstração que vem de Locke, “o próprio processo de abstração [...] perde seu significado cognitivo e não é capaz de servir para obter novos conhecimentos”.
“Esse tipo de teoria empírica da abstração conduziu por um caminho direto ao reconhecimento da problemática da abstração como uma problemática semântica” (TONDL’ (1960, p. 132).
O estudo de objetos integrais, de sua formação e funcionamento, é um dos problemas centrais do conhecimento científico moderno. A teoria empírica do pensamento não pode descrever o processo de sua resolução, pois seus princípios pressupõem, desde o início, uma abstração da natureza integral dos objetos, de uma consideração das inter-relações reais de seus aspectos e propriedades. Engels(3) apontou diretamente que as ideias de Locke e outros metafísicos obstruíram “o caminho de uma compreensão do particular para uma compreensão do todo, para uma compreensão da conexão universal entre as coisas” (MARX; ENGELS, 1956f, p. 369).
A ciência aspira passar da descrição dos fenômenos à revelação da essência como seu vínculo interno. É bem conhecido que a essência tem um conteúdo diferente dos fenômenos e propriedades dos objetos diretamente dados. Karl Marx,(4) ao criticar a posição dos economistas populares, escreveu:
[...] O economista popular pensa que está fazendo uma grande descoberta quando, em vez de revelar a conexão interna das coisas, afirma com um aspecto importante que as coisas parecem diferentes nos fenômenos. Na verdade, ele está se enaltecendo ao aderir firmemente à aparência e tomá-la por algo definitivo. Então, para que serve a ciência em geral? (MARX; ENGELS, 1956m, p. 461).
Como foi mostrado acima, o esquema empírico(5) para a generalização e a formação de conceitos não fornece meios de delinear as características essenciais de um objeto em si, da conexão interna de todos os seus aspectos. Não assegura uma separação de fenômenos e essência na cognição. As propriedades externas dos objetos, sua semelhança, é considerada final, aqui. Tipicamente, no século passado e no início deste século,(6) o próprio conceito de essência era reprovável no objetivo final das correntes positivistas da filosofia, e elas absorveram os princípios da teoria empírica do pensamento.(7) Isso não foi acidental, porque os representantes dessas correntes não tinham os meios lógicos de revelar uma conexão interna essencial para entidades biológicas e sociais complexas, por exemplo. No encontro com essas entidades integrais, a interpretação de propriedades essenciais como meramente distintivas foi um completo fracasso.(8) Il’enkov (1960, p. 29-37), em um de seus trabalhos, descreve espirituosamente as desventuras da noção empírica de “atributos essenciais” na tentativa de definir o conceito de uma entidade tão comum, facilmente diferenciada, conhecida por todos, como “homem”.
Parece que não é difícil fazer isso: é preciso pegar os atributos comuns e semelhantes que todas as pessoas têm e que as diferenciam de todos os outros animais. Mas a seguinte dificuldade aparece imediatamente aqui: que seres vivos devem ser incluídos na gama de pessoas para delinear suas características comuns? Assim, Aristóteles não incluiu os escravos nessa esfera, quando desenvolveu sua célebre definição do homem como um ser político. Ele atribuiu escravos a um gênero diferente – eles eram ferramentas de fala (isso era totalmente natural para um ideólogo da classe escravista). Aparentemente, é preciso ter uma certa ideia de homem para selecionar a esfera do próprio povo para o delineamento de características semelhantes.
Quais são essas características? O escritor francês Vercors (1957), em um folhetim intitulado Homens ou Animais?, delineou de forma vívida as diferentes visões típicas do homem no mundo moderno. Pensamento e fala são o que as pessoas têm em comum, mas o que são? Eles têm suas próprias dificuldades.
Do ponto de vista do esquema empírico para a formação de conceitos, algo deve ser encontrado em cada pessoa (um abstrato) que é inerente a todos os outros indivíduos. Tentativas de construir uma definição de homem ao longo dessa rota levaram ao delineamento de atributos meramente externamente idênticos que manifestamente não definem a essência do homem. Sabe-se que uma definição científica real foi encontrada de outra maneira - na análise de uma base universal e real para tudo o que é humano no homem. Era a produção das ferramentas de produção (é assim que o marxismo define a essência do homem). Em uma breve definição, é expresso assim: O homem é um ser que produz as ferramentas de seu trabalho. A ciência moderna concorda com essa interpretação da essência do homem. No entanto, como é facilmente observado, muitos representantes indubitáveis da humanidade não se encaixam nessa interpretação da essência – se preservarmos a interpretação empírica de atributos essenciais como objetos diferenciadores em uma classe de objetos em outra classe. Mozart, Raphael, Pushkin, e “Aristóteles não se ‘encaixam’, porque nenhum deles era um ser produzindo as ferramentas de seu trabalho. Poderíamos atribuir a ‘homens’ na interpretação empírica desse conceito apenas... trabalhadores em fábricas ou oficinas de engenharia mecânica” (IL’ENKOV, 1960, p. 42-43).
E se ainda nos atribuímos tudo aos homens, isso indica, primeiro, a existência de diferentes métodos de generalização e atribuição de objetos aos respectivos conceitos, e segundo, a impossibilidade de desenvolver um conceito da essência do homem em uma comparação e delineamento das propriedades formalmente semelhantes de todas as pessoas. Aqui, o esquema empírico para a generalização e a formação de conceitos simplesmente não funciona, não pode ser um meio de delinear a essência das entidades e de operar com essa essência no pensamento.
É importante ter em mente o seguinte recurso: a essência de um objeto ou a conexão interna entre suas propriedades é diferenciada dos fenômenos externamente observáveis e diretamente perceptíveis. A Teoria Sensacionalista(9) não pode explicar como o conteúdo que faltava manifestamente nos dados sensoriais iniciais é detectado em um conceito. Isso porque esses dados apenas mudaram sua forma (percepção-concepção-conceito), não a composição ou o caráter de seus atributos. Certamente, costuma-se falar da não-visualidade que surge no nível de um conceito. Mas seu aparecimento, que se explica pela ausência de atualização das imagens das concepções por meios linguísticos, não revela o mecanismo pelo qual propriedades de objetos que não são dadas na percepção e na concepção, são introduzidas no conceito. A ideia central do sensacionalismo clássico é precisamente que todo o conteúdo de um conceito pode, em última análise, ser reduzido a dados sensoriais diretos e a encontrar o correlato sensorial apropriado para qualquer atributo abstrato. Desse ponto de vista, uma essência também deve ter uma expressão sensorial direta, e se os conceitos científicos demonstram o contrário, então a teoria empírica não pode explicar esses fatos. Em alguns casos, eles são ignorados de uma forma ou de outra (essa é a posição assumida pelo neopositivismo lógico); em outros, eles são mascarados ou interpretados no caminho para uma combinação eclética de teoria empírica e outras teorias de formação de conceitos (em particular, é como muitos psicólogos e didáticos se comportam quando são obrigados a se desviar de suas posições tradicionais iniciais).
Essas características do esquema empírico de generalização e formação de conceitos mostram suas fraquezas fundamentais, sua inaplicabilidade fundamental à interpretação dos processos de generalização científica e à formação de conceitos científicos.
Na verdade, esse esquema não tem critério para combinar objetos em um grupo que seria formado por objetos genuinamente inter-relacionados, em vez de um conglomerado aleatório de coisas e fenômenos externamente semelhantes. Esse esquema, que se baseia no princípio de uma identidade abstrata e formal, opõe o semelhante ao diferente, o geral ao particular, e não indica um método de interconectá-los dentro de um único objeto integral ou dentro de um grupo integral coerente de objetos. Uma consequência disso é a impossibilidade de expressar a essência de um objeto, a ligação interna entre suas propriedades no âmbito desse esquema. Guiado pelos princípios desse esquema, o homem é obrigado a permanecer no plano das propriedades externas de um objeto que são independentes umas das outras.
Uma limitação fundamental do esquema empírico resulta de suas atitudes epistemológicas. A tendência nominalista conduz inevitavelmente à impossibilidade de destacar o conteúdo objetivo dos conceitos, as fontes objetivas dessa forma qualitativamente particular de reflexão. A atitude sensacionalista, que está intimamente relacionada a ela, impede uma explicação adequada das condições e meios de reflexão da essência dos objetos na forma de um conceito, privando seu conteúdo de distinção qualitativa. Vários princípios do associacionismo que pressupõem a redução do conteúdo do pensamento a dados sensoriais elementares harmonizam-se bem com ambas as atitudes. Todas essas atitudes estão intimamente relacionadas. Sua sequência conduz inevitavelmente às fragilidades que se encontram na teoria empírica, ao enfrentar o problema da formação de conceitos científicos, generalizações teóricas reais e abstrações.
Atualmente, entre nossos filósofos e lógicos, bem como psicólogos e educadores, quase não há defensores consistentes da teoria empírica que conscientemente aderiram a seus fundamentos. Acima, notamos repetidamente que essa teoria é usada como se não fosse preciso dizer, e é preciso reconhecê-la de fato. Alguns de seus pontos são frequentemente combinados com os princípios da lógica matemática, e às vezes é feita uma tentativa de combiná-los com algumas das teses da dialética. Em todos esses casos, ressalta-se que a forma protogênica dessa teoria, conforme delineada por Locke, trata ostensivamente os processos de generalização e formação de conceitos de forma simplificada, quando na verdade são mais complexos, e assim por diante. Isso está correto. Mas toda a questão está em como interpretar essa complexidade. Pode-se tentar revelá-lo mantendo o esquema inicial, apenas vestindo-o em detalhes, ou então conectando ecleticamente atitudes de abordagens fundamentalmente diferentes. Essa, em essência, é a posição de vários autores de textos sobre lógica formal, bem como de muitos psicólogos e didáticos que se preocupam com questões teóricas na formação do pensamento dos alunos. Contudo, pode-se partir do fato de que, em princípio, esse esquema não satisfaz as noções modernas sobre o pensamento, cujas complexidades deveriam ser reveladas de outras formas e com a aplicação de outros pontos de partida. Essa abordagem é a mais verdadeira, em nossa opinião.
As tentativas do primeiro tipo não levam ao sucesso. Assim, o próprio Vetrov, cuja abordagem do problema do conceito descrevemos como estritamente sensacionalista, critica o sensacionalismo limitado da interpretação empírica de um conceito. Do seu ponto de vista, um dos erros de Locke foi reconhecer as possibilidades ilimitadas de criação de concepções. Na opinião de Locke, pode-se criar uma concepção geral, não apenas do homem, mas também de um ser animado em geral. Vetrov (1958, p. 40) acredita que “essas possibilidades não são infinitas. Eles são suficientes para criar concepções do homem, mas dificilmente são suficientes para uma concepção de um ser animado”.
Aqui a questão se reduz aos limites quantitativos de uma concepção. Infelizmente, Vetrov não observa que isso não afeta a essência do sensacionalismo. Ele acredita que criar um conceito de homem significa dissociar verbalmente os atributos de uma concepção. Mas uma concepção do homem não contém suas características universais. E o assunto aqui diz respeito, não aos seus limites quantitativos, mas à substância qualitativa – os atributos formalmente idênticos que são apreendidos pela concepção, por toda a sua dissociação, não expressam uma característica universal, a essência da humanidade.
Vetrov (1958, p. 46) acredita que o sensacionalismo limitado pode ser superado no caminho para revelar uma característica tão específica do conceito, como uma distinção entre ele e concepções gerais, por exemplo, a presença de dissociação na forma, atributos. Aqui, diz-se que não se pode ter uma imagem visual de um objeto imediatamente atrás de formulações verbais dos atributos na definição de um conceito. Esse tipo de redução só pode ser realizado em etapas.
Aqui ele não está considerando duas questões centrais. Primeiro, o sensacionalismo clássico demonstrou a redutibilidade de todo o conteúdo de um conceito a dados sensoriais apenas em última instância, embora bem ciente dos procedimentos intermediários de dedução e redução. Em segundo lugar, concordar que a sensação é a fonte do conhecimento não é idêntico a reconhecer a identidade completa do conteúdo de um conceito científico com forma teórica, com os atributos externos e imediatos do objeto nele representado.
A unilateralidade do sensacionalismo clássico em nenhum sentido significa que os dados sensoriais são supostamente a fonte de todas as formas racionais de conhecimento. A concordância com isso forma o ABC de qualquer materialismo, que é sempre sensacionalista desse ponto de vista. O sensacionalismo lockeano clássico, como uma área particular da teoria cognitiva (estamos falando do sensacionalismo materialista, que reconhece a objetividade da realidade) consiste em estabelecer a identidade completa de todos os elementos do conteúdo do pensamento (o conceito) com o externo, percebidos diretamente, atributos gerais de um objeto, que abrem o caminho para a comparação. Esses atributos podem ser percebidos, conceituados e concebidos – mas são eles que são, e somente eles. Isso ainda significa reduzir o conteúdo de um conceito a dados sensoriais. Também significa descrever a formação do conceito como uma mudança apenas na forma de registro e expressão dos atributos gerais dos objetos. Além disso, implica um sensacionalismo unilateral na interpretação da natureza de um conceito, além de cujos limites a teoria empírica não vai. Portanto, censurar seus criadores pela simplificação excessiva, pelo desconhecimento de técnicas complexas, e assim por diante, é simplesmente errado do ponto de vista daqueles que continuam, preservam e, finalmente, dão maior complexidade a novos meios – seus princípios iniciais. É preciso concordar com eles ou repudiá-los. Tudo ou nada! Tal é a alternativa teórica que se revela na história da filosofia e da psicologia.
Uma das principais pré-condições do sistema tradicional de ensino é que as crianças aprendam certos fatos sobre o mundo natural e social ao seu redor e, em seguida, usem esses fatos para resolver uma certa gama de problemas práticos. Em princípio, seria desejável que os alunos aprendessem esse conhecimento por meio da observação direta de fenômenos e objetos, comparando-os, destacando o que é central, lembrando os fatos importantes e, posteriormente, aplicando-os em certas situações da vida cotidiana.(10) Mas esse caminho é impraticável em sua forma pura, pois o leque de informações que o aluno deve dominar é mais amplo do que o acessível à sua observação direta. Além disso, fatos sobre muitos fenômenos e objetos já foram acumulados, sistematizados e descritos por outras pessoas. A experiência dos outros, aqui, é concebida como a experiência ampliada e intensificada de uma pessoa individual que se expressa na mesma forma em que – ocasionalmente – qualquer indivíduo conhecedor pode formulá-la. Essa experiência deve ser transmitida aos alunos por meio da fala ou de representações visuais. O professor realiza a organização da experiência imediata e a transmissão dos fatos mediados.
Um compêndio de fatos sobre as coisas e uma descrição mais ou menos precisa deles são transmitidos aos alunos. Assim, na vida, as pessoas frequentemente precisam fazer cálculos para lidar com coisas, distintas como números. Consequentemente, as crianças também devem receber informações sobre números (números inteiros e fracionários) e sobre o sistema decimal, e devem aprender a usá-los. Na vida cotidiana, o homem moderno encontra constantemente fenômenos mecânicos, térmicos, elétricos e outros fenômenos físicos: os fatos sobre eles são apresentados em um curso de Física. O conteúdo de outras disciplinas escolares é destacado de forma análoga (por exemplo, a necessidade de ortografia adequada requer certas informações gramaticais). As definições e conceitos aprendidos na escola descrevem, de forma verbal, os diferentes aspectos das coisas e fenômenos que são percebidos diretamente ou que foram previamente observados por outras pessoas.
Isso ocorre de forma mais aberta nas séries primárias, embora essa tendência também seja mantida mais tarde.(11) Parece que, ao entrar na escola, a criança deveria receber um conteúdo diferente e uma forma de expressão diversa daquela com que lidava em casa ou na pré-escola. Mas é isso que eles estão se esforçando para não fazer. Pelo contrário: a psicologia educacional e a didática recomendam que os professores usem a experiência cotidiana pré-escolar de se tornar com coisas e fenômenos de todas as maneiras possíveis, apenas expandindo e refinando como uma boa base para o domínio do currículo escolar. Assim se reconhece que, de fato, tanto o conteúdo como o método de aquisição de conhecimentos na vida pré-escolar e no ensino escolar especializado têm uniformidade no tipo e na sequência.
Normalmente, nos casos em que se delineia na escola um afastamento das imagens concretas e cotidianas que são habituais para as crianças, os proponentes do significado particular da experiência cotidiana no desenvolvimento intelectual dos alunos apontam as consequências negativas desse fato. Assim, Baranov (1963, p. 8), que estudou especialmente o papel da experiência sensorial no ensino elementar, lamenta que a criança de sete anos “gradualmente troque o mundo das imagens concretas pelo mundo das abstrações, o mundo dos conceitos; ela deixa essas imagens, enquanto se desfaz das imagens concretas que lhe são mais próximas e claras”. Sem dúvida, o mundo dos conceitos é tão abstrato que só Deus o sabe; tudo, em princípio, permanece semelhante à experiência anterior, apenas cogumelos de papelão aparecem em vez daqueles da floresta, e paus aparecem no lugar de maçãs para serem contadas. Mas mesmo essa transição para recursos didáticos ainda bastante semelhantes à natureza deve ser bem-vinda. Contudo, no ponto de vista de Baranov (1963, p. 8), essa transição objetivamente insalubre ocorre, “influenciando negativamente o desenvolvimento mental e moral”. Assim, chega-se à conclusão de que é importante utilizar e enriquecer a experiência concreta do quotidiano da criança, pois é a partir dela que surgem as abstrações gramaticais e aritméticas. “É no período em que a criança vive por imagens e impressões concretas que sua experiência sensorial deve ser sistematizada e generalizada, e com base nisso, conceitos aritméticos e gramaticais rudimentares devem ser formados” (BARANOV, 1963, p. 12).
O apelo de Baranov é puramente retórico, pois seu desejo está sendo realizado todos os dias, na maioria das práticas escolares, em que desde o início dos tempos se busca utilizar a experiência imediata das crianças para desenvolver seus conceitos. Mas quais conceitos? Os empíricos, é claro, que coincidem em forma e conteúdo com informações cotidianas sobre o ambiente. Certamente, eles são mais sistematizados e conscientes, pois uma forma verbal articulada está ligada a eles.
Baseando-se na teoria empírica do pensamento, a psicologia educacional e a didática aderem a dois corolários com relação ao ensino. Em primeiro lugar, percebe-se que a fonte real e a base para a formação das concepções e conceitos dos alunos estão nas próprias coisas e fenômenos naturais, que podem ser dados às crianças diretamente ou por meio de descrições verbais (de forma análoga – por meio de imagens). Em segundo lugar, o valor total dos conceitos e até mesmo o nível de desenvolvimento intelectual das crianças é colocado em relação à completude e ao desenvolvimento detalhado das informações sobre a natureza. A experiência alheia (o conhecimento recebido do professor) deve se sobrepor à própria experiência de vida da criança; na sua fusão, torna-se aparente a homogeneidade do conteúdo dos dois tipos de experiência, a possibilidade de expandir o conhecimento pessoal através da informação recebida de outros.(12)
O elemento central dessa posição não é a demonstração da importância do conhecimento passado em geral (seria um truísmo avançar tal tese na teoria do ensino), mas indicar a necessidade de que a informação escolar corresponda ao conteúdo da experiência dos alunos. Não há necessidade de provar que a experiência passada pessoal das crianças envolve noções empiricamente desenvolvidas de seus arredores.
É claro que essa experiência deve ser aproveitada no ensino, mas apenas por meio de uma reconstrução substancial dentro de uma forma de conhecimento científico qualitativamente especial e novo para o aluno, que de forma alguma corresponde, e não pode corresponder, a uma simples experiência de vida. O conhecimento passado dos procedimentos cotidianos deve ser incluído no ensino, mas apenas como pré-requisitos gerais que não são específicos do conteúdo e da forma dos conceitos científicos. Somente conhecendo as peculiaridades e a especificidade dessa última é que se pode desenvolver questões sobre o papel da experiência passada de forma concreta. Além disso, há uma distorção da diferença qualitativa na experiência cotidiana e no conhecimento científico; ocorre uma subordinação natural (e, como resultado, também uma distorção) na forma do último para agradar à primeira. Mas essa é uma das consequências características da aplicação da teoria empírica do pensamento na psicologia educacional e na didática
No quadro da aplicação dessa teoria, torna-se explicável a persistência na prática escolar da ideia de continuidade de todas as fases da aprendizagem. Uma afirmação sobre a continuidade na aquisição do conhecimento e no desenvolvimento mental das crianças seria novamente banal. Mas a ênfase na continuidade inclui não só e nem tanto esse recurso como um abrigo teórico para a impossibilidade de mostrar, nos limites da teoria empírica, a singularidade qualitativa da passagem das concepções cotidianas do pré-escolar para conceitos que o escolar deve dominar, a transição dos conceitos empíricos para os científicos. Resta, então, a fórmula tradicional de que de série em série, o conhecimento dos alunos se torna mais amplo e profundo (citamos exemplos dessas explicações anteriormente). Geralmente, não há nenhuma tentativa de delinear significativamente as características qualitativas do conhecimento que está sendo dominado pelos alunos nas séries primárias em contraste com os pré-escolares. Um empirismo, pragmatismo e utilitarismo extremos no conteúdo do ensino aparecem muito claramente nas séries primárias tradicionais.
Se tentarmos encontrar indícios do tempo e do período para o surgimento da singularidade qualitativa do conhecimento que é apresentado aos alunos, não há clareza ou definição sobre essa questão na didática. Certamente, quando o desenvolvimento do pensamento infantil está sendo descrito, há uma indicação especial da capacidade dos alunos de nível superior de dominar conhecimentos teóricos, conceitos científicos e princípios propriamente ditos (ver Capítulo 1). Mas todo o problema consiste precisamente em não apenas estabelecer o estado real das coisas na escola ou as habilidades realmente observáveis dos alunos nas séries superiores, mas em revelar o conteúdo lógico e psicológico da forma teórica do conhecimento. Somente com base nisso é possível levantar razoavelmente a questão das condições e meios de formação do pensamento teórico, tanto entre os alunos mais velhos quanto – por que isso agora será diferente? – entre os mais jovens. Ao mesmo tempo, só com uma análise abrangente dessa forma é possível estabelecer uma correspondência entre o princípio moderno de uma abordagem científica (e esse é um princípio orientador da nossa didática), por um lado, e o conteúdo e métodos de desenvolvimento das disciplinas escolares básicas, por outro.
Perceber o princípio didático da abordagem científica no ensino sob condições modernas não é tarefa fácil. Ainda, como decorre de todas as análises anteriores, não pode ser desenvolvido com sucesso se for a base da teoria empírica do pensamento. Infelizmente, até agora tem sido a base mais detalhada em psicologia educacional para projetar as disciplinas escolares e organizar o domínio do conhecimento na escola. A incompatibilidade das consequências dessa teoria com as visões modernas sobre a natureza científica do conteúdo de ensino é particularmente proeminente nas circunstâncias descritas a seguir.
Sabe-se que o conhecimento científico não é uma simples extensão, intensificação e expansão da experiência cotidiana das pessoas. Ele requer o cultivo de meios particulares de abstração, uma análise particular e generalização, que permite estabelecer as conexões internas das coisas, sua essência e maneiras particulares de idealizar os objetos de cognição.(13) Entretanto, a psicologia educacional e a didática, seguindo a teoria empírica, na verdade ignoram essas peculiaridades do conhecimento científico na concepção das disciplinas escolares. A tese de que os alunos devem dominar diretamente o conhecimento sobre as coisas complica substancialmente a teoria da instrução, a busca de maneiras de realizar o princípio da natureza científica da educação escolar. As ciências em sua forma moderna (e só sobre isso se pode discutir, e só aqui surgem novos problemas de educação) não têm por objeto as próprias coisas e suas manifestações imediatas. Conhecê-las requer a construção de abstrações teóricas especiais, o isolamento de alguma conexão definida entre as coisas, e a conversão dessa conexão em um objeto particular de estudo.
Kolmogorov (1960, p. 11) fez uma observação especial dessa característica ao descrever o objeto da matemática como uma ciência:
[...] A matemática estuda o mundo material de um ponto de vista particular [...] e seu objeto imediato são as formas espaciais e as relações quantitativas do mundo real. Essas formas e relações em sua forma pura, ao invés de corpos materiais concretos, são a realidade que a matemática estuda.
Em princípio, o objeto de qualquer ciência é isolado das substâncias materiais concretas na forma de uma certa conexão, e é esta última que se torna, em forma pura, um objeto especial de estudo. Na história de toda ciência há um período de desenvolvimento de seu objeto (embora em essência esse processo seja constantemente contínuo), um período de formação de uma visão do mundo material que é específica para ela. Nesse processo, forja-se a forma da relação teórica com esse assunto e emergem os conceitos teóricos. Suas fontes estão nas próprias coisas; elas refletem os processos de desenvolvimento dessas coisas, mas é na forma de uma teoria que se revelam as interconexões das coisas e suas leis em forma pura, em forma universal.
O domínio pleno do conhecimento científico teórico pressupõe uma construção preliminar no espírito dos alunos sobre os assuntos das respectivas disciplinas, a formação de uma capacidade de abordagem teórica das coisas. Para a criança que tem apenas uma avaliação direta do mundo ao seu redor, essa visão teórica das coisas é incomum, não dada de antemão e não surge por si mesma. Durante o ensino escolar (e aqui está sua tarefa básica) é importante, desde o início, separar, para os alunos, as propriedades imediatas das coisas e suas possíveis refrações em um conceito teórico. A aprendizagem, então, se desenvolverá de acordo com as leis da matéria da própria disciplina, de acordo com as formas de seus conceitos. Consequentemente, a teoria e a prática do ensino enfrentam um grande problema problematizador de construir, no pensamento das crianças, modelos da matéria de cada disciplina que está incluída no rol de disciplinas escolares, e dar às crianças métodos de progredir nesse modelo. Diante desse problema, a teoria empírica do pensamento se mostra impotente. Para ela, existe um esquema homem-descrição das coisas, mas não existe o esquema homem-coisas-modelo teórico das conexões entre as coisas.
A história do desenvolvimento da ciência é evidência de que o aparecimento de certos novos fatos e ideias fundamentais conduz, em toda ciência, não a uma simples extensão do conhecimento e refinamento de conceitos, mas a uma reconstrução essencial de todo o edifício integral da ciência, a uma mudança de papel e significado, mesmo das teses aparentemente mais simples e há muito conhecidas. As ciências se renovam como sistemas integrais. Aqui está a natureza específica do conhecimento teórico (veja, por exemplo, a análise dessa questão na obra de Arsen’ev [1967], entre outros), isso se destaca particularmente distintamente no exemplo da matemática (veja Bourbaki [1963], Currículo para a Escola de Oito Anos: Séries Primárias(14) [1967], etc.),(15) mas até certo ponto também é típico da Física, Biologia, Linguística e outras disciplinas. A concepção das disciplinas escolares deve atender a essa característica fundamental no desenvolvimento das ciências cujos fundamentos são estudados na escola. Os métodos de design desses assuntos que foram adotados, baseados na teoria empírica, no entanto, não correspondem aos requisitos para resolver esse problema.
Aderindo às noções de ampliar e intensificar o conhecimento, os autores dos currículos escolares, na maioria das vezes, os constroem a partir de um princípio disciplinar-temático – ou seja, ampliam o leque dos fenômenos descritos, introduzem novos temas, desviam temas supostamente antiquados e perguntas sem importância, e assim por diante. Assim, a Física e muitas outras disciplinas (Linguística, Geografia, Biologia, etc.), nas últimas décadas, desenvolveram substancialmente seus próprios conceitos gerais e alteraram seus assuntos. No entanto, essas circunstâncias tiveram relativamente pouca influência sobre o conteúdo dos cursos escolares.(16) E na verdade, de acordo com esse princípio, não importa quais mudanças ocorrem nas disciplinas – Física, por exemplo – ainda temos alavancas (mecânica), dispositivos elétricos (eletricidade) e muitos outros objetos ao nosso redor. Suas propriedades devem ser conhecidas, e suas regras de uso são importantes em diversas situações cotidianas, portanto, as informações apropriadas devem ser incluídas no curso de Física elementar. Claro, a ciência descobriu novas entidades; surgiram novos ramos dela (Física Atômica, por exemplo). A nova tecnologia relacionada a eles está sendo introduzida na produção. Fatos sobre eles também devem ocupar um lugar definido no currículo junto com tópicos antigos. Os fatos novos geralmente são dados ao final de um curso previamente desenvolvido.
Se alguém é guiado consistentemente pela teoria empírica do pensamento, então a melhoria no conteúdo das disciplinas escolares deve ocorrer inevitavelmente na forma de uma intensificação constante de mais e mais novos tópicos em torno de um núcleo relativamente inalterado do curso tradicional.
Uma vez que, à luz dessa teoria, os conceitos são tratados como formas de fixar as propriedades distintivas externas dos objetos circundantes, e esses últimos são mais ou menos estáveis em seu significado para nós, uma modificação dos conceitos pode envolver apenas seu refinamento, sua melhor definição ou uma atualização dos exemplos ilustrativos. O desenvolvimento do conhecimento pode ser interpretado, aqui, apenas como uma extensão de seu escopo, pois dentro dos limites da teoria empírica, não há como analisar a interconexão entre a forma e o conteúdo do conhecimento, ou fazer uma reflexão teórica permanente e mais profunda na essência de um assunto como uma transição de uma essência de primeira ordem para uma essência de segunda ordem, e assim por diante.
A lógica dessas transições e, consequentemente, a lógica do aparato conceitual da ciência, permanecem pelo tabuleiro com essa teoria. As características centrais dos conceitos teóricos – a mutabilidade em sua estrutura, a mudança na correlação entre os conceitos do simples e do complexo, do externo e do interno, do empírico e do teórico – permanecem desatendidos ou mal compreendidos. Essas correlações não são absolutas, mas historicamente mutáveis. Engels(17) colocou ênfase especial nessa circunstância altamente importante: “O pensamento teórico de cada época [...] é um produto histórico que adota formas muito diferentes e até conteúdos muito diferentes em épocas diferentes” (MARX; ENGELS, 1956f, p. 366). As últimas décadas no desenvolvimento da ciência reconfirmaram essa profunda tese dialética. Mas na psicologia educacional e na didática, na prática de elaborar currículos escolares, não teve nenhum reflexo substancial.
Um desenvolvimento do material instrucional que corresponda diretamente aos passos básicos na história empírica de uma certa disciplina é típico do método disciplinar-temático de desenho curricular. Assim, na descrição empírica da história da Matemática, a seguinte sequência geral para mudar os objetivos básicos do estudo é delineada: no início, os números (aritmética) eram o objetivo central, depois as transformações de identidade e equações (álgebra), depois diferenciais e integrais cálculo (análise) e, ainda mais tarde, operações sobre conjuntos, estruturas matemáticas. O currículo escolar segue exatamente essa sequência: uma ampliação do leque de conteúdos que são estudados. Aritmética é estudada nas séries primárias, álgebra nas intermediárias e os elementos de análise nas séries superiores (e isso tem sido relativamente recente). A tese correta sobre a necessidade de começar a instrução a partir das fontes de conhecimento, na verdade, gira em torno de um certo cronologismo externo aqui.(18) Isso é inevitável, uma vez que a ideia de mudar o conteúdo e o aparato conceitual de uma ciência como formações integrais nas quais novas entidades e métodos de analisá-los mudam o próprio fundamento da ciência e o caráter das inter-relações de suas partes é estranha à teoria empírica da generalização.(19)
A concepção tradicional dos currículos escolares corresponde a uma visão ultrapassada da função da aprendizagem e do seu papel na vida da criança. A aprendizagem é considerada muitas vezes apenas como o domínio do conhecimento - sem especificar o tipo de conhecimento que deve ser dominado na escola, em oposição, por exemplo, ao conhecimento que é dominado no jogo (idade pré-escolar), na leitura independente de livros, na atividade profissional (as séries superiores), e assim por diante. Esse tipo de interpretação indiferenciada do conteúdo do ensino escolar esconde uma redução real de todo o leque de conhecimentos possíveis ao conhecimento empírico, o que, por sua vez, pressupõe um tipo de domínio totalmente definido, que é intrínseco ao ensino vocacional que se desenvolveu vários séculos atrás. A principal característica desse último é o domínio de habilidades práticas e operações de natureza geral-cultural ou orientada para a produção (habilidades em leitura, escrita e afins, por exemplo) com base em informações empíricas sobre linguagem, entidades matemáticas, e assim por diante. Houve uma época em que a escola de massa incorporava esse tipo de aprendizado. Mais tarde foi preservado de forma mais ou menos pura nas séries primárias (para a maioria esmagadora da população era também o estágio final da educação até recentemente), mas muitos de seus recursos foram estendidos para os níveis superiores.(20)
Durante algum tempo, a contradição entre o desenvolvimento do Ensino Médio e o tipo de treinamento vocacional que se transfere para ele não se manifestou nitidamente, e em teoria, não se concretizou (embora essa contradição tenha sido parcialmente detectada em certas discussões sobre os problemas da chamada educação formal e educação real). Só agora, quando os problemas reais do Ensino Médio estão sendo cada vez mais revelados, quando esse nível de ensino está se tornando genuinamente universal em uma sociedade socialista, a contradição está sendo claramente sentida. A educação escolar de nível médio é chamada a fornecer às crianças conceitos genuinamente científicos, a desenvolver seu pensamento científico e suas capacidades para maior domínio independente de uma quantidade crescente de novos conhecimentos científicos (uma análise dos problemas que surgem a esse respeito para a psicologia educacional é contido, por exemplo, em uma das obras de Leont'ev [1967]). A resolução desse problema exige, a nosso ver, uma alteração dos próprios princípios de conceção das disciplinas escolares, a organização de um novo tipo de domínio, de uma nova estrutura para toda a atividade educacional dos alunos.
Naturalmente, novos problemas lógicos, psicológicos e didáticos relacionados com a determinação da relação entre as ciências e as respectivas disciplinas escolares, por um lado, e a análise da estrutura dos conceitos científicos do ponto de vista de sua incorporação ao currículo escolar, por outro lado, surgem aqui. Pesquisas sobre a estrutura do conhecimento científico e estudos de sua relação com outras formas de conhecimento devem se tornar pré-requisitos para a criação de currículos escolares e metodologias de ensino, pré-requisitos para o estudo psicológico dos princípios que regem o domínio do conhecimento, a formação e o desenvolvimento de pensamento dos alunos.(21) Mas esses problemas de suma importância não apenas não podem ser resolvidos: eles não podem nem mesmo ser adequadamente canalizados para a teoria empírica tradicional do pensamento.
Vamos considerar algumas outras consequências da aplicação dessa teoria na psicologia educacional e na didática: anteriormente, descrevemos em detalhes a essência epistemológica de suas teses básicas. Nominalismo, sensacionalismo estreito e associacionismo não são apenas suas características acadêmicas, mas as atitudes que se manifestam ativamente nos métodos de resolução de muitas questões gerais e particulares em psicologia educacional e metodologia.
Assim, a atitude nominalista leva a negar a existência do factualmente geral como fundamento da unidade de certas entidades em um conceito. Uma vez que o geral é considerado o que é semelhante ou idêntico em muitos objetos, então, para destacar as propriedades semelhantes, a operação de comparação, que resolve o problema em generalizar o material em quaisquer conceitos, independentemente de seu conteúdo concreto e peculiaridades concretas, é suficiente.(22) Subjacente à formação do conceito de número está uma comparação; o conceito biológico de vida também é formado por uma comparação; o conceito das etapas do desenvolvimento das nações se baseia na mesma operação de comparação. Aplicando-a a qualquer gama de objetos de alguma forma semelhantes, seu caráter formal corresponde inteiramente à formalidade do atributo geral que é destacado.
Ao atribuir um papel decisivo no processo de generalização a uma comparação adequada para todas as ocasiões da vida,(23) a psicologia educacional tradicional fecha assim o caminho para o estudo das operações concretas e baseadas no conteúdo da criança, pelas quais ela pode detectar, delinear e estabelecer um método de interação das diferentes propriedades – tais aspectos concretos e baseados em conteúdo para um objeto que determinam sua unidade interna, sua existência como um objeto específico e integral. Este método de interação, a conexão interna entre as características do objeto dado, não pode ser detectado por nenhuma comparação, uma vez que uma comparação pode destacar nela apenas alguma característica formal em comum com os outros objetos, mas não a base geral para a especificidade do objeto dado.(24)
A absolutização do papel da comparação, inevitável na atitude nominalista em relação à teoria empírica, impede o estudo da estrutura objetiva de operações específicas, pelas quais a criança descobre por si mesma os aspectos da realidade que são representados por certos conceitos (na exposição subsequente mostramos que, infelizmente, tanto a psicologia quanto as metodologias particulares têm uma noção muito errônea sobre a atividade infantil no curso da qual conceitos tão importantes como palavra e número são formados).
Sem meios para revelar a base objetiva da estrutura sistemática e integral de um objeto em si, a psicologia educacional tradicional transfere a questão dos sistemas para o plano da classificação ou sistematização do conhecimento, o que leva ao estabelecimento de relações genérico-típicas entre conceitos. A hierarquia dessas relações torna-se a estrutura formal dentro da qual as relações de conceitos em qualquer área podem ser expressas.
Operar com conceitos e trabalhar no nível dos conceitos, portanto, se resume a mover para cima e para baixo essa escada de relacionamentos. O próprio movimento concentra-se em duas operações básicas do tipo formal: Primeiro, na capacidade de enumerar um conjunto completo de atributos para caracterizar os objetos de acordo com um certo grau de generalidade. Em segundo lugar, na capacidade de tornar concretos objetos de maior generalidade passando para objetos de menor generalidade; no limite, é a capacidade de indicar os objetos individuais reais que possuem um determinado conjunto de atributos (subsumindo-se a um conceito). A segunda dessas operações é tão formal quanto a comparação. Tendo uma certa regra, é possível incluir objetos apropriados em cada grupo de atributos indicado. Normalmente, é esse aspecto de trabalhar com um conceito que foi reproduzido, principalmente no pensamento do computador (ver o artigo de Hunt e Hovland [1967]: sua abordagem do conceito é apresentada acima).(25)
É claro que o trabalho do homem com os conceitos não se reduz a essas operações formais. A função básica de um conceito em um ato mental consiste principalmente em assegurar a descoberta de novos aspectos de um objeto, um avanço em seu conteúdo, ao invés de incluir objetos sob atributos já conhecidos.(26) Mas a teoria empírica não descreve ou revela essa função central do conceito. Normalmente, a maioria dos estudos psicológicos modernos sobre a formação de conceitos em crianças é construída sob sua influência. Atenção especial é dada ao estudo de métodos eficazes de formação da operação de incluir sob um conceito (muitos estudos foram feitos nessa área, particularmente apoiando-se na doutrina da formação passo a passo das operações mentais de Galperin; ver, por exemplo, as obras de Talyzina [1957], entre outras). A nosso ver, uma das razões para esse estado de coisas é a patente subestimação do estudo lógico-psicológico especial da própria natureza dos conceitos, seus diferentes tipos e níveis, o que leva a um empréstimo acrítico de abordagens há muito estabelecidas para esse problema, que identifica qualquer generalização com generalização empírica, e a forma de qualquer conceito com a forma verbalmente articulada de descrever os atributos distintivos de objetos.
Em sua abordagem das operações mentais como operações formais, cujo conteúdo pode ser quaisquer propriedades de objetos de acordo com as circunstâncias, a psicologia tradicional segue a atitude nominalista na teoria empírica da generalização, segundo a qual a realidade das propriedades de objetos individuais e sua representação formal no pensamento deve ser separada, desde o início. Conclusões importantes decorrem disso.
Uma vez que as operações são consideradas descrições formais elementares da atividade mental, então uma hipótese sobre a existência de seus próprios princípios para governar seu desenvolvimento, bem como sobre certos estágios de idade nesse processo, é completamente legítima. Portanto, em psicologia, fala-se com bastante frequência sobre o desenvolvimento da comparação nos alunos (uma análise detalhada disso é feita, por exemplo, por Solov'ev [1965]), sobre o desenvolvimento da generalização, sobre o desenvolvimento da atividade analítico-sintética, do desenvolvimento da classificação, e assim por diante. Também é natural observar o nível de desenvolvimento inadequado dessas operações em determinados alunos (fraqueza na generalização, etc.). Uma exigência sobre a necessidade de um trabalho pedagógico especial em desenvolver comparação desenvolvendo generalização e desenvolver atividade analítico-sintética é legítima.
Aqui, o problema da dependência da estrutura e do nível dessas operações do conteúdo real e concreto do conhecimento que as crianças dominam, dos aspectos e tipos desse conteúdo, é removido. O significado determinante do conteúdo na emergência e desenvolvimento das operações mentais e em sua estrutura não é estudado. Pelo contrário: a possibilidade de incluir um ou outro conteúdo na atividade mental é colocada em dependência direta do nível de desenvolvimento previamente alcançado das próprias operações formais, inclusive nas características desse processo. Essa separação entre o conteúdo do conhecimento e as próprias operações, quando seu caráter formal é tornado absoluto, só é possível no nível dos conceitos empíricos que estabelecem as características formalmente gerais dos objetos. Assim, a descrição dessas operações que ocorre na psicologia tradicional diz respeito apenas ao nível empírico do pensamento.
O caráter nominalista da escola empírica de formação de conceitos esclarece o significado da conhecida exigência de que o ensino passe do particular para o geral. De acordo com esse esquema, não há realmente um geral como tal; é representado apenas em um nível mental. Naturalmente, é o produto, o resultado de uma comparação de objetos individuais, o resultado de sua generalização em um conceito de classe. Em todos os casos, surge como resultado de uma ascensão do sensório-concreto ao mental abstrato, que se expressa em uma palavra. Dentro desse esquema, os termos empírico e teórico recebem sua própria interpretação particular. O primeiro é sensório-concreto. Esse último é abstrato-geral, verbal. O objetivo do pensamento é alcançar um nível teórico de conhecimento. E quanto maior o nível de generalização – ou seja, quanto maior o leque de objetos variados incluídos em uma dada classe, mais abstrato e teórico é o pensamento. A capacidade de pensar abstratamente é tratada como um índice do desenvolvimento do intelecto.
No entanto, aqui não se costuma observar que todo objeto é tomado de forma extremamente unilateral, do ponto de vista apenas de sua semelhança com outros objetos, além de uma revelação das condições para a existência de um objeto integral em sua especificidade. Hegel, em sua época, demonstrou espirituosamente que esse tipo de pensamento abstrato é encontrado com mais frequência na vida. É precisamente na abstração que as pessoas pensam em sua maior parte, agarrando-se a aspectos particulares de um objeto que são, em algum aspecto, semelhantes a outra coisa, e essas características particulares são atribuídas ao objeto inteiro como tal, sem verificar a conexão interna de todos os seus aspectos e características. Pensar abstratamente é o mais fácil de tudo (HEGEL, 1970).(27)
Do ponto de vista da teoria empírica da generalização, a identificação do conhecimento teórico com o conhecimento verbal é inevitável. Um conceito teórico é aquele com um mínimo de suportes visual-pictóricos, com um máximo de construções verbais. Claramente, o uso de objetos auxiliares, meios externos, na atividade educacional é representado, aqui, como operação com atributos individuais de objetos em um plano concreto-empírico, que se opõe ao plano teórico-abstrato. Por outro lado, a passagem para a operação com os significados das palavras, uma liberação das ajudas objetais, funciona como uma passagem para o plano teórico, para o plano de confiança nos atributos gerais de um conceito.
Mas a prática escolar, assim como a vida cotidiana, mostra que operar com conhecimentos abstratos com um mínimo ou total ausência de suportes visuais é uma tarefa altamente difícil. Portanto, sempre se deve retornar a tais suportes. Eles podem ser esquemáticos, generalizados, não tão detalhados quanto os suportes necessários para desenvolver as próprias abstrações. Integrar objetos em um conceito consolida cada vez mais a abstração, saturando-a e tornando-a concreta com vários casos particulares e exemplos (é por isso que a habilidade da criança em citar exemplos ou ilustrações apropriadas é um critério de domínio real de um conceito abstrato). Em outras palavras, o conhecido princípio da visualidade assegura um rigor nos conceitos empíricos, tanto na ascensão do sensorial ao abstrato quanto na operação com as próprias abstrações.
É fácil observar que, nesses casos, a distinção entre uma concepção e um conceito se torna relativa. Em essência, um limite definido geralmente não é traçado aqui. Em trabalhos de psicologia educacional, didática e metodologias particulares, esses termos são usados aqui e ali como se fossem sinônimos, ou de uma única ordem (“Os alunos formam concepções e conceitos sobre...”). Eles têm a mesma base objetiva e estão intimamente conectados na forma: um se transforma no outro e vice-versa. Também é digno de nota que uma concepção e um conceito podem ser criados sobre qualquer coisa que se deseje no mundo: falamos do conceito de casa e do conceito de nação, do conceito de chuva e do conceito de número, do conceito de cor e o conceito do universo. Toda concepção, com articulação e expressão verbal apropriadas, pode ser revestida na forma de um conceito. Essa circunstância, melhor do que qualquer outra, denuncia a atitude estritamente sensacionalista da teoria empírica da formação de conceitos. Uma consequência prática disso leva a ignorar um propósito maior dessa forma elevada de pensamento humano: um propósito maior do que estabelecer qualquer atributo recorrente externamente de quaisquer objetos.
Vamos considerar outra questão teoricamente importante. Em muitos manuais e estudos de psicologia educacional e didática, quando se substancia o modo de formar os conceitos ali expostos, cita-se a seguinte afirmação de Lênin (s.d., p. 152-153): “Da contemplação viva ao pensamento abstrato e deste à prática – este é o caminho dialético para o conhecimento da verdade, para o conhecimento da realidade objetiva”. Esta afirmação é citada particularmente nas obras em que a teoria empírica tradicional do pensamento é posteriormente apresentada (como foi mostrado acima - BARANOV, 1963; BOGOYAVIENSKII; MENCHINSKAYA, 1959; DANILOV, 1960; SHARDAKOV, 1963). Os autores dessas obras acreditam que essa afirmação reproduz brevemente o esquema de transições da percepção e concepção ao pensamento abstrato, e deste à aplicação de conceitos em situações práticas, esquema que desenvolvem em seus estudos em psicologia educacional. Assim, a via dialética para conhecer supostamente corresponde a esse esquema. Isso realmente funciona?
Acima de tudo, a declaração de Lenin deve ser analisada preservando completamente seu contexto. Só então os significados dos termos aqui utilizados (contemplação, pensamento abstrato, etc.) tornam-se claros, assim como o sentido pleno do próprio enunciado, que recapitula um sistema de julgamentos profundos que, aliás, se relacionam com uma série de enunciados de Hegel que são citados e avaliados por Lenin
Em sua Ciência da Lógica, Hegel apresenta uma abordagem dialética do conceito, da abstração. Em particular, ele analisa as razões para as limitações da abstração racional, que em seu tempo tinha uma interpretação que coincide com a atual abordagem lógico-formal tradicional da abstração. Hegel apresentou esse ponto de vista segundo o qual um determinado atributo é retirado da rica e plena diversidade sensorial (o concreto). Como conteúdo de um conceito abstrato, é claro que é mais pobre do que a concretude sensorial (abstrações enxutas).(28) Guiados por esse tipo de noção de abstração, é possível chegar à conclusão de que o pensamento que opera por abstrações não pode mergulhar na riqueza da concretude sensorial. Mas como é precisamente esse tipo de conhecimento que é particularmente necessário, deve-se contentar com a mera contemplação, a percepção pelos sentidos.
Hegel se opõe categoricamente à absolutização desse tipo de interpretação da abstração. Ele direcionou todo o poder da análise dialética para substanciar a plena possibilidade de expressar a realidade na forma de pensamento abstrato de uma maneira mais rica e mais completa do que pode ser alcançado no nível sensorial. Contudo, para que isso aconteça, deve haver uma definição das características da abstração e do conceito diferente daquela dada pela lógica formal tradicional. Em particular, Hegel escreve:
[...] O pensamento de que os abstratos devem ser vistos, não apenas pondo de lado a matéria sensorial, que não sofre nenhum dano com isso em sua realidade – é, ao contrário, uma remoção dessa última e uma redução dela como um simples fenômeno ao essencial, que se manifesta no conceito, apenas (apud LENIN, s.d., p. 152).
Tendo extraído essa passagem de Hegel, Lênin apresenta o seguinte argumento: o pensamento correto, ascendendo do concreto ao abstrato, não se desvia da verdade, mas se aproxima dela; “todas as abstrações científicas (corretas, sérias, não absurdas) refletem a natureza mais profundamente, mais verdadeiramente, mais completamente” (LENIN, s.d., p. 152). Assim, Lenin observa a característica cognitiva da abstração que não tem lugar dentro dos limites de sua interpretação tradicional (quando dilui o conhecimento sensorial-concreto inicial). Contudo, a especificidade do pensamento abstrato, seu potencial para ir além dos limites do sensório-concreto, é assim revelado (o potencial para conhecer um objeto mais profundamente, mais plenamente). Nas palavras de Hegel, conforme citado por Lenin, tal pensamento nos leva ao essencial, que se manifesta apenas em um conceito. Aqui, o que é central é que é em um conceito e somente em um conceito (na interpretação dialética dele) que o essencial, ao invés do abstrato enxuto, é apreendido.
Assim, para Lênin, a especificidade do pensamento abstrato como elo particular e necessário na cognição está relacionada ao caráter dialético da própria abstração, que enriquece a cognição durante a transição para o essencial (e todas as abstrações genuinamente científicas também estão). Sabe-se que Lenin (s.d., p. 256) enfatizou a natureza dialética da transição da sensação ao pensamento: “Não é apenas a transição da matéria para a consciência, mas também a transição da sensação para o pensamento, etc., que é dialética”. Lenin dá a seguinte descrição de uma transição dialética: “Como uma transição dialética difere de uma não dialética? Por um salto. Por uma contradição. Por uma interrupção na gradualidade” (LENIN, s.d., p. 256).
A qualidade dialética da passagem da contemplação ao pensamento consistia em uma interrupção na gradação, em um salto, no surgimento de uma nova forma de reflexão qualitativamente diferente da etapa anterior do conhecimento. O pensamento abstrato pode refletir o que não é dado à contemplação e à concepção e o que é apreendido em um conceito: isto é o que há de essencial ou universal em um objeto.
Em uma das seções dos Cadernos Filosóficos, Lenin descreve brevemente o curso geral do conhecimento da seguinte forma: “Um conceito (conhecimento) no ser (nos fenômenos imediatos) revela a essência (a lei de causa, de identidade, de diferença, etc.) – esse é o curso realmente geral de toda cognição humana (toda ciência) em geral” (LENIN, s.d., p. 298). Mas a interpretação do universal essencial na dialética é diferente daquela na lógica formal tradicional. Lenin adotou uma atitude de aprovação em relação à fórmula de Hegel sobre o universal que inclui toda a riqueza do particular e do individual (esse universal nos permite entender por que as abstrações científicas são mais ricas e completas, e não mais pobres, do que o concreto sensorial). O esquema empírico de generalização não pressupõe esse tipo de universalização.
Agora, tendo considerado o contexto da conclusão de Lênin sobre o caminho dialético para o conhecimento, voltemos à sua célebre formulação sobre as etapas desse caminho. Segue-se literalmente a tese de que todas as abstrações científicas refletem a natureza mais completamente. Consequentemente, Lenin, em primeiro lugar, enfatizou a natureza específica do pensamento abstrato como uma etapa do conhecimento; em segundo lugar, o pensamento científico era o que se entendia por pensamento abstrato; em terceiro lugar, a própria abstração era compreendida dialeticamente aqui, e não na interpretação lógico-formal tradicional. Tudo isso indica a incompatibilidade do sentido da tese de Lênin sobre o caminho dialético do saber com a teoria empírica do pensamento. Ao simplesmente inserir o próprio significado deliberadamente nos termos usados, pode-se usar essa profunda tese dialética como fundamentação para o esquema empírico tradicional de cognição. Como foi mostrado acima, descreve a abstração das propriedades formalmente gerais dos objetos (que dilui o sensório-concreto) sem revelar a natureza específica dos conceitos científicos como reflexos da essência dos objetos.
Há outro elo na tese de Lênin sobre o caminho do conhecimento: a transição para a prática. Sabe-se que incluir a prática como critério de verdade na teoria da cognição foi a reviravolta suprema dessa disciplina. O conceito de prática está longe de ser simples. As figuras clássicas do marxismo-leninismo são entendidas por praticar a atividade humana socialmente produtiva, transformadora, orientada para os objetos e enraizada nos sentidos, e desenvolvendo-se historicamente (resumidamente, esta é a “história da produtividade”). Marx, criticando Ludwig Feuerbach, fez uma observação especial sobre o potencial para simplificar e rebaixar esse conceito (MARX; ENGELS, 1966, p. 1102). Claro, qualquer tentativa de usar esse conceito na teoria do ensino deve ser precedida por uma análise cuidadosa de seu significado epistemológico e uma introdução especial de seus possíveis aspectos psicológicos.
Infelizmente, em muitos trabalhos de psicologia educacional, essa condição não é satisfeita. Frequentemente, a palavra prática implica qualquer situação cotidiana em que um indivíduo deve agir ou aplicar certos conceitos de uma forma ou de outra. Isso é muitas vezes evidente para o elo para entender a rota dialética para conhecer.
Assim, o livro de Bogoyavlenskii e Menchinskaya (1959) primeiro cita a já mencionada tese de Lenin; e então a transição do pensamento abstrato para a prática é interpretada como uma transição do abstrato para o sensório-concreto (para situações concretas, processos de trabalho e afins). Esses autores, por exemplo, escrevem:
[...] A capacidade de raciocinar teoricamente sobre um determinado sistema de operações nem sempre garante a capacidade de executar o mesmo sistema de operações reais – ou seja, a síntese mental é frequentemente violada quando é transferida para o plano das operações práticas (BOGOYAVLENSKII; MENCHINSKAYA, 1959, p. 138).
Além disso, pontuam: “[...] As palavras que eles (os estudantes)(29) usaram na definição de um conceito acabaram sendo termos vazios nessa situação prática, termos não refletidos nas ações dos alunos” (BOGOYAVLENSKII; MENCHINSKAYA, 1959, p. 140). A capacidade de agir em conformidade com “argumentos teóricos”, ou a reflexão dos significados das palavras (definições, conceitos) na execução de operações reais, é aqui interpretada como uma transição completa do “saber abstrato para a prática” (BOGOYAVLENSKII; MENCHINSKAYA, 1959, p. 137). Na verdade, esses fenômenos psicológicos são mantidos inteiramente dentro do esquema da teoria empírica do pensamento, que prevê uma transição do conhecimento verbal para o delineamento de objetos apropriados, para o seguimento de abstrações em situações de objeto.
Notas de rodapé:
(1) N. A.: Whewell (1958, p. 72), criticando a indução baconiana-milliana, aponta o seguinte: “A indução é geralmente discutida como um processo pelo qual estabelecemos uma afirmação geral com base em um certo número de casos particulares, e frequentemente se imagina que a afirmação geral é obtida apenas a partir de uma comparação de casos [...] Mas se observarmos o processo com mais cuidado, entenderemos que isso é incorreto. Fatos individuais não são simplesmente tomados em conjunto [...] Há um certo conceito mental que é introduzido na afirmação geral, que não existe em nenhum dos fatos observáveis”. (retornar ao texto)
(2) N. A.: Os investigadores que adotam as posições da teoria materialista da cognição naturalmente reconhecem a existência objetiva dos objetos como um todo coerente (é outra questão que eles possam se abstrair conscientemente para um determinado propósito das conexões que fornecem unidade real para um objeto). Ao mesmo tempo, na tendência dominante das teorias filosóficas positivistas há uma negação da objetividade da unidade das coisas. Assim, o atomismo lógico de Bertrand Russell “afirma que existem muitas coisas particulares e nega qualquer unidade feita dessas coisas” (KURSANOV, 1965, p. 2581). (retornar ao texto)
(3) N. T.: Embora Davydov cite apenas Engels, a obra que ele mesmo referencia também tem Marx como autor (retornar ao texto)
(4) N. T.: Embora Davydov cite apenas Marx, a obra que ele mesmo referencia tem Engels como coautor. (retornar ao texto)
(5) N. A.: Os proponentes desse esquema frequentemente discutem a necessidade de representar a essência das coisas em um conceito. Essência éfrequentemente interpretada como uma conexão interna em si, sendo um requisito próprio para um conceito. Mas os limites do esquema empírico não podem ser entendidos. Portanto, tal exigência ou é simplesmente declarada ou é entendida por um ligar inconsciente no processo de cognição (também de ensino) de técnicas e meios que ultrapassam os limites das possibilidades do esquema conscientemente adotado, na verdade, abandonando-o. (retornar ao texto)
(6) N. T.: O autor se refere ao fim do século XIX e início do século XX. (retornar ao texto)
(7) N. A.: Analisando o destino histórico deste conceito, Kotarbin’skii (1963, p. 78) escreveu o seguinte: “Nos círculos científicos, entre naturalistas e representantes da filosofia das ciências naturais, a posição positivista foi se firmando aos poucos. Seu lema era tratar de fatos acessíveis à observação e não entrar em vãs conjecturas sobre a inacessibilidade das questões internas do ser [...]”. Como Podemos ver, nos círculos científicos aderindo ao positivismo, tornou-se dominante a posição da qual os economistas populares se orgulhavam. Claramente, Kotarbin’skii (1963, p. 72) também observa que “estamos testemunhando um certo regresso a esse conceito, que há meio século ainda era bastante impopular no meio científico”. (O artigo foi escrito em 1956). (retornar ao texto)
(8) N. A.: Voishvillo (1967, p. 144) observa que Mill descartou completamente a “essência real” e declarou diretamente, “referindo-se à autoridade de Locke, que a essência das classes são os significados de seus nomes”. (retornar ao texto)
(9) N. A.: Aqui e mais adiante, entendemos por sensacionalismo sua forma empírica, lockeana, que chamamos de sensacionalismo clássico ou unilateral para distingui-la da forma em que foi adotada na teoria marxista-leninista da cognição. (retornar ao texto)
(10) N. A.: Discutindo o significado comparativo das diferentes condições para a aplicação da visualidade para o domínio do currículo escolar pelos alunos e para seu desenvolvimento mental, Svadkovskii observou o seguinte: “Todas as vantagens estão do lado da situação natural, do lado da natureza” (BARANOV, 1963, p. 5). (retornar ao texto)
(11) N. A.: A pureza dessa tendência é violada nas séries superiores, em que os alunos recebem conhecimentos que são emprestados de disciplinas científicas. Mas isso se faz, por assim dizer, com autorização prévia, sem uma refração teoricamente ajustada em psicologia e didática. (retornar ao texto)
(12) N. A.: Um livro de BogoyavIenskii e Menchinskaya (1959, p. 96) observa a dependência do domínio de um novo material instrucional, sobretudo da correspondência de seu conteúdo com a experiência do aluno. (retornar ao texto)
(13) N. A.: Há considerações detalhadas sobre isso no Capítulo 7. (retornar ao texto)
(14) N. T.: Não há autor da obra. (retornar ao texto)
(15) N. A.: O matemático e educador francês Lichnerowiez (1960, p. 56) descreveu as características da reconstrução de conceitos matemáticos tendo, aliás, uma relação direta com os métodos de ensino, como segue: “Em virtude da própria generalidade da matemática, a compreensão dos conceitos e teoremas rudimentares está sujeita a uma inevitável e completa revisão. O que era a etapa inicial no caminho das buscas converte-se em um simples exercício de novos pontos de vista”. (retornar ao texto)
(16) N. A.: Nos últimos anos tem havido um trabalho considerável para melhorar significativamente os currículos de ensino em nossas escolas. Mudanças importantes, refletindo certas características do conhecimento científico moderno, foram introduzidas neles. No entanto, em nossa opinião, os métodos básicos de design de currículo permaneceram os mesmos. (retornar ao texto)
(17) N. T.: Embora apenas Engels seja mencionado, a obra é conjunta com Marx, conforme referência logo após a citação. (retornar ao texto)
(18) N. A.: Os fatos sobre a retenção, de forma protogênica, dos conteúdos dos períodos iniciais da formação das ciências, são constatados nas disciplinas escolares modernas, o que por vezes leva a resultados paradoxais. Assim, Vilenkin (1965, p. 19) escreveu, sobre a questão dos problemas de matemática escolar: “Muitos problemas que agora são resolvidos nas séries primárias chegaram até nossos tempos desde a antiguidade. Eles são diferenciados dos problemas resolvidos nas escolas babilônicas apenas na forma externa, não no conteúdo matemático [...]. Um entusiasmo excessivo pela aritmética leva a um conhecimento pobre de matemática”. (retornar ao texto)
(19) N. A.: Lichnerowicz (1960, p. 55) escreveu o seguinte sobre esse assunto: “Precisamos [...] alcançar um tipo de ensino que esteja, desde o início, mais próximo da vida de nossa ciência [...] Não creio que devamos construir o ensino em um plano histórico para atingir esse objetivo”. (retornar ao texto)
(20) N. A.: Uma análise crítica do princípio empírico-pragmático de delinear o conteúdo do ensino elementar tem sido feita, por exemplo, em obras de El’konin (1963; 1966), Zankov (1968), e em trabalhos nossos (DAVYDOV, 1964; 1969). (retornar ao texto)
(21) N. A.: Alguns problemas que surgem nesse processo e as orientações básicas de seu desenvolvimento são analisados no Capítulo 8. (retornar ao texto)
(22) N. A.: Tondl’ (1960, p. 132) corretamente escreveu que “a teoria empírica da abstração procede da proposição de que os atributos dos objetos podem ser comparados entre si. A comparação em geral desempenha um papel importante nessa teoria, embora se trate indubitavelmente de uma operação indefinida e pouco clara”. (retornar ao texto)
(23) N. A.: BogoyavIenskii e Menchinskaya (1959, p. 102) citaram com aprovação a tese de Ushinskii no sentido de que “a comparação é a base para qualquer compreensão e pensamento”. Ao mesmo tempo, eles avançam para a seguinte tese geral: “Assim, a comparação funciona como condição obrigatória para qualquer abstração e qualquer generalização” (BOGOYAVIENSKII; MENCHINSKAYA, 1959, p. 103, grifos nossos). Essa conclusão, que decorre da teoria empírica do pensamento, demonstra a absolutização do papel da comparação na atividade mental. (retornar ao texto)
(24) N. A.: Analisando as limitações internas da teoria lógico-formal da generalização que vem de Locke, Narskii (1960, p. 52) indica especialmente a seguinte circunstância: “Formar o geral pela primeira distinção de atributos idênticos não assegura a revelação dos princípios de desenvolvimento, pois os princípios como tais não são redutíveis ao que é observável na forma sensorial, mas os atributos de uma propriedade puramente externa podem ser idênticos”. (retornar ao texto)
(25) N. A.: Leont’ev (1964, p. 55) considera a possibilidade de exteriorizar determinadas operações, de transmitir a sua execução às máquinas, como índice da formalização dessas operações: “[...] O conteúdo da atividade humana que pode ser formalizado é capaz de ser exteriorizado, de ser ‘esfoliado’ da atividade e ser feito por máquinas”. (retornar ao texto)
(26) N. A.: A questão das funções de um conceito no movimento de pensamento baseado em conteúdo é tratada em um artigo especial nosso (Davydov, 1960) (veja também a análise desse problema feita por Shvyrev [1966, p. 127-132], etc.). (retornar ao texto)
(27) N. A.: Aqui, Hegel não tinha em mente qualquer abstração, mas aquela que interessava à lógica formal tradicional (abstração racional). Assim ele descrevia o geral que subjaz tal abstração: “O geral é uma definição estéril; todos conhecem o geral, mas não o conhecem como essência” (citado por LENIN (s.d., p. 2411). (retornar ao texto)
(28) N. A.: A descrição de Hegel desse tipo de abstração é interessante até este ponto; nossa citação dela vem de um excerto da obra de Lenin de Cadernos Filosóficos: “A abstração considera que [...] o sentido de que um determinado atributo é retirado do concreto apenas para nosso uso subjetivo, de modo que, mesmo com a omissão de tantas outras qualidades e propriedades do objeto, nada perde de seu valor ou de seu mérito; [...] e de acordo com essa visão, apenas a enfermidade da razão leva à impossibilidade de absorver todas essas riquezas e ter que se contentar com a abstração estéril” (conforme citado por Lenin [s.d., p. 151-1521]). (retornar ao texto)
(29) Inserção de Davydov. (retornar ao texto)