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Primeira Edição: 1935
Tradução para o Galego: José André Lôpez Gonçâlez
HTML: Fernando Araújo.
Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons.
Capa da edição Rowohlt, 1956 Baixe o arquivo em pdf |
Brecht começou a escrever o conto em 1929 e terminou-o por volta de 1935. Com a tomada do poder polos nacional-socialistas na Alemanha em 1933, Brecht escapou para a vizinha Dinamarca, onde permaneceu até a invasão alemã da Dinamarca em 1940, donde fugiu ainda mais para os Estados Unidos. Brecht percebeu o perigo nacional-socialista desde o início e entendeu claramente as intenções de Hitler, de modo que Brecht começou a escrever antes mesmo de os nacional-socialistas tomarem o poder. Brecht denuncia o mal de todas as guerras na história da humanidade. A história, é claro, molestava os nacional-socialistas, desde que tinham idéias de expansão e, portanto, planejavam a guerra. Não obstante, a história de "O Soldado de La Ciotat" recebeu muito pouca atenção entre a população civil e de certo nunca foi popular.
Bertolt Brecht usa este conto como denúncia da disposição acrítica para aceitar o sofrimiento dos soldados de todos os séculos para o benefício privativo das classes dominantes.
O público acha o soldado como um objecto estranho, singular, não frequente, por isso é que gente se junta à volta do soldado, mas ninguém, injustamente, recordará que defendeu a terra que nem sequer possuia.
Deixa-se ver bem que a narrativa de O Soldado de La Ciotat pode ser dividida em três partes, que diferem claramente na linguagem. À medida que a duração da narrativa curta avança, também cresce a sua complexidade linguística. Ao longo do relato aparecem algumas palavras do campo militar, o que dá à história um tom agressivo. A primeira parte vai desde o começo até "um pequena esmola", a segunda parte começa com "Nós atiramos uma moeda" e termina com "o General por trás" e a terceira parte vai de "Mãos Inumeráveis" até o fim.
Imagem do Porto da cidade provençal La Ciotat Fonte: site "franceinfo" |
Inicialmente, Brecht usa principalmente parataxes, isto é, frases curtas, justapostas, sem conjunção coordenativa. O narrador descreve o que vê, o que leva o leitor a personalizar com o narrador.
No entanto, na segunda parte, Brecht usa praticamente apenas hipotaxes, isto é, processo sintáticos consistentes em explicitar por uma conjunção subordinativa ou coordenativa a relação de dependência que pode existir entre duas frases que se seguem num enunciado longo. Nessas compridas frases, Brecht também insere repetidamente frases subordinadas, chamadas de parênteses, que tornam a leitura mais complicada. É surpreendente que Brecht descreva o soldado heróico como "ele" nesta seção, enquanto Brecht na primeira seção usa "ele" para o soldado enterrado. Isso leva Brecht a derivar o que é universal do caso individual. No início da seção, Brecht usa dos genitivos possesivos para deixar claro que os soldados pertencem aos seus governantes e não podem tomar as suas próprias decisões. Mais tarde, Brecht usa o particípio, o que volta a narrativa muito figurativa. Brecht continua comparando vários governantes militares e as suas características típicas para mostrar que o fenômeno da obediência sem malícia é atemporal e geral. No final da seção, Brecht coloca indiretamente as questões que devem estimular o leitor a pensar.
Por fim, na última parte, Brecht usa muitas exclamações, atrás das quais as metáforas estão ocultas, acabando num final abrupto com duas perguntas que podem ser consideradas retóricas ou reais de acordo com o que consideremos.
Dado que Brecht era marxista o texto não pode ser reduzido apenas às áreas militares, embora à posição do cidadão comum frente ao Estado. Assim sendo, o soldado seria uma representação do proletariado (pars pro toto) que, com os seus impostos financia e apoia o Estado e que, em troca está sujeito à arbitrariedade dos governantes.
O texto em alemão foi transcrito de KALENDERGESCHICHTEN, Veröffentlicht im Rowohlt Taschenbuch Verlag GmbH, Hamburg, Januar 1953, mit Genehmigung des Gebr. Weiß Verlages, Berlin, abril de 1975, páginas 81 – 83.
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Depois da Primeira Guerra Mundial, vimos na pequena cidade portuária de La Ciotat, no Sul da França, numa praça pública, por ocasião de ser lançado à água um barco, a estátua de bronze dum soldado do exército francês, em torno do qual a multidão remoinhava. Achegando-nos mais perto descobrimos que era um ser humano vivo, imóvel sobre um pedestal de pedra, coberto por um capote cor de terra, o capacete de aceiro na cabeça e uma baioneta no braço, ao sol quente de junho. O seu rosto e mãos foram pintados com uma pintura de cor de bronze. Não movia um músculo, nem mesmo pestanejava. Aos seus pés, no pedestal, podia-se ver um cartão em que se podia ler:
Monumento aos soldados caídos durante a Primeira Guerra Mundial na Av Liberdade, Lisboa. Obra do escultor Maximiano Alves. Fonte: Wikipédia |
Eu, Charles Louis Franchard, soldado do Primeiro Regimento, adquiri, como resultado de haver estado sepultado em Verdun, a incomum capacidade de permanecer completamente imóvel e me comportar como uma estátua todo o tempo que eu quiser. Esta capacidade foi examinada por muitos professores e caracterizaram-na como sendo uma doença inexplicável. Dêem, por favor, uma pequena esmola a um pai de família sem emprego!
Atiramos uma moeda no prato que estava ao lado do cartão e continuamos o caminho abanando a cabeça.
Eis ele, então pensamos, armado até os dentes, o indestrutível soldado de muitos milhares de anos; ele com quem foi feita a história, ele, que possibilitou todos esses grandes feitos de Alexandre, César, Napoleão, que lemos nos manuais escolares. Eis sem sequer pestanejar. Eis o arqueiro de Ciro, o auriga de Cambises que as areias do deserto não puderam tragar, o legionário de César, o lanceiro de Genghis Khan, o suíço de Luís XIV, o granadeiro de Napoleão I. Possui a habilidade tão incomum de não se fazer notar quando todas os instrumentos possíveis de destruição são usados contra ele. É capaz de permanecer insensível como uma pedra (segundo ele) quando é enviado para a morte. Crivado com lanças das diferentes idades — da pedra, do bronze, do ferro — , esmagado por carros de assalto, dos de Artaxerxes aos do general Ludendorff, pisoteado por elefantes de Aníbal e os esquadrões de cavalos de Átila, fulminado polos estilhaços esvoaçantes dos canhões, cada vez mais aperfeiçoados nos vários séculos, mas também polas pedras lançadas por catapultas, furado polas balas das espingardas, tão grandes como ovos de pomba ou pequenas como abelhas, ele aí está, indestrutível, sempre preparado para cumprir ordens em muitas línguas, mas sempre ignorante do porque e o para quê. As terras que conquistou nunca foram para ele, assim como o pedreiro nunca ocupa a casa que construiu. Nem sequer possuía a terra que defendia. Nem mesmo a sua arma ou o seu equipamento lhe pertence. Mas ele tudo tolera; por cima a chuva mortífera dos aviões e o pez ardente dos muros da cidade; por baixo as armadilhas, a peste e o gás mostarda. Alvo vivente para o carcás de dardos e flechas, lama do tanque; à sua frente o inimigo e atrás de sí o general! Inúmeras mãos teceram o seu gibão, martelaram o seu arnês, talharam o coiro para as suas botas! Nem se contam os bolsos que se encheram à sua costa! Gritos incríveis em todas as línguas do mundo o aplaudiram! Não houve deus que não o abençoasse! A ele que está alcançado pola terrível lepra da paciência, a ele, minado pola doença incurável de insensibilidade!
Que tipo de enterramento, pensamos, é esse que lhe provocou essa doença terrível, monstruosa e altamente contagiosa? Não deveria ser curável, ainda e todo, nos perguntamos?
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Nach dem ersten Weltkrieg sahen wir in der kleinen südfranzösischen Hafenstadt La Ciotat bei einem Jahrmarkt zur Feier eines Schiffsstapellaufs auf einem öffentlichen Platz das bonzene Standbid eines Soldaten der französischen Armee, um das die Menge sich drängte. Wir traten näher hinzu und entdeckten, daß es ein lebendiger Mensch war, der daunbeweglich in erdbraunem Mantel, den Stahlhelm auf dem Kopf, ein Bajonett im Arm, in der heißen Junisonne auf einem Steinsockel stand. Sein Gesicht und seine Hände waren mit einer Brozefarbe angestrichen. Er bewegte keinen Muskel, nicht einmal seine Wimpern zuckten. Zu seinen Füßen an dem Sockel lehnte ein Stück Pappe, auf dem folgender Text zu lesen war:
Ich, Charles Louis Franchard, Soldat im... ten Regiment, erwarb als Folge einer Verschüttung vor Verdun die ungewöhnliche Fähigkeit, vollkommen unbeweglich zu verharren und mich beliebige Zeit wie eine Statue zu verhalten. Diese meine Kunst wurde von vielen Professoren geprüft und als eine unerklärliche Krankheit bezeichnet. Spenden Sie, bitte, einem Familienvater ohne Stellung eine kleine Gabe!
Wir warfen eine Münze in den Teller, der neben dieser Tafel stand, und gingen kopfschüttelnd weiter.
Hier also, dachten wir, steht er, bis an die Zähne bewaffnet, der unverwüstliche Soldat vieler Jahrtausende, er, mit dem Geschichte gemacht wurde, er, der alle diese großen Taten der Alexander, Cäsar, Napoleon ermöglichte, von denen wir in den Schullesebüchern lesen. Das ist er. Er zuckt nicht mit der Wimper. Das ist der Bogenschütze des Cyrus, der Sichelwagenlenker des Kambyses, den der Sand der Wüste nicht endgültig begraben konnte, der Legionär Cäsars, der Lanzenreiter des Dschingis-Khan, der Schweizer des XIV. Ludwig und des I. Napoleon Grenadier. Er besitzt die eben doch nicht so ungewöhnliche Fähigkeit, sich nichts anmerken zu lassen, wenn alle erdenklichen Werkzeuge der Vernichtung an ihm ausprobiert werden. Wie ein Stein, fühllos (sagt er), verharre er, wenn man ihn in den Tod schicke. Durchlöchert von Lanzen der verschiedenen Zeitalter, steinernen, bronzenen, eisernen, angefahren von Streitwagen, denen des Artaxerxes und denen des Generals Ludendorff, zertrampelt von den Elefanten des Hannibal und den Reitergeschwadern des Attila, zerschmettert von den fliegenden Erzstücken der immer vollkommeneren Geschütze mehrerer Jahrhunderte, aber auch den fliegenden Steinen der Katapulte, zerrissen von Gewehrkugeln, groß wie Taubeneier und klein wie Bienen, steht er, unverwüstlich, immer von neuem, kommandiert in vielerlei Sprachen, aber immer unwissend warum und wofür. Die Ländereien, die er eroberte, nahm nicht er in Besitz, so wie der Maurer nicht das Haus bewohnt, das er gebaut hat. Noch gehörte ihm etwa das Land, das er verteidigte. Nicht einmal seine Waffe oder seine Montur gehört ihm. Aber er steht, über sich den Todesregen der Flugzeuge und das brennende Pech der Stadtmauern, unter sich Mine und Fallgrube, um sich Pest und Gelbkreuzgas, fleischerner Köcher für Wurfspieß und Pfeil, Zielpunkt, Tankmatsch, Gaskocher, vor sich den Feind und hinter sich den General! Unzählige Hände, die ihm das Wams webten, den Harnisch klopften, die Stiefel schnitten! Unzählbare Taschen, die sich durch ihn füllten! Unermeßliches Geschrei in allen Sprachen der Welt, das ihn anfeuerte! Kein Gott, der ihn nicht segnete! Ihn, der behaftet ist mit dem entsetzlichen Aussatz der Geduld, ausgehöhlt von der unheilbaren Krankheit der Unempfindlichkeit!
Was für eine Verschüttung, dachten wir, ist das, der er diese Krankheit verdankt, diese furchtbare, ungeheuerliche, so überaus ansteckende Krankheit? Sollte sie, fragten wir uns, nicht doch heilbar sein?
Inclusão | 20/05/2019 |
Última alteração | 24/05/2019 |