Metapolítica

José Chasin


Primeira Edição: Fragmento retirado do texto “Ad Hominem: Rota e Prospectiva de um Projeto Marxista”, de J. Chasin. In Ensaios Ad Hominem — Revista de Filosofia, Política e Ciência da História — Tomo I Marxismo. São Paulo, Estudos e Edições Ad Hominem, 1999. O texto constitui indicativos que seriam desenvolvidos pelo autor, mas veio a falecer em 28 de dezembro de 1998, deixando assim, o seu trabalho incompleto.

Fonte: http://files.gocufg.webnode.com/200000007-f139bf2322/formas%20sociais%20do%20capital%20-%20globalização%20e%20crise.pdf

Transcrição e HTML: Fernando Araújo.


Vivemos hoje o mundo da revolução perdida e repudiada, não a perda (negação) do que se passou no leste europeu — mundo da impossibilidade e da perversão da ótica revolucionária — mas o mundo perdido da necessidade e possibilidade da transformação.

Já passou de há muito o tempo em que um Victor Hugo podia imaginar que

“entravai um rio e tereis a inundação; barrai o futuro e tereis revoluções”.

Com o atual desenvolvimento capitalista, os 150 anos de derrotas da perspectiva do trabalho que culminaram com a perversidade da tentativa do leste europeu — e a destituição do homem — a frase de V. Hugo tornou-se pueril.

Para manter a alternativa socialista com sentido é preciso radicalizar, aprofundar até às raízes o conhecimento da realidade e das possibilidades que ela contém — compreender que a luta é contra a propriedade dos meios de produção e contra o estado, e não pela estatização da economia e a perfectibilização do estado e do regime democrático.

Há que ter confiança e otimismo, mas com idéias claras e não utópicas ainda que apenas genéricas, sem se deixar desesperar diante da estupidez humana, historicamente compreendida (Ver Voltaire, in Ferrater Mora, Dicionário de Filosofia, Ed. Sudamericana, Buenos Aires, 1971, p. 918/V.II).

A questão, hoje, não se esgota no reconhecimento de que a revolução não está na linha do horizonte prático, nem que o capital, refulgente, consolidou a prorrogação de sua utilidade histórica, mas indagar, diante da miséria material, que se amplia, e da miséria espiritual já universalizada (já contando inclusive com o discurso justificatório da desrazão contemporânea), se pode ser eterno o conformismo diante do mal-estar da humanidade, do mal-estar indisfarçável de cada individualidade, do apodrecimento radical de toda individualidade, pois no processo da individuação capitalista são indissociáveis o enriquecimento e o apodrecimento da individualidade, pois sem o apodrecimento ela não subsiste no quadro vigente. A crítica é a luta contra o apodrecimento e não pode se limitar à suposta “crítica radical”, que só leva à desolação. Só pode ser entendida como crítica radical aquela que se autotranscende, que vai paa além dela, que por seu valor se confirma na prática.

Prática radical é metapolítica pois alcança a raiz da política.

A prática radical principia pela crítica radical a toda prática desenvolvida nos últimos 150 anos. E como a radicalidade, a raiz do homem, é o próprio homem, a crítica radical tem de partir da crítica à individualidade atual, para chegar à crítica revolucionária que revoluciona os próprios indivíduos.

É preciso necessariamente afirmar a metapolítica como prática radical — única radicalmente com sentido na atualidade, mesmo porque só ela permite articular uma prática política defensiva (na transição para a transição para a globalização), e abrir as portas para o enunciado da revolução social.

Em lugar do oposicionismo politicista atual — pautado no estatismo econômico, na perfectibilização do estado e a espera da explosão dos sem-trabalho — ascender ao status de oposição proponente que, reconhecendo e criticando as leis do desenvolvimento do capital, por isso mesmo, na ordem presente do capital globalizado e sob o impacto contraditório dos novos índices de produtividade proporcionados pelo desenvolvimento de ponta das forças produtivas, aponta na direção da propriedade e produção [sociais].

Práticas defensivas não se confundem com oposicionismo politicista, pois as políticas defensivas podem estar inseridas na articulação global das práticas, guiadas pela boa teoria e a metapolítica. Assim, por exemplo, luta pelo emprego, defesa salarial e condições de trabalho estariam informadas por aquelas e não seriam confundidas com o DISTRIBUTIVISMO, tal como há anos vem ocorrendo.

Crítica radical é a crítica da política: no caso brasileiro engloba o governo, para além deste poder político constituído, bem como as próprias oposições. Só isso é radical. Não a indiferença cética, mas tomada de posição contra a política, o desenvolvimento da metapolítica, que evita a ilusão, socialmente desmobilizante, e a corrupção imediata incontornável na prática política tal qual é e não pode se mudada. Onde o estado pudesse ser perfeito ele seria inútil e enquanto tal um peso, um ônus, um desperdício pernicioso.

À época de Marx, a superação da Economia Política foi a condição de possibilidade do pensamento científico, o acesso para o exame de rigor da sociabilidade.

Hoje, para o mesmo fim, é necessário renovar a superação da política, que Marx efetuara na transição ao seu pensamento original (1843/1844). A superação da política é a condição necessária da reposição do imperativo da revolução social.

Rejeição de todos os partidos e equivalentes(1) porque se assume uma posição radical pela perspectiva do trabalho, radicalidade que obriga inclusive a reconhecer e compreender o debilitamento estrutural do proletariado fabril ou tradicional.

Será necessário explicar muito bem essa questão, porque é necessário não deixar que se confunda metapolítica com desmobilização, recusa à participação política ou até mesmo à adesão partidária. Negação da participação que os cabotinos alardeiam para legitimar seu comprazimento em “usar e ser usado” pelos grupos de conveniência auto-proclamados de esquerda.

A política não é um atributo necessário do ser social, mas contingente no seu processo de auto-entificação.

A prioridade nas formações sociais é, pois,

“um sistema de laços materiais entre os homens, determinado pelas necessidades e o modo de produção /.../ mesmo sem que exista ainda qualquer absurdo político ou religioso que contribua também para unir os homens” (A Ideologia Alemã, PleiadeIII, p. 1.061).

O modo de cooperação ou estado social — o modo de cooperação é ele mesmo uma “força produtiva” (Idem, p. 1.060). O conjunto das forças produtivas acessíveis ao homem determina o estado social (Idem).

O “modo de cooperação” compõe a base insuprimível das formas de sociabilidade — matriz da totalidade da exist6encia social.

Não há política radical, pois todo ato político é um meio, que não possui finalidade intrínseca, mas é o instrumento de um conteúdo, ou seja, de um objetivo externo a ele. Exceção inclusive a sua auto-dissolução, isto é, só é radical o ato metapolítico. Donde, a radicalidade é a identidade da metapolítica.

Metapolítica como natureza de uma forma de atuação política que visa a superar, revolucionariamente, a política e a base social que a engendra. Neste sentido radical como raiz, e a raiz do homem é o homem.

“A classe laboriosa substituirá, no curso de seu desenvolvimento, a antiga sociedade civil por uma associação que excluirá as classes e seu antagonismo e não haverá mais poder político propriamente dito, já que o poder político é o resumo oficial do antagonismo na sociedade civil” (Marx, A Miséria da Filosofia, p. 160).

A prática radical não pode ser uma simples política de oposição — este é o simples jogo institucional democrático levado à perfeição (situação x oposição), que subentende alternância de poder sob o mesmo sistema material de exist6encia. Isso é o limite não desprezível da democracia, a liberdade limitada da vida limitada do capital, mas não a prática radical, que visa e se identifica pela república social do trabalho — mais importante hoje do que em qualquer momento do passado — pode estabelecer tais diretrizes — e só o trabalho oferece a estrutura estratégica para todos os movimentos particulares na defesa com sucesso de seus alvos específicos. (Ver Mészáros, O Poder da Ideologia)

Isso é esquerda. E não existe atualmente.


Notas de rodapé:

(1) Evidentemente, como se pode notar pelas passagens subseqüentes, esta afirmação se refere às condições atuais de específica depleção no espectro partidário. (retornar ao texto)

Inclusão: 24/03/2020