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Primeira Edição: ....
Fonte:Resistir.info - https://www.resistir.info/
Transcrição e HTML: Fernando Araújo.
O atentado de Londres pode ser visto como o culminar de uma série de "más notícias" para o império. Elas chegaram durante as últimas semanas e constituem claros sinais da deterioração da "petroguerra". A confrontação iniciou-se há pouco mais de três anos a partir do ataque contra a Torres Gémeas, ainda que seja possível constatar que o aumento vertiginoso dos gastos militares dos Estados Unidos não começou a 11 de Setembro de 2001 e sim muito antes (ver gráfico).
Isto avaliza as hipóteses acerca da cumplicidade activa ou passiva das autoridades estadunidenses com esse factos procurando assim aproveitá-los politicamente. Dito de outra maneira, existe uma dinâmica militarista lançada no fim da presidência de Clinton (guerra do Kosovo) coincidente com o auge da borbulha consumista-bursátil e com sintomas notórios de degradação institucional. Esse primeiro empurrão contribuiu para preparar as condições destinadas à chegada dos neoconservadores ao governo, os quais desencadearam uma segunda borbulha financeira e aceleraram a corrida bélica. Se aprofundássemos a análise deveríamos remontar aos princípios dos anos 1980 quando a presidência de Reagan deu o impulso decisivo ao processo de deterioração da cultura produtiva norte-americana combinado com enormes gastos militares e a emergência de redes de negócios especulativos: o câncer parasitário terminou por fazer a sua grande metástase duas décadas depois.
Podemos destacar três "más notícias" anteriores aos factos de Londres: o avanço esmagador da resistência iraquiana, a vitória eleitoral no Irão da linha dura anti-norteamericana e a expansão da guerrilha afegã. Os referidos acontecimentos marcam uma viragem decisiva no panorama internacional
As declarações triunfalistas em Maio último do vice-presidente Dick Cheney ("a insurgência iraquiana está a dar os seus últimos suspiros") surgem agora como que provenientes de uma passado distante, apenas um mês depois o chefe do Pentágono Donald Rumsfeld assinalava que "a insurgência poderia continuar durante certo número de anos... cinco, seis, sete, oito, 10, 12 anos" para acrescentar linhas a seguir que as autoridades norte-americanas haviam realizado contactos com ela. Ao mesmo tempo circulavam documentos e declarações originadas na CIA ou no alto comando militar (com diversos graus de apoio formal) augurando geralmente um porvir negro para a aventura afegã-iraquiana, desde o general John Abizaid, o chefe militar máximo dos EUA para a Ásia Central e o Médio Oriente, admitindo um incremento decisivo nas operações da guerrilha iraquiana durante o último semestre, até o relatório "secreto" da CIA (mas divulgado pelo New York Times) assinalando o surgimento de uma nova geração de combatentes islâmicos ao longo de todo o mundo muçulmano comparável pela sua magnitude com aquela que nasceu a partir da guerra do Afeganistão nos anos 1980. Daquela vez a guerra santa era dirigida contra os soviéticos mas agora (sobretudo a partir da invasão do Iraque) assume um claro perfil anti-norteamericano.(1)
Na realidade, as declarações de Cheney foram os últimos suspiros de uma campanha mediática tão avassaladora quanto mentirosa. Desde os primeiros meses da ocupação norte-americana era evidente que a resistência se estendia de maneira irresistível e que os ocupantes ao invés de ampliar a sua base social reduziam-na cada vez mais. Este processo deu um verdadeiro salto qualitativo no último trimestre: por um lado tornou-se patente o fracasso na construção de uma polícia militar títere no Iraque, seus recrutas são alvo de ataques devastadores e quando entram em operações costumam evitar o combate ou desertar. Em segundo lugar, e isto é o mais grave, a resistência passou dos pequenos ataques iniciais de duração muito reduzida para grandes operações, prolongadas no tempo, muito bem coordenadas e eficazes: a guerrilha dispersa do ano 2003 é agora uma articulação de exércitos populares solidamente enraizados na população. Um exemplo recente disso foi o ataque maciço em meados de Junho ao quartel policial de Baya'a, o mais importante de Bagdad. Durou cerca de duas horas, em ondas sucessivas e mostrando uma férrea disciplina várias centenas de combatentes (talvez um milhar) mantiveram em xeque as forças estadunidenses e os seus subordinados iraquianos. É o passo inevitável, bem conhecido na história da guerra de guerrilhas, das pequenas unidades de combate que fustigam o inimigo para grandes estruturas que travam verdadeiras batalhas.(2) No plano iraquiano as forças ocupantes parecem isoladas da população numa atitude estratégica defensiva e sem poder consolidar um subsistema de poder local minimamente estável. Frente a elas, a guerrilha torna-se exército, poder. Coincidindo com isto, no território norte-americano os inquéritos de opinião começam a mostrar que o grosso dos seus habitantes oscila entre o pessimismo em relação ao futuro da guerra até à exigência da retirada das tropas.
A segunda má notícia também chegou do Médio Oriente. Uma peça decisiva da estratégia de ocupação do Iraque foi a manipulação de rivalidades étnicas (seguindo o modelo iuguslavo), sendo um dos objectivo centrais obter a cumplicidade de uma porção importante do xiitas pondo-os em choque com os sunitas, considerados a base principal da resistência. Mas os xiitas iraquianos têm a sua retaguarda cultural no Irão onde o xiismo protagoniza um processo revolucionário há um quarto de século. Além disso, em 2003 os falcões de Washington aspiravam replicar no Irão a sua vitória militar no Iraque, mas com o correr do tempo essas ilusões foram-se esfriando à medida que se afundavam no pântano iraquiano. Entretanto continuaram a hostilizar o Irão acreditando que assim acabariam por dobrar o governo moderado do presidente Khatami, representante da alta burguesia local, especialmente na sua política energética, mas obrigando-o também a pressionar os xiitas iraquianos a que se submetessem à estratégia do ocupante. Mas o prolongamento do massacre colonial no Iraque somado às fanfarronadas imperiais contra o Irão contribuíram de maneira decisiva não para amedrontar os iranianos, como supunham certos estrategas da Casa Branca, e sim para enfurecê-los contra o Império. A vitória eleitoral do futuro presidente Mahmud Ahmadineiad, expressão da radicalização dos sectores mais pobres, do país profundo, arvorando as bandeiras originais da revolução islâmica, de Khomeini, claramente anti-norteamericanas, significa um duro revés para os Estados Unidos, não só na sua política para o Golfo Pérsico como também na sua estratégia petrolífera global. Não é casual que uma das primeiras felicitações recebidas por Ahmadinejad tenha sido a enviada por Hugo Chavez.(3)
A terceira má notícia chegou do longinquo Afeganistão, quase "esquecido" pelos meios internacionais de comunicação. Ali, segundo nos explicavam certos avaliadores ocidentais, a colonização tendia a estabilizar-se, a resistência (em especial aquela conduzida pelos talibans) estava a caminho da extinção. Mas essas análises eram falsas. Ao longo do segundo trimestre deste ano o Afeganistão reapareceu nas grandes publicações e écrans de televisão do Ocidente com frequência cada vez maior. À multiplicação das operações da resistência, crescentemente mortíferas, as forças de ocupação tentam, sem grande êxito, contrapor-se com abundância de massacres de população civil (os famosos "danos colaterais" ). Alguns peritos no tema não têm dúvida em falar da "iraquização" da guerra afegã(4), ou seja: a emergência de uma guerrilha tecnicamente eficaz e descentralizada, contando com apoio activo da população e o desconcerto dos invasores e do seu governo títere local.
Com a chegada de Bush à Casa Branca foi elaborada a teoria de que a superpoderosa potência militar norte-americana era capaz de ganhar duas guerras importantes ao mesmo tempo. A experiência iraquiana demonstra que o império não pode enfrentar nem uma só guerra prolongada na periferia. Se a esse fracasso somar-se uma segunda frente de grande envergadura (e as notícias provenientes do Afeganistão assinalam que isso poderia vir a suceder) é muito provável que num futuro não muito distante vejamos os falcões em sérios apuros.
As três más notícias foram mais que completadas por uma quarta: o 7 de Julho de 2005. O atentado de Londres, pouco mais de um ano depois do acontecido em Madrid, está a marcar um facto novo: o fim da impunidade colonial. Nas guerra coloniais do passado (desde a conquista da América até a guerra do Vietnam) as metrópoles podiam continuar com sua vida pacífica normal enquanto as suas tropas massacravam os povos periféricos. Mas o século XX não transcorreu em vão: os processos de independência e recuperação ou recriação de identidades culturais na periferia, a interpenetração global (comunicacional, industrial, financeira, comercial, migratória, etc) e logo a marginalização e o esmagamento dos povos pobres do planeta (ainda que submetidos a uma modernização intensa) foram criando uma realidade diferente onde os mais oprimidos ao mesmo tempo que vêm agravada a sua situação percebem que podem rebelar-se e estender sua mão até o centro imperial do mundo. Através de redes humanas complexas os "danos colaterais" e outras humilhações coloniais ocorridas num rincão remoto do Iraque, do Afeganistão ou da Palestina podem agora ser respondidos no coração do território imperial, desapareceram as inibições culturais e os bloqueios técnicos que o impediam no passado. Ao ocorrer isto as populações dos países ricos descobrem que a guerra colonial produze uma espécie de "efeito boomerang" que leva a violência até a sua própria casa, por outras palavras, a guerra colonial vai deixando de ser o que era, uma guerra no "outro mundo", subdesenvolvido, ou seja, uma subguerra assimétrica, para converter-se em guerra integral onde ambos os espaços, o imperial e o colonizado, constituem teatros de operações militares.
Os espanhóis tiraram as suas conclusões acerca disto de modo imediato quando, logo após os atentados de Madrid, acabaram com o governo de Aznar e impuseram a retirada das suas tropas do Iraque. A paz foi a sua resposta.
A evolução da "petroguerra" começa a causar impacto na economias dos países centrais e, a partir dali, no resto do mundo. A conexão entre as "más notícias" enumeradas e o aumento do preço do petróleo é evidente. Trata-se de factores da conjuntura que agravam, convergem, com uma tendência pesada do sistema global em direcção ao tecto máximo de produção de petróleo que estamos a ponto de alcançar e a partir do qual a economia mundial enfrentará a seguinte opção: continuar a crescer para espatifar-se com o colapso energético ou retardar o referido colapso com taxas de crescimento económico próximas do zero ou negativas. Mas para que esta última alternativa seja socialmente viável e não derive numa explosão de caos e desemprego seria necessário introduzir mudanças revolucionárias na economia e na cultura que excederiam em muito as possibilidades do capitalismo, da sua lógica de rentabilidade a qualquer custo. O bloqueio energético global era tecnicamente previsível desde há mais de três décadas quando a hipótese de King Hubbert restrita à exploração petroleira nos Estados Unidos começou a ser cuprida (a superpotência iniciou o seu declínio como produtor de petróleo) e a sua extrapolação à produção mundial assinalava que o máximo seria alcançado entre a primeira e a segunda década do século XXI a partir do qual se instalaria a penúria energética. Mas as vias alternativas de poupança energética e a introdução de novas fontes de energia (solar, eólica, biotecnologia, etc) puderam desenvolver-se de maneira muito limitada, não só devido a dificuldades tecnológicas (superáveis a longo prazo) como basicamente à sua não adaptabilidade à dinâmica de acumulação do capital, suas taxas de lucro, seu ritmo crescente de inovação e incremento da produtividade, sua cultura de consumo, etc.
O actual afundamento militar do Império traz ou trará também a curto prazo outras consequências negativas para o sistema, dentre elas a baixa persistente do dólar, resultado dos desajustes fiscais e comerciais dos Estados Unidos, e a desaceleração da euforia consumista no referido país, único mega motor da procura global. Desse modo a solução neoconservadora (militarista) à decadência do Império torna-se um catalisador da mesma. A crise segue seu curso.
Notas de rodapé:
(1) Pepe Escobar, Asia Times; "Iraq, the new Afghanistan" (Jun 24, 2005) e "The first, not the last throes" (Jun 25, 2005). (retornar ao texto)
(2) ibid. (retornar ao texto)
(3) M.K. Bhadrakumar, "Left, Right: Iran and Venezuela in lockstep", Asia Times, Jul. 8 2005. (retornar ao texto)
(4) Goinaz Esfandiari, "Afghanistan, Iraq-style", Asia Times, Jul. 13 2005. (retornar ao texto)