A História do Trotskismo Norte-Americano
J. P. Cannon

Conferência V
Os Dias de Cão da Oposição de Esquerda


Nossa última conferência nos levou até a primeira Conferência Nacional da Oposição de Esquerda, em maio de 1929. Havíamos sobrevivido as dificuldades dos primeiros seis meses de nossa luta, conservado nossas forças em uma organização nacional, assentado uma direção eleita e definido mais precisamente nosso programa. Nossos quadros eram firmes, determinados. Eram pobres em recursos e muito poucos em número, porém, estávamos seguros que havíamos colocado as mãos sobre a verdade, e que finalmente triunfaríamos. Voltamos à Nova Iorque para começar o segundo passo da luta pela regeneração do comunismo norte-americano.

O destino de todo o grupo político — se vai servir ou degenerar e morrer — se decide em suas primeiras experiências pelo modo a que responde a duas questões decisivas.

A primeira é a adoção de um programa político correto. Contudo, isso só não garante a vitória. A segunda é que o grupo decida corretamente qual será a natureza de suas atividades, e que tarefas se deverá fixar, dado o tamanho e a capacidade do grupo, o período do desenvolvimento da luta de classes, a relação de forças no movimento político, etc.

Se o programa de um grupo político, especialmente de um pequeno, é falso, nada pode salvá-lo. É impossível blefar no movimento político como na guerra, a única diferença é que em tempos de guerra as coisas são levadas a um ponto em que cada debilidade é exposta quase imediatamente, como é demonstrado numa cena atrás da outra na guerra imperialista atual. Esta lei opera-se igualmente cruel na luta política. Os alardeios não fazem as coisas andarem. Aos píncaros! decidem alguns por um tempo, porém as principais vítimas da decepção, ao cabo, são os próprios alardeadores. Deve-se ter o que é correto. Quer dizer, se deve ter um programa correto para sobreviver e servir a causa dos trabalhadores.

Um exemplo do resultado fatal de uma atitude leviana para com o programa é o notório grupo de Lovestone. Alguns de vocês que são novos no movimento revolucionário podem não haver ouvido nunca de sua fração, que um dia jogou um papel proeminente, mesmo que tenha desaparecido completamente de cena. Porém, naqueles dias as pessoas que constituiam o grupo de Lovestone eram os dirigentes do PC norte-americano. Eles levaram adiante nossa expulsão, e quando seis meses mais tarde eles foram expulsos, começaram com muito mais força e recursos que nós. Fizeram uma aparição mais imponente nos primeiros dias. Contudo, não tinham um programa correto e trataram de desenvolver outro. Pensavam que podiam enganar um pouco a história; que podiam colocar de lado os princípios e conservar unida uma grande força mediante compromissos na questão do programa. E eles o fizeram no primeiro tempo. Porém ao final , este grupo, rico em energias e habilidades, e com algumas pessoas muito talentosas, foi totalmente destruído na luta política, ignominosamente dissolvido. Hoje, a maioria de seus líderes, todos eles, até onde eu sei, se somaram  ao lado da guerra imperialista, servindo a fins absolutamente opostos àqueles que haviam proposto servir no começo de seu trabalho político. O programa é decisivo.

Por outro lado, se o grupo interpreta mal as tarefas fixadas para ele pelas condições da época, se não sabe como responder a mais importante das questões políticas, quer dizer, a questão do que fazer, então o grupo, não importa qual tenham sido seus méritos, podem cair em esforços  mal dirigidos e atividades fúteis, e passar muito mal.

Então, como disse em minhas palavras de abertura, nosso destino estava determinado naqueles primeiros dias pela resposta que demos a questão do programa e ao modo como analisamos as tarefas da época. Nosso mérito, como nova força surgida no movimento operário norte-americano — o mérito que assegura o progresso, a estabilidade e o futuro desenvolvimento do grupo —  consistiu nisso de termos dado respostas corretas a ambas as questões.

A conferência não levou em consideração todas as questões propostas pelas condições políticas do momento. Adotou somente as mais importantes, ou seja, aquelas  que deviam ser respondidas primeiro. E a primeira delas era a questão russa, a questão da revolução existente. Como frisei na conferência anterior, já desde 1917 se há  demonstrado mais e mais que a questão russa é a pedra de toque para toda a corrente política do movimento operário. Aqueles que tomam uma posição incorreta sobre a questão russa deixam o campo revolucionário cedo ou tarde.

A questão russa há sido elucidada inumeráveis vezes em artigos, folhetos e livros. Contudo, a cada giro importante dos fatos reaparece novamente. Como em 1939 e 1940, que tivemos que nos confrontar novamente sobre a questão russa  com uma corrente pequeno-burguesa em nosso próprio movimento. Aqueles que queiram  estudar a questão russa em toda a sua profundidade, toda a sua agudeza, e toda a sua urgência podem encontrar abundante material na literatura da IV Internacional.  Por isso não tenho a necessidade de elucidá-la em detalhes esta noite. Simplesmente a reduzo a seus aspectos essenciais e digo que a questão que nos confrontava em nossa primeira convenção era se devíamos seguir apoiando ao estado soviético, a União Soviética, independente do fato de que sua direção havia caído nas mãos de uma casta conservadora e burocrática. Havia gente naqueles dias  que chamava e se considerava revolucionária, que havia rompido com o PC, ou sido expulsa dele, e queria dar as costas completamente à União Soviética e aquilo que restava da revolução russa e começar fazendo rascunhos e conta nova, com um partido anti-soviético. Nós rechaçamos este programa e a todos aqueles que o queriam impor. Podíamos ter tido muitos membros naqueles dias se tivéssemos nos comprometido com esses fundamentos. Tomamos uma firme posição de apoiar a União Soviética; de não dar-lhe as costas, e sim de tentar reformá-la por meio dos instrumentos do partido e da Comintern.

No curso dos acontecimentos se provou que todos aqueles que, seja por impaciência, ignorância ou subjetivismo — não importa qual a causa — prematuramente anunciaram  a morte da revolução russa, estavam anunciando na realidade sua própria morte como revolucionários. Todos e cada um destes grupos e tendências degeneraram, tornaram-se distantes das bases reais, de lado, e em muitos casos se foram para dentro do campo da burguesia. Nossa saúde política, nossa vitalidade revolucionária, estava resguardada, antes de tudo pela  atitude correta que tomamos em relação a União Soviética, apesar dos crimes que haviam sido cometidos, incluídos aqueles contra nós, pelos indivíduos que estavam no controle da administração da União Soviética.

A questão sindical tinha depois desta uma extraordinária importância, como sempre. Nesse momento estava particularmente agudizada. A Internacional Comunista, e os partidos comunistas sob sua direção e controle, depois de um longo experimento com as alas direitas com políticas oportunistas, haviam dado um giro à esquerda, ao ultra-esquerdismo — uma característica do centrismo burocrático da fração de Stálin. Tendo perdido o compasso marxista, se distinguiam por uma tendência em saltar da extrema direita à extrema esquerda e vice-versa. Haviam seguido uma larga experiência com as políticas da ala direita na União Soviética, conciliando com os Kulaks e os homens da NEP, até que a União Soviética e com ela a burocracia chegou a beira do desastre. Na arena internacional políticas similares  levavam a resultados similares. Em decorrência disso, e sob a implacável crítica da Oposição de Esquerda, introduziram uma correção ultra-esquerdista em toda a linha. Sobre a questão sindical oscilavam ao redor da posição de deixar os sindicatos estabelecidos, incluindo a American Federation of Labor (Federação Americana dos Trabalhadores), e começar um novo movimento sindical sob o controle do PC. A política insana de “Sindicatos Vermelhos” colocou-se na ordem do dia.

Nossa primeira Conferência Nacional tomou uma firme posição contra aquela política, e se declarou a favor de operar dentro do movimento de trabalhadores existentes, confinando o sindicalismo independente ao campo não organizado. Atacamos cruelmente o reviver do sectarismo contido na teoria de um novo movimento sindical “comunista” criado por meios artificiais. Por esta posição, pela correção de nossa política sindical, nos asseguramos que quando chegasse o tempo para nós de ter algum acesso ao movimento de massas saberíamos o caminho mais curto em direção a ele. Fatos posteriores confirmaram a correção de nossa política sindical adotada em nossa primeira conferência e consistentemente mantida depois.

A terceira questão que devíamos responder era se criaríamos um novo partido independente, ou continuaríamos nos considerando uma fração do existente PC e da Comintern. De novo estávamos acossados por pessoas que pensavam que eram de esquerda, ex-membros do PC que se haviam tornado completamente ácidos e queriam  “atirar fora a água suja com a criança dentro”, sindicalistas e elementos ultra-esquerdistas que, em seu antagonismo com o PC, estavam dispostos a realizar acordos com qualquer pessoa que estivesse disposta  a criar um partido em oposição a ele. Também em nossas próprias fileiras  havia umas poucas pessoas que reagiram subjetivamente ante as expulsões burocráticas, as calúnias, a violência e o ostracismo empregado contra nós. Eles também queriam renunciar ao PC e começar um novo partido. Isto tinha uma atração superficial. Porém nós resistimos, rechaçamos aquela idéia. Aqueles que super-simplificavam a questão ousavam dizer-nos: “Como podem ser uma fração de um partido quando estão expulsos do mesmo?”

Nós explicamos: isto é uma questão de valorar corretamente os membros do PC e de encontrar a melhor tática para aproximar-mos deles. Se o PC e seus membros havíam degenerado apesar de toda a lamentação, e se um grupo mais progressivo de trabalhadores existe (seja atualmente ou potencialmente por razão da direção na qual se move o grupo) fora do qual podemos criar um novo e melhor partido — então o argumento por um partido novo é correto. Porém, dizíamos, não vemos um grupo assim em parte alguma. Não vemos nada realmente progressivo, nenhuma militância, nenhuma real inteligência política em todas essas diversas oposições, individuais ou tendências. São todos críticos conjunturais e sectários. A real vanguarda do proletariado consiste naquelas dezenas de milhares de trabalhadores que têm sido despertadas pela revolução russa. Ainda são leais à Comintern e ao PC. Não têm seguido atentamente o processo gradual de degeneração. É impossível conseguir uma audiência entre essa gente, se não nos colocamos no terreno do partido, e fazemos o possível não por destruí-lo, e sim por reformá-lo exigindo a readmissão ao partido com direitos democráticos.

Resolvemos aquele problema corretamente, declarando-nos uma fração do partido e da Comintern. Chamamos a nossa organização de A Liga Comunista da América (Oposição), para indicar que não éramos outro partido senão simplesmente uma fração opositora do velho partido. A experiência demonstrou suficientemente a correção desta decisão. Por meio de seguir sendo partidários do PC e da Internacional Comunista, opondo-nos à direção burocrática, apreciando corretamente os quadros e a base como estávamos fazendo neste momento, e buscando contato com eles, continuamos ganhando novos adeptos nas fileiras dos trabalhadores comunistas.

Separado de nossa decisão de formar, nesse momento, uma fração e não um novo partido, circulava outra importante e problemática questão que foi debatida e disputada por um longo tempo de cinco anos em nosso movimento — desde 1928 até 1933. Essa questão era: Que tarefa concreta deveríamos fixar para um grupo de 100 pessoas esparramadas pela ampla extensão deste vasto país? Se nos constituíssemos como um partido independente, devíamos apelar diretamente à classe operária, dar as costas ao degenerado PC, e embarcarmos em uma série de esforços e atividades no movimento de massas. Por outro lado, se não fossemos um partido independente e sim uma fração, deveríamos dirigir nossos maiores esforços, apelos e atividades, não à massa de 40 milhões de operários norte-americanos, e sim à vanguarda da classe organizada em torno do PC. Vocês vêm como estas duas questões empalman. Em política — e não só em política — uma vez que se diz “A” não se deve dizer “B”. Devíamos ou bem girar nossa cara para o PC, ou para longe do PC, em direção as massas não desenvolvidas, desorganizadas e deseducadas. Não se pode comer a torta e também guardá-la.

O problema era entender a atual situação, o grau de desenvolvimento até o momento. Por certo, se deve encontrar um caminho até as massas para criar um partido que possa dirigir a revolução. Contudo, o caminho para as massas passa através de sua vanguarda e não sobre sua cabeça. Isto não era entendido por muita gente. Pensavam que podiam saltar aos operários comunistas, colocar-se dentro, no meio do movimento e encontrar ali aos melhores candidatos para o grupo mais avançado, mais desenvolvido teóricamente do mundo, quer dizer, a Oposição de Esquerda que era a vanguarda da vanguarda. Essa concepção era errônea, produto da impaciência e do fracasso para pensar as coisas. Em vez disto, nós fixamos como principal tarefa a propaganda e não a agitação.

Nós dissemos: nossa primeira tarefa é tornar conhecidos os princípios da Oposição de Esquerda na vanguarda. Não deixar-nos diluir pela idéia de que podemos ir agora até a grande massa analfabeta. Primeiro devemos ganhar o que há de ganhável, em um grupo de vanguarda consistente em algumas dezenas de milhares de membros e simpatizantes do PC, e cristalizar a partir deles os quadros, seja para refomar o partido, ou , se depois de um sério esforço ao fim fracassado — e só quando o fracasso é demonstrado conclusivamente — para construir um novo com as forças recrutadas neste empenho. Só desta maneira é possível para nós reconstruir o partido no real sentido da palavra.

Neste momento apareceria no horizonte uma figura que provavelmente também seja estranha para muitos de vocês, porém que naqueles dias fez uma tremendo barulho. Albert Weisbord havia sido um membro do PC e havia sido expulso por volta de 1929 por críticas, ou por outra razão qualquer — nunca ficou bastante claro. Depois de sua expulsão resolveu fazer alguns estudos. Frequentemente ocorre, vocês sabem, que quando alguém recebe um duro golpe começa a perguntar a causa do mesmo. Weisbord emergiu de imediato de seus estudos para anunciar-se como trotskysta; não 50% trotskysta como éramos nós, e sim um real, genuíno,  100% trotskysta, cuja missão na vida era dirigir-nos corretamente.

Sua revelação foi: os trotskystas não devem ser um círculo de propaganda, senão que devem ir diretamente a “massa trabalhadora”. Esta concepção devia levá-lo logicamente à proposta de formar um partido novo, porém não podia fazer isso convenientemente porque não tinha nenhum membro. Devia aplicar a tática de ir primeiro à vanguarda — quer dizer sobre nós. Com uns poucos amigos pessoais e outros, começou uma enérgica campanha de “sondar” por dentro e “golpear por fora” ao pequeno grupo de 25 ou 30 pessoas que tínhamos organizado naquele momento na cidade de Nova Iorque. Enquanto nós proclamávamos a necessidade de propagandear aos membros e simpatizantes do PC como um caminho em direção ao movimento de massas, Weisbord proclamava um programa de atividades de massa não a estas, nem sequer ao PC, senão a nosso pequeno grupo trotskysta. Ele estava em desacordo conosco em todas as questões e nos denunciava como falsos  representantes do trotskysmo. Quando dizíamos sim ele dizia positivamente sim. Quando dizíamos 75 ele elevava a oferta. Quando dizíamos “Liga Comunista da América”, ele chamava a seu grupo “Liga Comunista de Combate” para fazer mais forte. O coração e o centro da disputa com Weisbord era a questão da natureza de nossa atividade. Ele estava impaciente por saltar dentro da massa trabalhadora por cima da cabeça do PC. Nós rechaçamos este programa e ele nos denunciou com um denso boletim mimeografado, um atrás do outro.

Alguns de vocês possivelmente tenham a ambição de fazerem-se historiadores do movimento, ou ao menos estudiosos da história do movimento. Se é assim, estas minhas conferências informais podem servir como um guia para um futuro estudo das questões mais importantes e dos pontos de mudanças. Não há escassez de literatura. Se a escavam encontrarão literalmente fardos de boletins mimeografados dedicados à crítica e à denúncia a nosso movimento — e especialmente a mim, por algumas razões. Este tipo de coisas hão ocorrido tão frequentemente que ao longo do tempo aprendi a aceitá-la como uma questão corrente. Quando qualquer pessoa se tornava louca em nosso movimento começava a denunciar-me com a maior força de sua voz, sem nenhum tipo de provocação de qualquer ordem de minha parte. Weisbord nos denunciou, particularmente a mim, porém nós o combatemos. Conservamos nosso rumo.

Havia gente impaciente entre nossos quadros que pensou que a prescrição de Weisbord podia ser um bom intento, um caminho para um pobre pequeno grupo para fazer-se rico rapidamente. É muito fácil isolar as pessoas reunidas juntas numa pequena casa, a menos que conservem o sentido da proporção, da saúde e do realismo. Alguns de nossos camaradas, inconformados com nosso lento crescimento, foram atraídos pela idéia de que necessitávamos só um programa  para o trabalho entre as massas, para ir até ela e ganhá-las. Este sentimento cresceu e se estendeu ao ponto que Weisbord criou uma pequena fração dentro de nossa organização. Nos vimos obrigados a convocar um ato aberto para a discussão. Admitimos a Weisbord, que não era um membro formal, e lhe demos o direito a palavra. Debatemos a questão com muita força e tenacidade. Consequentemente isolamos a Weisbord. Ele nunca envolveu mais de 13 membros em seu grupo em Nova Iorque. Este pequeno grupo atravessou uma série de expulsões e fraturas  e posteriormente desapareceu de cena.

Consumimos uma enorme quantidade de tempo e energia debatendo e combatendo por esta questão. E não só com Weisbord. Naqueles dias estávamos continuamente acossados pela impaciência das pessoas em nossas próprias fileiras. As dificuldades do momento nos pressionavam fortemente. Semana após semana e mês após mês parecia haver ganho duramente uma polegada. Se instalou a desmoralização e com ela a demanda por algum esquema  para crescer mais rápido, alguma fórmula mágica. Brigamos, discutimos e mantivemos nosso grupo na linha correta, conservamos a cara voltada a única fonte possível para um crescimento saudável: as fileiras dos operários comunistas que ainda permaneciam sob a influência do PC. O “giro à esquerda” do stalinismo amontoou novas dificuldades para nós. Este giro foi em parte desenhado por Stálin para tirar o chão de debaixo dos pés da Oposição de Esquerda, para parecer que os stalinistas eram mais radicais que a Oposição de Esquerda de Trotsky. Expulsaram aos lovestonistas do partido como “alas direitas”, e inverteram a direção do partido para  Foster e companhia, e proclamaram  uma política de esquerda. Através desta manobra nos acertaram um golpe devastador. Aqueles elementos descontentes no partido, que haviam se inclinado para nós e que haviam se oposto ao oportunismo do grupo de Lovestone, se reconciliaram com o partido. Diziam-nos: “Vocês vêem, estão equivocados. Stálin tem razão em todas as coisas. Está tomando uma posição de esquerda em toda a linha na Rússia, América do Norte e em todas as partes”. Na Rússia, a burocracia stalinista declarou a guerra  aos kulaks. Ao redor do mundo se estava puxando  o chão de debaixo dos pés da Oposição de Esquerda. Aconteceram na Rússia uma série de capitulações. Radek e outros abandonaram a luta com a justificativa de que Stálin havia adotado a política da Oposição. Houve, eu diria, centenas de membros do PC, que haviam  se voltado para nós, que adquiriram a mesma impressão e retornaram ao stalinismo no período de giro à ultra-esquerda.

Aqueles foram os verdadeiros dias de cão da Oposição de Esquerda. Havíamos passado os primeiros seis meses com um progresso bastante firme e formamos nossa organização nacional na conferência com altas expectativas. Depois o recrutamento  dos membros do partido se estancou imediatamente. Em seguida a expulsão dos lovestonistas, um sinal de ilusão brilhou no PC. A reconciliação com o stalinismo voltou a ordem do dia. Estávamos encurralados. E depois começou o grande ruído do Plano Quinquenal. Os membros do PC estavam acesos de entusiasmo pelo Plano Quinquenal pelo qual a Oposição de Esquerda se originou e reivindicou. O pânico nos Estados Unidos, a “depressão”, causou uma grande onda de desilusão com o capitalismo. O PC naquela situação apareceu como  força mais radical e revolucionária no país. O partido começou a crescer, a engordar suas fileiras e a  atrair simpatizantes para seu rebanho.

Nós, com nossas críticas e explicações teóricas, aparecíamos ante os olhos de todos como um grupo sem sentido, impertinentes e teimosos. Nós seguíamos cuidando de fazer-lhes entender que a teoria do socialismo em um só país é fatal para o movimento revolucionário; que devíamos esclarecer esta questão da teoria a qualquer custo. Enamorados pelos primeiros resultados do Plano Quinquenal, restava procurar-nos e dizer-nos, “Esta gente está louca, não vivem neste mundo”. Ao tempo em que dezenas e centenas de milhares de novos elementos começavam a olhar para a União Soviética, saindo adiante com o Plano Quinquenal, e o capitalismo parecia entrar pelo cano, aqui estão os trotskystas, com seus documentos debaixo do braço, exigindo que vocês leiam seus livros, estudem, discutam, etc. Ninguém queria escutar-nos.

Naqueles dias de cão para o movimento fomos isolados de todo o contato. Não tínhamos amigos, nem simpatizantes, nem periferia em torno do movimento. Não tínhamos nenhuma oportunidade para participar do movimento de massas. Toda vez que tentávamos  entrar numa organização operária éramos expulsos como trotskystas contra-revolucionários. Tentamos enviar delegações aos encontros de desempregados. Nossas credenciais eram rechaçadas com o argumento de que éramos inimigos da classe operária. Estávamos completamente isolados, atirados sobre nós mesmos. Nosso recrutamento caiu a quase nada. O PC e sua vasta periferia pareciam hermeticamente fachados contra nós.

Depois, como sempre é o caso com um movimento político novo, começamos a recrutar de fontes não muito saudáveis. Se vocês se vêem sempre reduzidos a um pequeno punhado, como podem ser os marxistas nas mutações da luta de classes, se as coisas vão mal uma vez mais e devem começar de novo, então lhes vou contar, como advertência, algumas dores de cabeça que vão ter. Todo o novo movimento atrai certos elementos que podiam ser chamados apropriadamente de lunáticos marginais. Sempre exóticos, buscam a mais extrema expressão do radicalismo, de distúrbios, de bate-bocas, oposicionistas crônicos que foram expulsos de meia dezena de organizações — gente como essa começou a vir até nós em nosso isolamento, gritando, “Olá, camaradas”. Eu sempre estive contra admitir esta gente, porém a pressão era muito forte. Eu entrei em uma pequena disputa na zona de Nova Iorque da Liga Comunista contra a admissão de um homem como membro sobre a base exclusiva de sua aparência e vestimenta.

Me perguntaram: “Que tem você contra ele?”

Eu disse, “Ele veste um traje de esquisitode cima a baixo, estilo Greenwich Village, com um bigode engraçado e barba grande. Há algo mal neste rapaz”.

Eu não estava fazendo uma brincadeira. Disse: gente deste tipo não vai ser apropriada para chegar-se ao operário norte-americano comum. Vão marcar nossa organização como algo extravagante, anormal, exótico; algo que não tem nada que ver com a vida normal do operário norte-americano. Eu tinha razão em geral, e neste caso em particular. Nosso rapaz em trajes extravagantes, depois de criar todo o tipo de problemas na organização se tornou um oehlerista.

Muita gente que vinha a nós havia se voltado contra o PC não por seu lado mal, mas sim por seus aspectos bons: a subordinação dos indivíduos as decisões do partido no trabalho em curso. Uma grande quantidade de pequenos-burgueses diletantes que não podiam suportar qualquer forma de disciplina, que haviam abandonado o PC ou haviam sido expulsos dele, queriam, ou melhor pensavam que queriam, fazer-se trotskystas. Alguns deles se uniram a célula de Nova Iorque e trouxeram com eles aquele mesmo prejuízo contra a disciplina à nossa organização. Muitos dos novos faziam um fetiche da democracia. Foram tão repelidos pelo burocratismo do PC, que eles desejavam uma organização sem autoridade, disciplina, ou centralização alguma.

Todos deste tipo têem uma característica em comum: gostam de discutir coisas sem limite ou fim. A célula de Nova Iorque do movimento trotskysta naqueles dias era um contínuo caldeirão de discussão. Nunca encoontrei um só destes elementos que não se expressasse bem. No entanto, se precisasse de algum deles nunca se encontravam. Todos sabiam falar, e não sómente porque podiam mas sobretudo porque queriam isso eternamente. Eram iconoclastas que não aceitavam nada como autoridade, como decidido na história do movimento. Tudo e todos tinham que ser provados novamente desde o engatinhar.

Separados, por um muro, da vanguarda  representada pelo movimento comunista e sem contato com o movimento vivo das massas trabalhadoras, fomos empurrados por nós  mesmos a essa invasão. Não havia outro caminho fora desse. Devíamos atravessar um longo de período de ansiedade e discussão. Eu tive de engolir, e essa é a razão de tantos cabelos brancos. Nunca fui um sectário nem um irracional. Porém, nunca tive paciência com aqueles que se equivocavam com a eloquência como a qualidade de um dirigente político. Contudo, eu não podia deixar este grupo penosamente bloqueado. Este pequeno e frágil núcleo do futuro partido revolucionário devia manter-se junto. Tive que passar por esta experiência. Como acabou sendo,  sobrevivi. Se deve ter paciência na busca do futuro; é por isso que nós escutamos aos faladores. Não era fácil. Pensei muitas vezes que, apesar de minha incredulidade, havia algo certo no que eles diziam sobre o mundo que viria, e eu seria bem recompensado — não pelo que fiz e sim pelo que tive que escutar.

Aquele foi o tempo mais duro. E depois, naturalmente, o movimento deslizou dentro de seu período inevitável de dificuldades internas, fricções e conflitos. Tínhamos disputas ferozes e pequenas, muito frequentemente sobre minúsculas coisas. Havia razão para isso. Nenhum movimento pequeno e isolado foi capaz de escapar disso. Um pequeno grupo se move sobre sí mesmo, com o peso do mundo inteiro pressionando sobre ele, não tendo nemhum contato com o movimento das massas operárias  e sem obter nenhuma correção dele, está condenado, no melhor dos casos a ter um tempo duro. Nossas dificuldades estavam incrementadas pelo fato de que muitos adeptos não eram material de primeira classe. Muitas das pessoas que se uniram a célula de Nova Iorque não estavam ali realmente por justiça. Não eram do tipo que, a longo prazo, pudessem construir um movimento revolucionário — elementos diletantes, pequenos-burgueses, indisciplinados.

E logo, a eterna pobreza do movimento. Estávamos tentando publicar um periódico, estávamos tentando publicar uma série completa de panfletos sem os recursos necessários. Cada centavo que ganhávamos era devorado imediatamente pelos gastos do jornal. Não tínhamos nem uma moeda de cinco centavos para trocar. Aqueles foram os dias de real pressão, os duros dias de isolamento, de pobreza, de desencorajadoras dificuldades internas. Isto durou não por semanas mas sim por anos. E sob estas condicões adversas, que persistiram por anos, qualquer coisa débil de qualquer indivíduo era presssionado a sair à superfície; tudo coisa insignificante, egoísta e desleal. Eu me havia relacionado com alguns destes indivíduos antes, nos dias que o clima era favorável. Agora vinha a conhecê-los em seu sangue e seus ossos. Também nesses dias terríveis aprendi a conhecer Ben Weebster e aos homens de Minneapolis. Eles sempre me apoiaram, nunca me faltaram, sempre me estenderam a mão.

O movimento maior, com seu magnífico programa de libertação da humanidade, com as mais grandiosas perspectivas históricas, estava inundado nestes dias por um mar de problemas insignificantes, inquietações, formação de “panelinhas”e lutas internas. O pior de tudo é que estas lutas fracionais não eram totalmente compreensíveis para a militância porque as grandes questões políticas implicitas nelas ainda não haviam aparecido. No entanto, não eram  meras disputas pessoais, como frequentemente pareciam ser, e sim, como é agora mais claro para todos, o ensaio prematuro de uma grande luta definitiva em 1939-1940 entre as tendências proletárias e pequeno-burguesas dentro de nosso movimento.

Aqueles foram os dias mais duros de todos os 30 anos que tenho estado ativo  no movimento — aqueles dias desde a Conferência de 1929 em Chicago até 1933. O ano do hermético, terrível, fechado isolamento com todas as dificuldades concomitantes. O isolamento é o habitat natural para um sectário, porém, para quem tem um instinto para o movimento de massa é o mais cruel dos castigos.

Aqueles foram os dias duros, mais apesar de tudo levamos em frente nossas tarefas de propaganda e de conjunto as fizemos bastante bem. Na Conferência de Chicago tínhamos decidido que a qualquer custo íamos publicar a mensagem completa da Oposição Russa, todos os documentos acumulados, que haviam sido suprimidos, e os escritos recentes de Trotsky, que eram muito úteis para nós. Decidimos que a coisa mais revolucionária que podíamos fazer não era sair por aí a fora a proclamar a revolução na Union Square, tampouco tratar de nos pôr à cabeça de dezenas de milhares de operários que não nos conheciam, nem saltar sobre nossas próprias cabeças.

Nossa tarefa, nossa obrigação revolucionária, era imprimir, fazer propaganda no sentido mais estrito e concentrado, ou seja, publicação e distribuição de literatura teórica. Para este fim empobrecemos nossos membros para juntar dinheiro para comprar uma impressora de linotipo de segunda-mão e organizar nosso próprio negócio de impressão. De todos os negócios de empresas que foram idealizados na história do capitalismo, penso que este é o melhor, considerando os meios disponíveis. Se não houvéssemos estado interessado na revolução penso que teríamos nos qualificado facilmente, só sobre a base desta empresa,  como muito bons especialistas em negócios. Certamente fizemos todo o tipo de manobras para conservar este negócio andando. Contratamos um camarada jovem, que recentemente havia terminado a escola de linotipia, para operar a máquina. Não era um mecânico de primeira classe na época; agora  ele não só é um bom mecânico mas também um dirigente partidário e um professor do staff  da Escola de Ciências Sociais de Nova Iorque. Naqueles dias o peso completo da propaganda do partido apoiava-se sobre este solitário camarada que manejava a máquina de linotipia. Há uma história sobre ele — eu não sei se é verdade ou não — de que nunca soube muito sobre a máquina. Era uma máquina arruinada, de segunda-mão, que nos havia sido empurrada. A qualquer momento parava de trabalhar, como uma mula cansada. Charlie a ajustava com umas poucas chaves e se isto não ajudava, tomava um martelo e dava no linotipo uma ou duas marteladas. Depois começava a trabalhar de maneira apropriada de novo e outra impressão do The Militant saía.

Mais tarde, tivemos impressores amadores. Em volta da célula de Nova Iorque, trabalhvam na imprensa, em um momento ou outro — pintores, pedreiros, trabalhadores texteis, contadores — todos eles serviram como amadores. Com um negócio muito ineficiente e sobrecarregado, estabelecemos certos resultados através de trabalho gratuito. Esse era o único segredo da planta de impressão trotskysta. Não era eficiente desde outro ponto de vista, porém, seguia andando pelo segredo que todo o amo de escravos sabe desde o Faraó, que se tem-se escravos não necessita-se de muito dinheiro. Nós não tínhamos escravos mas tínhamos ardentes e devotos camaradas que trabalhavam  dia e noite por nada, na máquina como no trabalho editorial.  Estávamos curtos de dinheiro. Todas as contas estavam sempre vencidas e não pagas, com os credores pressionando para o pagamento imediato. Tão logo era saldada a conta de papel tínhamos de pagar o aluguel do edifício sob a ameaça de despejo. A conta do gás tinha que ser paga com apuro porque sem gás o linotipo não trabalharia. A conta de luz tinha que ser paga porque o negócio não podia operar sem energia e luz. Todas as contas deviam ser pagas, tivéssemos o dinheiro ou não. O que podíamos esperar era cobrir a renda, o custo do papel, gastos de instalação e reparação do linotipo e as contas de gás e luz. Algumas vezes houve algo submetido a “papagaios” — não só para os camaradas que trabalhavam na imprensa, mas também para os dirigentes de nosso movimento.

Foram feitos grandes sacrifícios pelos quadros e militantes todo o tempo, mas nunca tão grandes como os sacrifícios feitos pelos dirigentes. É por isso que os dirigentes do movimento tiveram sempre uma forte autoridade moral. Os dirigentes de nosso partido estavam sempre prontos aos sacrifícios porque eles davam o exemplo e todos sabiam disso.


Inclusão 10/10/2006