A Cruzada dos Pequeninhos

Bertolt Brecht

1941


Fonte: Culturalia GZ

Tradução para o Galego: José André Lôpez Gonçâlez

HTML: Fernando Araújo.

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Apresentação

gravura
Gráfico de Herbert Sandberg para a “Cruzada dos meninhos” de Brecht desenhado em 1979.

Bertolt Brecht escreveu Kinderkreuzzug (A cruzada dos pequeninhos) em novembro de 1941 durante o seu exílio nos Estados Unidos onde fora morar em julho desse mesmo ano. A primeira aparição foi no jornal The German American, mas há indícios certos de ter origem remota na relação com Margaret Steffin – uma das suas múltiples amantes – que haveria morrer de tuberculose em Moscovo em 1941. O poema viu ao lume no livro Kalendergeschichten (Histórias do calendário) em 1949. Brecht voltou publicar o poema na coleção Hundert Gedichte (Cem poemas) embora encurtado de 47 versos para 35. Esta última edição, mais abreviada, foi dedicada na memória de Margaret Steffin.

Baseado o poema na Cruzada das Crianças de 1212, narrativa entre meio história, meio lenda, de um grupo de pequeninhos errando para o Sul da Itália com o objectivo de ir para a Terra Santa para libertar o Santo Sepulcro de Jerusalém e ganhar o céu (a história refere-a em admirável prosa o extravagante historiador inglês Steven Runciman), mas aqui o poema brechtiano está imbuído de esperança em “encontrar a terra onde houvesse paz”.

A Cruzada dos Miúdos de 1939 também, como a sua antecedente medieval, tinha o sul como destino, embora não a Terra Santa senão zonas mais cálidas porque o inverno de 1939 foi muito frio e mortal. Em ambas cruzadas os pequenos jamais haverão chegar ao seu destino e morrerão no caminho.

Bem pode ser que a redação final do poema fosse concebida por uma notícia de jornal que assinalava que soldados do Exército Vermelho Soviético acharam no Leste da Polónia tres meninos e, ainda que os pequeninhos apreenderam a se comportar como soldados treinados, nunca chegaram a Bilgoray (município polonês no Sul pertencente à voivodia de Lublin), onde estava o seu destino final.

É de notar que o compositor, violinista, pianista e maestro británico Benjamin Britten (Loestot, 22 de novembro de 1913 – Aldeburgh, 4 de dezembro de 1976), figura central da música inglesa do século XX, reescreveu o poema de Bertolt Brecht com estreia  na sua versão inglesa em 1969 na catedral de St. Paul de Londres. Uma versão para o alemão, por sua vez da variante inglesa, foi interpretada em 1980 por 50 meninas e pequeninhos da “Coral Juvenil de Braunschweig” sob a direção do maestro Manfred Ehrhorn. A obra foi gravada em disco de longa duração e em 7 de março de 2012 reconstruída digitalmente.   

A transcripção do texto em alemão, assim como a tradução, no meu caso, foi tirada da edição BERTOLT BRECHT, Gedichte und Lieder, Suhrkamp Verlag, Berlin und Frankfurt am Main 1963, p. 125 e sgg.

Trata-se, não acho qualquer dúvida nisto, dum dos grandes poemas do século XX e um autêntico alegato em contra da guerra.

A CRUZADA DAS CRIANÇAS- 1939
(1942)
Bertolt Brecht

Na Polônia, no ano trinta e nove
Houve uma batalha sangrenta
Que a entulhos reduziu
Muitas cidades e aldeias.

A irmã perdeu o irmão,
A mulher perdeu o esposo;
A criança os pais não encontrou
entre as cinzas e escombros.

Nada veio da Polónia,
Nem notícia, nem carta.
Mas nos países orientais
Escuitou-se uma história estranha.

Contou-se que lá, no Leste,
caira uma grande nevada
e que uns meninhos emprenderam
na Polónia uma cruzada.

Mortos de fome, os meninhos
Em tropel avançavam
E se lhes juntaram outros pequenos
Nas aldeias devastadas.

Eles queriam das batalhas
fugir do pesadelo
E chegasse o dia no país
Em que a paz fosse um reino.

Houve entre eles um pequeno chefe,
que os tentou organizar.
mas tinha uma grande preocupação:
Não sabia como os guiar.

Uma rapariga de onze anos cuidava
de uma criança de quatro anos nada mais,
Ela teve tudo, como faz uma mãe,
Mas não um país onde houvesse paz.

Um pequeno judeu ia no pelotão
Com o seu colar de veludo.
Estava acostumado ao pão mais branco,
Porém agora comia o pão duro.

Também caminhava com eles
Um rapaz que sempre ficava à parte.
Estava carregando uma dívida terrível:
O de vir de uma tradição nazi.

Também havia um cadelo
Que a ser carne ia destinado,
Era uma boca mais a alimentar,
Ninguém teve coração para matá-lo.

Houve inclusive uma escola
E um mestrinho de caligrafia.
Um estudante num tanque desfeito
a escrever paz apreendia…

Também houve um amor.
Ela tinha doze, ele quinze anos.
Numa casa em abandono
Penteou-lhe o seu cabelo ralo.

O amor não pode resistir
Quando existe tanto frio e vento:
Como as árvores podem florescer
Quando tanta neve há no inverno?

Houve também um funeral:
A do menino de colar veloso.
Foram dous alemães e dous polacos
Quem enterraram seu corpo.

Protestantes, católicos e até o rapaz nazi
Entregaram para a terra o judeu menino.
E finalmente um pequeno comunista falou
Do futuro dos vivos.

Havia, então, muita fé e esperança,
Mas não havia carne e pão.
Ninguém os repreenda se roubaram algo,
Porque ninguém os quis abrigar.

E ninguém censure ao homem pobre
Que não os convidou para a mesa:
Para meia centena, faz falta farinha,
não caridade, nem paciência.

As crianças foram caminhando
principalmente para o Sul.
O Sul é onde o sol ao meio-dia,
às doze, tem muita mais luz.

Encontraram um dia um soldado
Ferido, entre árvores de abeto,
Cuidaram dele por sete dias
Para lhes mostrar o caminho certo.

Ele lhes disse: Para Bilgoray!
Tinha estado muito febrento
E morreu no oitavo dia.
Também lhe deram sepultamento.

Havia placas de sinalização
Ainda que pola neve tapadas.
Não mostraram mais a direção
porque estavam todas viradas.

Isso não era apenas brincadeira
Mas uma causa militar.
E como eles procuravam Bilgoray
Não lhes foi possível o encontrar.

Reuniram-se em torno do seu líder.
E na neve fincou o olhar.
Apontou com a mãozinha
E disse: tem que estar por lá.

Uma vez, à noite, viram uma fogueira,
Não obstante não se achegarom.
Outra vez, viram três tanques que rolavam
E havia dentro soldados.

Quando chegaram a uma cidade
Eles a contornaram,
Também não ela acederam.
E à noite continuaram.

Onde antes ficava o Sudeste da Polónia
Houve fortes nevascas
Alguém aos cinquenta e cinco
Por última vez enxergara.

Quando eu os meus olhos fecho
Vejo-os caminhando
De uma fazenda destruída
Para prédios arruinados.

Acima deles, no alto das nuvens,
Vejo outras novas e grandes caravanas!
Que vagueam contra os ventos geados
Sem direção e sem casa.

Procurando uma terra com paz
Sem trovão e sem fogo,
Não como a que por trás deixaram,
E o conjunto se torna monstruoso.

E quando se achega o crepúsculo
Logo não são os mesmos:
Agora é que vejo outras caras:
Espanhóis, franceses, amarelos!

Na Polónia, no janeiro aquele
Um cadelo foi apanhado,
Tinha do seu pescoço magro
Uma cartaz de papelão pendurado.

Lia-se no cartaz: Pedimos ajuda!
Não sabemos mais o caminho.
O cão até nós vos trazerá.
Somos cinquenta e cinco.

Se é que não podem vir
pedimos de não persegui-lo,
Não o matem, por favor,
Só ele conhece o nosso sítio.

A escrita era de mão de criança
E lavradores quem leram o cartaz.
Desde então um ano e meio se passou
Que encontraram morto de fome um cão.

Kinderkreuzzug – 1939
(1942)

von Bertolt Brecht

In Polen, im Jahr Neununddreißig
War eine blutige Schlacht
Die hatte viele Städte und Dörfer
Zu einer Wildnis gemacht.

Die Schwester verlor den Bruder
Die Frau den Mann im Heer;
Zwischen Feuer und Trümmerstätte
Fand das Kind die Eltern nicht mehr.

Aus Polen ist nichts mehr gekommen
Nicht Brief noch Zeitungsbericht.
Doch in den östlichen Ländern
Läuft eine seltsame Geschicht.


Schnee fiel, als man sich's erzählte
In einer östlichen Stadt
Von einem Kinderkreuzzug
Der in Polen begonnen hat.

Da trippelten Kinder hungernd
In Trüpplein hinab die Chausseen
Und nahmen mit sich andere, die
In zerschossenen Dörfern stehn.

Sie wollten entrinnen den Schlachten
Dem ganzen Nachtmahr
Und eines Tages kommen
In ein Land, wo Frieden war.

Da war ein kleiner Führer
Das hat sie aufgericht'.
Er hatte eine große Sorge:
Den Weg, den wußte er nicht.

Eine Elfjährige schleppte
Ein Kind von vier Jahr
Hatte alles für eine Mutter
Nur nicht ein Land, wo Frieden war.

Ein kleiner Jude marschierte im Trupp
Mit einem samtenen Kragen
Der war das weißeste Brot gewohnt
Und hat sich gut geschlagen.

Und ging ein dünner Grauer mit
Hielt sich abseits in der Landschaft.
Er trug an einer schrecklichen Schuld:
Er kam aus einer Nazigesandtschaft.

Und da war ein Hund
Gefangen zum Schlachten
Mitgenommen als Esser
Weils sie's nicht übers Herz brachten.

Da war eine Schule
Und ein kleiner Lehrer für Kalligraphie.
Und ein Schüler an einer zerschossenen Tankwand
Lernte schreiben bis zu Frie...

Da war auch eine Liebe.
Sie war zwölf, er war fünfzehn Jahr.
In einem zerschossenen Hofe
Kämmte sie ihm sein Haar.

Die Liebe konnte nicht bestehen
Es kam zu große Kält:
Wie sollen die Bäumchen blühen
Wenn so viel Schnee drauf fällt?

Da war auch ein Begräbnis
Eines Jungen mit samtenen Kragen
Der wurde von zwei Deutschen
Und zwei Polen zu Grab getragen.

Protestant, Katholik und Nazi war da
Ihn der Erde einzuhändigen.
Und zum Schluß sprach ein kleiner Kommunist
Von der Zukunft der Lebendigen.

So gab es Glaube und Hoffnung
Nur nicht Fleisch und Brot.
Und keiner schelt sie mir, wenn sie was stahl'n
Der ihnen nicht Obdach bot.

Und keiner schelt mir den armen Mann
Der sie nicht zu Tische lud:
Für ein halbes Hundert, da braucht es
Mehl, nicht Opfermut.

Sie zogen vornehmlich nach Süden.
Süden ist, wo die Sonn
Mittags um zwölf steht
Gradaus davon.

Sie fanden zwar einen Soldaten
Verwundet im Tannengries
Sie pflegten ihn sieben Tage
Damit er den Weg ihnen wies.

Er sagte ihnen: Nach Bilgoray!
Muß stark gefiebert haben
Und starb ihnen weg am achten Tag.
Sie haben auch ihn begraben.

Und da gab es ja Wegweiser
Wenn auch vom Schnee verweht
Nur zeigten sie nicht mehr die Richtung an
Sondern waren umgedreht.

Das war nicht etwa ein schlechter Spaß
Sondern aus militärischen Gründen.
Und als sie suchten nach Bilgoray
Konnten sie es nicht finden.

Sie standen um ihren Führer.
Der sah in die Schneeluft hinein
Und deutete mit der kleinen Hand
Und sagte: Es muß dort sein.

Einmal, nachts, sahen sie ein Feuer
Da gingen sie nicht hin.
Einmal rollten drei Tanks vorbei
Da waren Menschen drin.

Einmal kamen sie an eine Stadt
Da machten sie einen Bogen.
Bis sie daran vorüber waren
Sind sie nur nachts weitergezogen.

Wo einst das südöstliche Polen war
Bei starkem Schneewehen
Hat man die fünfundfünfzig
Zuletzt gesehn.

Wenn ich die Augen schließe
Seh ich sie wandern
Von einem zerschossenen Bauerngehöft
Zu einem zerschossenen andern.

Über ihnen, in den Wolken oben
Seh ich andre Züge, neue, große!
Mühsam wandernd gegen kalte Winde
Heimatlose, Richtungslose

Suchend nach dem Land mit Frieden
Ohne Donner, ohne Feuer
Nicht wie das, aus dem sie kamen
Und der Zug wird ungeheuer.

Und er scheint mir durch den Dämmer
Bald schon gar nicht mehr derselbe:
Andere Gesichtlein seh ich
Spanische, französische, gelbe!

In Polen, in jenem Januar
Wurde ein Hund gefangen
Der hatte um seinen mageren Hals
Eine Tafel aus Pappe hangen.

Darauf stand: Bitte um Hilfe!
Wir wissen den Weg nicht mehr.
Wir sind fünfundfünfzig
Der Hund führt euch her.

Wenn ihr nicht kommen könnt
Jagt ihn weg
Schießt nicht auf ihn
Nur er weiß den Fleck.

Die Schrift war eine Kinderhand
Bauern haben sie gelesen.
Seitdem sind eineinhalb Jahre um.
Der Hund ist verhungert gewesen.


Inclusão 28/05/2019