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Primeira Edição: Artigo apresentado no seminário sobre “O controle político no Cone Sul da América Latina”. México, dezembro de 1976. Primeira edição com o título de “Fascismo e economia na América Latina” na revista Controversia. Guadalajara, Ano I, nº 2, fevereiro-abril de 1977.
Fonte: LavraPalavra - https://lavrapalavra.com/2020/04/30/a-politica-economica-do-fascismo/
Tradução: Fernando Savella - Centro de Pensamento Crítico - http://www.cecies.org/imagenes/edicion_477.pdf
HTML: Fernando Araújo.
A forma de controle político atualmente vigente no cone sul da América Latina não é mais do que uma modalidade específica da ditadura terrorista que o capital monopolista estabelece em determinadas circunstâncias históricas. Se trata, portanto, de uma forma de dominação fascista, adaptada à necessidade imperialista de assumir o controle amplo dos países dependentes, com a finalidade de lhes extrair a maior quantidade possível de excedente econômico. Isto se dá através de uma série de mecanismos que, em conjunto, configuram a política econômica do fascismo, cujas linhas mais gerais tentarei esboçar. Antes de fazê-lo, só quero advertir que nenhum dos processos aos quais irei me referir é alheio ao desenvolvimento global do capitalismo, sobretudo no caso da exacerbação de tendências que se manifestam por todos os lados, mas que nos países fascistizados se realizam plena e brutalmente, por conta do próprio sistema de dominação ali vigente. É então uma questão de magnitude, ou seja, de acentuação quantitativa da transformação produzida na forma da ditadura da burguesia. Analisarei sumariamente seis pontos que são: desnacionalização da economia; desmantelamento do setor capitalista (não monopolista) de Estado; pauperização absoluta da classe trabalhadora; cancelamento do Estado “benfeitor”; centralização do capital e transformação pró monopólica do campo.
Na década passada, o caso mais notável de desnacionalização de uma economia latino-americana foi sem dúvida o do Brasil, que não por coincidência foi também o primeiro experimento político de índole propriamente fascistizante. Em 1972, os consórcios transnacionais controlavam 72,3% do capital, mais reservas, das dez empresas mais importantes do setor de produção de bens de capital, 78,3% no setor de bens de consumo não-duráveis e 53,4% no de bens de consumo duráveis(1). É necessário precisar que neste caso trata-se de uma desnacionalização no sentido mais estrito do termo, já que, como é reconhecido em um informe apresentado no Congresso dos Estados Unidos, “um terço das transnacionais entraram no mercado brasileiro por meio da aquisição (de empresas já instaladas) e a tomada de empresas crioulas se tornou o modelo de seu ingresso ou expansão”(2).
Cabe destacar, além disso, que o capital imperialista se instalou nos setores de maior rentabilidade da economia brasileira, como prova o seguinte dado: se tomamos como medida o patrimônio líquido, vemos que 28 das 100 maiores empresas do Brasil eram estrangeiras em 1972; mas se tomamos como medida o lucro líquido, não são mais apenas 28, mas 38 empresas estrangeiras entre as 100 mais importantes do país no mesmo ano(3).
As taxas de lucro obtidas pelo capital norte-americano no Brasil demonstram, assim, a clara vantagem “comparativa” do fascismo para os monopólios estrangeiros. Em 1971, por exemplo, esse capital obteve uma taxa de 14,3% no Brasil, contra 12,3% na Colômbia; 13,4% na Venezuela, 11,9% no Peru, 8% no México e 6,6% na Argentina; em 1972 sua taxa de lucro se elevou a 18,1% no Brasil enquanto na Colômbia foi de apenas 12,5%, na Venezuela de 14,5%, no Peru de 12,1%, no México de 11,9% e na Argentina de 4,7%.(4)
Não possuímos valores globais que permitam avaliar as taxas de lucro posteriores a 1972, mas tudo parece indicar que estão longe de ter caído. Pelo contrário, temos dados que nos permitem supor um grande incremento, inclusive mediante atividades puramente especulativas como a do chamado open market. A própria revista Visión informa que no Brasil: “os lucros no mercado aberto são igualmente fantásticas. Já em 1973 a Ford mostrava em seu balanço uma parte de utilidades não operacionais, ou seja, de aplicações financeiras, e desses 40%, a maior parte provinha sem dúvida do mercado aberto. A Fiat, assim como a Ford, ganhou dinheiro inclusive antes de produzir o primeiro automóvel no país”(5).
Contudo, o que interessa destacar é que este modelo de desnacionalização que se estabeleceu há pouco mais de uma década no Brasil é o que serve de exemplo para os regimes fascistas posteriormente estabelecidos no Chile, Uruguai e Argentina. É inútil reproduzir aqui os dados que temos a respeito graças a estudos como o de Pedro Vuskovic em Chile, balanço trágico de três anos de ditadura fascista(6), o da Convenção Nacional de Trabalhadores sobre A atual situação econômica do Uruguai(7), ou – parcialmente – as próprias declarações do ministro Martínez de Hoz para a Argentina. Neste último caso, chegou-se inclusive a formular a tese de que é fundamental substituir o velho “nacionalismo de meios” por um “nacionalismo de fins”, que constituiria em entregar o país inteiro ao capital imperialista para que se encarregue de desenvolvê-lo(8).
Há, além disso, uma nova tendência no processo de desnacionalização sobre a qual cabe a nós concentrar a atenção: me refiro ao desmantelamento do velho capitalismo monopolista de Estado em sentido estrito.
Em termos empíricos, o fato da desestatização de economias como a chilena, argentina ou uruguaia não dá lugar a dúvidas; qualquer um pode comprová-lo apenas seguindo atentamente às notícias que aparecem diariamente na imprensa. Tampouco é possível duvidar de que este processo de desestatização seja virtualmente sinônimo de uma desnacionalização; a maior parte das empresas acabam caindo nas mãos do capital monopolista transnacional que desse modo assume um controle crescente de todos os setores chave da economia latino-americana.
Em termos teóricos, isso significa o cancelamento da tendência relativamente autonomista manifesta pelas burguesias locais na fase anterior, tendência que foi cristalizada na conformação de um setor capitalista de Estado de orientação em grande medida anti-monopolista. Como se aponta no livro Capitalismo monopolista de Estado, este movimento autonomista consistiu “em se apoiar sobre o movimento anti-imperialista das massas, em utilizar esse movimento popular para ‘negociar’ as melhores condições de retribuição no quadro do imperialismo, por exemplo, organizando o capitalismo de Estado (que não deve ser confundido com o capitalismo monopolista de Estado) em seu benefício e montando negócios no quadro do capital misto”(9).
É esta expressão histórica peculiar de uma fase de desenvolvimento de países dependentes que está sendo desmantelada nas áreas fascistizadas da América Latina, junto dos setores de propriedade social criados com sentido muito mais avançado, como é o caso do que foi construído durante o governo da Unidade Popular chilena.
No caso brasileiro, a questão é certamente mais complexa. Tanto o fato de que seu “milagre” tenha se dado antes do capitalismo mundial entrar em franca crise como a circunstância de que esse país havia adquirido o estatuto de “aliado privilegiado”, permitiram que não ocorresse um processo de desmantelamento brutal do setor da economia estatal conformado no período pré-fascista. Mas há uma evidente reorganização de tal setor, agora convertido em um simples suporte do capital transnacional. Tal como explicou o embaixador brasileiro em Washington, João Baptista Pinheiro, “o papel pioneiro do governo” consiste em manter em seu controle “as indústrias que produzem baixo rendimento”(10).
Seja por meio do desmantelamento do antigo capitalismo de Estado, seja por meio de sua reconversão, o fato é que o fascismo contribui para a rápida e plena instauração de um real capitalismo monopolista de Estado ao fundir – como dizia Lenin – em um só mecanismo a força gigantesca do capital monopolista com a força gigantesca do Estado a seu serviço. O que produz, naturalmente, consequência muito específicas nos países subdesenvolvidos.
3- Pauperização absoluta da classe trabalhadora
A desnacionalização das economias latino-americanas não é um fim em si, mas um meio para a extração de super lucros, obtidos às custas de uma pauperização absoluta da classe trabalhadora. Nas áreas fascistizadas este processo chega a limites inimagináveis, como provam as mais diversas fontes de informação.
A respeito do Brasil, a revista Visión, insuspeita de esquerdismo, afirma o seguinte em sua edição de 1 de agosto de 1976:
“O que não é reversível a curto prazo, sem comprometer o crescimento, é a profunda injustiça da distribuição de renda interna. Por efeitos do mesmo modelo, 20% da população, a que integra os estratos superiores de renda, recebe 68,5%, enquanto os estratos médios recebem apenas 28,5%. Os grupos mais baixos dispõem apenas de 3& de seu poder aquisitivo a partir de 1963. Segundo a Organização Mundial da Saúde, mais de 50 milhões de brasileiros (algo pouco abaixo da metade de sua população) estão desnutridos ou subnutridos, e cerca de 48% das mortes infantis são causadas por déficit alimentar”(11).
A isso, cabe adicionar um breve comentário: se a pauperização absoluta dos trabalhadores brasileiros foi de 37% no período indicado, é fácil calcular a magnitude de seu empobrecimento relativo, infinitamente maior dado que durante tal período a economia do Brasil cresceu num ritmo bastante acelerado. Entre 1961 e 1973, por exemplo, o salário mínimo real diminuiu em 55%, ao mesmo tempo em que o produto bruto real per capita aumentou em 58%(12).
“Um executivo dos melhores remunerados recebe 44 dólares por hora, ou seja, tanto quanto um trabalhador das regiões menos desenvolvidas ganha por 25 jornadas de oito horas de trabalho. Segundo o levantamento da Hay do Brasil Consultores, os gerentes das grandes firmas recebem no mesmo período 55.000 dólares”(13).
Quanto a situação dos trabalhadores argentinos, também não é difícil abordá-la com base nos dados da própria revista Visión. Esta comenta que:
“Martínez de Hoz sustenta uma enérgica política anti-inflacionária baseada na imposição de sacrifícios à população. A cota dos assalariados neste esforço foi muito grande. Se calcula que, apesar dos moderados reajustes gerais de salários aplicados no curso dos últimos seis meses, a renda real dos trabalhadores caiu mais de 43%”(14).
Essa situação afeta inclusive trabalhadores qualificados, que sob a dominação fascista estão entre os pior remunerados do mundo:
“Com um salário bruto anual que oscila entre os 1.400 e os 4.000 dólares anuais, os trabalhadores qualificados da Argentina se encontrar entre os mais mal pagos do mundo, segundo um informe da União dos Bancos Suíços. O estudo da entidade bancária suíça, que foi publicado nos diários da Argentina, assegura que sua remuneração é somente similar à dos trabalhadores especializados de Manila, Bogotá, Cingapura, Lisboa, Rio de Janeiro e Teerã. No que se refere à Argentina, a estatística tem um caráter conjuntural, já que neste país o nível tradicional das remunerações foi alto”(15).
Para o Uruguai, o estudo realizado pela Convenção Nacional de Trabalhadores aponta que o salário real de 1975 representou 48,5% do de 1968, dado que pode ser atualizado adicionando que no primeiro semestre de 1976, tal salário sofreu uma diminuição adicional de 8%(16).
No Chile, com o governo da Unidade Popular, empregados e trabalhadores recebiam 62,9% da renda nacional total e os setores proprietários apenas 37,1%, em 1972; dois anos mais tarde, o regime de Pinochet já havia revertido completamente a situação: 61,8% para os setores proprietários, 38,2% para empregados e trabalhadores(17). Pode estimar-se que atualmente o poder aquisitivo real dos trabalhadores chilenos representa menos da metade do que foi em janeiro de 1973.
É possível afirmar, então, sem grande risco de erro, que os processos de pauperização como os do cone sul só têm paralelo com os ocorridos na fase de acumulação primitiva do capital. Em sua etapa de declínio, o capitalismo volta a cometer depredações similares às de sua etapa de gestação, em um desesperado esforço de compensação, às custas de nossos povos, da queda da taxa de lucro à nível mundial. Com efeito, as utilidades das corporações transnacionais, em especial nos Estados Unidos, por exemplo, declinaram em 6% entre o primeiro semestre de 1973 e o segundo trimestre de 1976, que pese a alta passageira no segundo semestre de 1975(18).
Se torna evidente, assim, que um processo de pauperização das massas como o apontado só pode ser levado à cabo com o apoio de formas brutais de coação extra-econômica, que cabe precisamente ao fascismo aplicar. Portanto, este não é outra coisa que o correlato política da exploração imperialista leva ao seu máximo rigor.
Países como Uruguai, Chile e Argentina poderiam se gabar até pouco tempo de registrar os níveis educativos mais altos da América Latina e possuir um sistema de assistência social que em muitos aspectos não ficava atrás dos países mais avançados do mundo capitalista. O próprio Estado aparecia ali como uma instância de dominação atenuada, que de alguma maneira havia incorporado em seu ser a necessidade de se legitimar gestando certos níveis de bem-estar através da ampliação da educação, a atenção à saúde, a construção de habitação popular, etc. A prestação desse tipo de serviços era, por outro lado, uma fonte geradora de ocupação e, para as camadas médias em particular, um mecanismo relativamente idôneo de redistribuição da renda nacional. A tão referida “mobilidade social” que se deriva disso era apontada frequentemente como um dos eixos característicos de uma configuração democrática, em contraste com a rígida estratificação da sociedade oligárquica.
O fascismo encarregou-se de destruir totalmente esse esquema, levantando sobre suas ruínas a estrutura de um Estado tipicamente militar. Já a análise do orçamento argentino revela de maneira inequívoca esta situação. Em 1976, tal orçamento dedica 22% de seus recursos ao setor de “defesa e segurança”, que assim toma a posição de maior importância. O segue a parte destinada ao pagamento da dívida pública que por si só absorve 19,4% do orçamento, com o qual totaliza 41,4% do gasto total.
Em contraste com o inchaço dessas áreas voltadas ao incremento da repressão e do pagamento da conta da dependência, está o raquitismo das áreas correspondentes aos gastos denominados sociais. As áreas dedicadas à cultura e à educação representam apenas 7,1% do orçamento, magnitude duas e meia vezes menor que a registrada em 1974 e três e meia vezes menor do mínimo de 25% recomendado pela UNESCO para que nossos países se desenvolvam nesse aspecto. Esses 7,1% estabelecem, na verdade, um verdadeiro marco na história argentina contemporânea, já que os investimentos nessa área nunca foram inferiores, até então, a 10% do orçamento global. Quanto à área de bem-estar social, diminuiu dos 12,5% em 1975 para 9,8% em 1976, prejudicando os programas de habitação e seguridade social (aposentadorias e pensões), que não parecem constituir a preocupação principal dos regimes fascistas(19).
No Uruguai, cerca de metade do orçamento é dedicado à manutenção do aparato repressivo, que até 1967 consumia unicamente 8,6%; as áreas dedicadas ao ensino foram reduzidas dos 27% de 1967 a 18% em 1974 e a uma parte ainda menor, seguramente, nos dias de hoje(20). No Chile, a porcentagem do orçamento voltada à educação foi de apenas 6,9 em 1976(21).
Essa política de supressão dos “gastos improdutivos”, como convencionaram chamar os defensores do capital monopolista, afeta, naturalmente, o conjunto da população que não pode substituir os serviços sociais que os Estado lhes dirigia por serviços de caráter privado. No Chile, o próprio jornal El Mercurio reconheceu que “nenhum assalariado está neste momento em condição de financiar uma consulta médica”, em circunstâncias em que a política do choque econômico idealizada pelo ministro da fazenda da junta militar, Jorge Cauas, reduziu a zero o orçamento do serviço de seguro social e o serviço nacional dos empregados, trabalhadores e profissionais, que dispunham ali de assistência médica e remédios gratuitos(22).
Além disso, essa política significou a demissão de centenas de milhares de trabalhadores do setor público, com o consequente impacto massivo nas casas da chamada classe média. A antiga “mobilidade ascendente” se converteu assim em movimento para a demissão e “austeridade”, com o qual as camadas mais velhas da América Latina estão contribuindo à acumulação imperialista em escala mundial. No dia 20 de dezembro de 1976, o jornal Clarín de Buenos Aires, por exemplo, anunciava que nos próximos meses o governo militar despediria 300 mil de seus empregados por decisão do Ministério da Economia; oito dias mais tarde, Tucapel Jiménez, presidente da Associação Nacional de Empregados Fiscais do Chile, afirmava que os funcionários do Estado “fizeram o maior sacrifício pela recuperação econômica” e solicitava ao governo de Pinochet o fim “desta etapa de angústia e sacrifícios”. Terminava dizendo: “É impossível para um trabalhador mandar seu filho à universidade. A matrícula subiu mais de quatro mil pesos (aproximadamente 300 dólares). Quem poderá em nosso setor pagá-la? Se nossa classe média não pode fazê-lo, nos perguntamos: poderão fazê-lo as pessoas de um nível econômico mais baixo?”(23).
Se, ao instalar-se com uma elevada composição orgânica, o capital monopolista adiciona à pauperização uma maior desocupação laboral, ao exigir uma política complementar de todo “gasto improdutivo” por parte do Estado, determina a extensão desses fenômenos a um âmbito que vai bem além dos setores propriamente proletários, pauperizando e condenando à desocupação as camadas médias.
5- Centralização de capital: efeito sobre os setores pequeno-burgueses e burgueses não monopolistas
A desnacionalização das economias latino-americanas e sua ocupação pelo capital imperialista supõem, naturalmente, um forte processo de centralização do capital, facilitado por dois fatos: a depressão pela qual atravessam economias como a chilena, a uruguaia e a argentina (e a brasileira em menor medida), e a política absolutamente “liberal” aplicada pelos discípulos de Friedman. Sobre este último, não podemos esquecer que a política econômica do fascismo está explicitamente voltada para desencadear um processo de “seleção natural” em que sobrevivem só os estratos empresariais “internacionalmente competitivos”, ou seja, a reduzida franja burguesa local que consegue integrar a esfera monopolista.
Não dispomos de dados suficientes para avaliar com precisão os efeitos da centralização do capital no cone sul, mas através de algumas notícias da imprensa mexicana é possível ter uma ideia da medida em que ela afetou a pequena e média burguesia chilena, por exemplo. Assim, sabemos que em 1975 mais de 200 empresas não monopolistas quebraram, e mais 45 nos primeiros meses de 1976(24); em setembro desse ano, o presidente da Confederação de Média e Pequena Indústria e Artesanato se queixava das taxas de juros aplicadas pela CORFO e concluía:
“Esta situação é muito grave por existirem empresários que estão dispostos a devolver as máquinas e equipamentos adquiridos, uma vez que 70% de seu valor foi perdido por não poder fazer frente às altas taxas…”(25).
Em novembro, o presidente da Federação de Trabalhadores do Comércio e Indústria apontava o fechamento de importantes casas comerciais de Santiago, como “A la Ville de Nice”, “John York”, “Peñalba” e “Casa García”, e adiciona: “sem falar das casas médias e pequenas que fecharam”(26). Efetivamente, basta tomar em conta a elevada taxa de desocupação dos “trabalhadores autônomos” para comprovar a quebra de milhares de pequenos comerciantes e artesãos.
Por fim, é significativo recordar que o próprio L. Villarín, presidente da Confederação de Donos de Caminhões, a famosa agremiação anti-allendista, não deixou de queixar-se ultimamente da “aflitiva situação econômica” pela qual atravessam seus representados. Segundo suas palavras, “quase não temos mais portas para bater em busca de ajuda”(27).
Se em algum lugar os setores da pequena e média burguesia desempenharam o papel de aprendizes de bruxo, esse lugar é sem dúvida o Chile. Situado numa perspectiva de desenvolvimento nacional autônomo, o governo da Unidade Popular poderia realmente ajudar esses setores; cem por cento ligado ao capital imperialista, o regime de Pinochet não pode fazer nada mais do que criar as condições de sua aniquilação progressiva.
Os assalariados do campo, ou seja, o proletariado rural propriamente dito, está naturalmente sujeito ao mesmo processo de pauperização da classe trabalhadora em seu conjunto. Mas o fascismo adquire uma significação especial para os camponeses parcelários, na medida em que implica um inexorável retour en arriere naquelas situações em que havia antecedentes de uma verdadeira reforma agrária. No Chile, até o dia 31 de outubro de 1975, o regime de Pinochet já havia devolvido cerca de 2 e meio milhões de hectares aos latifundiários(28), ao mesmo tempo em que a “livre concorrência” se encarregava do resto.
Um periódico de Santiago, por exemplo, informa que:
“Numerosos camponeses venderam suas pequenas propriedades a particulares, por não possuírem meios econômicos para explorá-las, ajuda técnica e créditos caros que lhes são oferecidos. Essa realidade originou um retorno paulatino ao latifúndio.”(29)
Este retour en arriere, que o é na medida em que cancela a via democrática de desenvolvimento rural, não implica, no entanto, uma suspensão do desenvolvimento do capitalismo agrário. Isso quer dizer, puramente, que são criadas as condições necessárias para que esse capitalismo avance, aqui também, sob a égide do capital monopolista.
O exemplo do Brasil não deixa dúvidas a esse respeito. “Foi informado – escreve o investigador Ernst Feder – com base em um levantamento parlamentar realizado no Brasil, que depois do golpe militar de 1964, os investidores norte-americanos compraram de 32 a 35 milhões de terra agrícola em 7 ou 8 estados agrícolas do Brasil; a superfície média de tais aquisições é de 400 mil hectares. Isso implica que cerca de 10% do total da terra agrícola do Brasil é possuído e controlado diretamente por estrangeiros, e esse controle tem obviamente consequências econômicas e políticas de largo alcance que não precisamos sublinhar aqui”(30).
Outro estudioso dos problemas agrários, Alberto Passos Guimarães, demonstra com apoio de uma infinidade de dados como o desenvolvimento do campo brasileiro está completamente subordinado aos requerimentos dos complexos agroindustriais de propriedade transnacional. Frente ao auge destes e aos superlucros, existem produtores com propriedades maiores de 300 hectares que recebem uma renda anual equivalente à metade do que corresponderia ao salário mínimo regional.”O novo aspecto que emerge dessas investigações – conclui Guimarães – é o de que a pobreza rural deixou de ser uma peculiaridade exclusiva das massas camponesas e assalariadas, uma vez que alcança uma parcela importante de agricultores empresários que não são pequenos”.(31)
No campo também o fascismo sabe impor, impecavelmente, um certo modelo de desenvolvimento.
Notas de rodapé:
(1) Cf. Álvaro Briones. “El neofascismo en América Latina”, rev. Problemas del desarollo, ano VI, nº 23, México, agosto-outubro de 1975, pp. 36-37. (retornar ao texto)
(2) El día, México, 24 de outubro de 1975. (retornar ao texto)
(3) Estudos Cebrap, nº 8, São Paulo, 1975. (retornar ao texto)
(4) Cf. Paul Singer. “A economia brasileira depois de 1964”, rev. Debate & Crítica, nº 4. São Paulo, novembro de 1974, p. 8. (retornar ao texto)
(5) Visión. Vol. 47, nº 10. 1 de novembro, 1976, p. 36. (retornar ao texto)
(6) El día, México, 10 e 11 de setembro, 1976. (retornar ao texto)
(7) Em Rev. Crisis, nº 29, Buenos Aires. (retornar ao texto)
(8) Cf., por exemplo, o artigo “Revisión de una política”, Visión. Vol. 47, nº5, 15 de agosto, 1976. (retornar ao texto)
(9) Vários autores. Ediciones de cultura popular, t. 2; México, 1972, p. 160. (retornar ao texto)
(10) Cf. “Campaña brasileña en E.U. para captar inversiones”. Cable de AP. El sol de México, 20 de outubro, 1976. (retornar ao texto)
(11) Visón. Vol. 47, nº 4, p. 13. (retornar ao texto)
(12) Cf. R. Schilling. “El salario de los obreros en Brasil desciende con el correr de los años”. Análises de PL. El día, México, 17 de maio, 1976. (retornar ao texto)
(13) Cf. R. Schilling. “El modelo de crecimiento brasileño ha propiciado una desproporción de 1 a 200 en el sistema salarial”. Excélsior, México, 11 de fevereiro, 1977. (retornar ao texto)
(14) Visión. Vol. 47, nº 9, 15 de outubro, 1976, p. 16. (retornar ao texto)
(15) El día, México, 21 de dezembro, 1976. (retornar ao texto)
(16) Informe já citado da CNT e periódico da Prensa Latina. El día, México, 21 de dezembro, 1976. (retornar ao texto)
(17) Cf. Orlando Letelier. “El impresionante precio de la libertad económica”. La cultura en México, suplemento da rev. Siempre, México, 23 de novembro, 1976. (retornar ao texto)
(18) Dados tomados de John O’Riley, The Wall Street Journal. El sol de México, 1 de dezembro, 1976. (retornar ao texto)
(19) Baseados em dados de IPS. Excélsior, México, 6 de novembro, 1976. (retornar ao texto)
(20) Excélsior, México, 21 de maio, 1976. (retornar ao texto)
(21) Cf. “El presupuesto fiscal chileno para 1977, el más bajo de la década”. Excélsior, México, 18 de dezembro, 1976. (retornar ao texto)
(22) El día, México, 29 de dezembro, 1975. (retornar ao texto)
(23) Cf. “Empleados chilenos nuy prejudicados”. Excélsior, México, 29 de dezembro, 1976. (retornar ao texto)
(24) Excélsior, México, 19 de outubro, 1976. (retornar ao texto)
(25) Excélsior, México, 29 de setembro, 1976. (retornar ao texto)
(26) Excélsior, México, 5 de novembro, 1976. (retornar ao texto)
(27) Cf. “Alivio a su aflictiva situación piden los camioneros chilenos que colaboraron a derrocar a Salvador Allende”. Excélsior, México, 4 de maio, 1977. (retornar ao texto)
(28) Cf. Casa de Chile: Resumen estadístico de la coyuntura económica chilena. México, agosto, 1976. (retornar ao texto)
(29) Excélsior, México, 27 de novembro de 1976. (retornar ao texto)
(30) “La nueva penetración en la agricultura de los países subdesarrollados por los países industriales y sus empresas multinacionales”. El día, México, 25 e 26 de fevereiro, 1977. (retornar ao texto)
(31) “O complexo agroindustrial no Brasil”. Opinião. Semanário brasileiro. Le Monde, 5 de novembro, 1976. (retornar ao texto)