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Primeira Edição: O “Programa e objeto da organização revolucionária dos Irmãos Internacionais” foi escrito no outono de 1868, sendo uma parte de um documento mais amplo (os “Estatutos secretos da Aliança”).
Fonte: Última Barricada - https://ultimabarricada.wordpress.com/2018/12/16/estatutos-secretos-da-alianca-programa-e-objeto-da-organizacao-revolucionaria-dos-irmaos-internacionais-outono-1868/
Tradução: Última Barricada a partir do original francês em Fondation Besnard - http://www.fondation-besnard.org/
Transcrição e HTML: Fernando Araújo.
Nota do apresentador em Fondation Besnard:
Visivelmente este texto é como um complemento de “Programme de la Societé de la Revolución internacionale” do mesmo ano. Pode ver-se que Bakunin propõe a forma federativa de comunas, três anos anos da Comuna de Paris.
1. Os princípios desta organização são os mesmos do programa da Aliança Internacional da Democracia Socialista. Eles estão ainda mais explicitamente expostos, em relação às questões da mulher, da família religiosa e jurídica e do Estado, no programa da democracia socialista russa.
O bureau central de qualquer modo prevê dar em breve um desenvolvimento teórico e prático mais completo.
2. A Associação dos Irmãos Internacionais quer a revolução universal, social, filosófica, económica e política ao mesmo tempo, para que da ordem atual das coisas, fundada sobre a propriedade, a exploração, a dominação e o princípio da autoridade – seja esta religiosa, metafísica ou burguesmente doutrinária, ou mesmo jacobinamente revolucionária – não reste em toda a Europa primeiro, e depois no resto do mundo, pedra sobre pedra. Ao grito de paz para os trabalhadores, liberdade a todos os oprimidos e morte aos dominadores, exploradores e tutores de toda a espécie. Queremos destruir todos os estados e todas as igrejas, com todas as suas leis e instituições religiosas, políticas, jurídicas, financeiras, policiais, universitárias, económicas e sociais, de modo que todos estes milhões de pobres seres humanos enganados, escravizados, atormentados e explorados, já libertos de todos os seus diretores e benfeitores oficiais e oficiosos, associações e indivíduos, possam enfim respirar em completa liberdade.
3. Convencidos de que o mal individual e social reside muito menos nos indivíduos do que na organização das coisas e nas posições sociais, seremos humanos tanto pelo senso de justiça como pelo cálculo de utilidade, e destruiremos sem piedade as posições e as coisas para podermos, sem perigo para a Revolução, poupar os homens. Negamos o livre arbítrio e o pretenso direito da sociedade de punir.(1) A própria justiça, tomada no sentido humano mais amplo, não é senão uma ideia por assim dizer negativa e de transição; ela indica apenas a única via possível da emancipação humana, isto é, de humanização da sociedade pela liberdade na igualdade. A solução positiva só poderá ser dada pela organização cada vez mais racional da sociedade. Esta solução tão desejada, o nosso ideal, é a liberdade, a moralidade, a inteligência e o bem-estar de cada um pela solidariedade de todos – a humana fraternidade.
Todo o indivíduo humano é o produto involuntário dum meio natural e social em cujo seio ele nasce e se desenvolve, e do qual continua a sofrer a influência. As 3 grandes causas de toda a imoralidade humana são: a desigualdade, tanto política como económica e social; a ignorância, que é o seu resultado natural; e a sua consequência necessária – a escravidão.(2)
Sendo sempre e em toda a parte a organização da sociedade a única causa dos crimes cometidos pelos homens, é uma hipocrisia ou um absurdo evidente da parte da sociedade punir os criminosos, sendo que toda a punição supõe a culpabilidade e os criminosos nunca são culpados. A teoria da culpabilidade e da punição provém da teologia, isto é, do casamento do absurdo com a hipocrisia religiosa.
O único direito que podemos reconhecer à sociedade no seu atual estado de transição é o direito natural de assassinar os criminosos produzidos por ela própria, no interesse da sua própria defesa, e não o de os julgar e condenar. Tal não será sequer um direito na acepção estrita da palavra; será antes um facto natural, penoso mas inevitável, firmado e produzido pela impotência e a estupidez da sociedade atual; e quanto mais a sociedade souber evitar dele servir-se, mais próxima estará da sua real emancipação. Todos os revolucionários, os oprimidos, as vítimas sofredoras da atual organização da sociedade, e cujos corações estão naturalmente cheios de vingança e de ódio, devem bem recordar-se que os reis, os opressores, os exploradores de todo o tipo, são tão culpados quanto os criminosos da massa popular: são malfeitores mas não culpados, uma vez que são, também eles, como os criminosos comuns, produtos involuntários da atual organização da sociedade. Não devemos espantar-nos se num primeiro momento o povo insurreto matar muito – será uma infelicidade invevitável, tão fútil quanto os estragos causados por uma tempestade.
Mas este facto natural não será nem moral nem mesmo útil. A este respeito a história está cheia de ensinamentos: – a terrível guilhotina de 1793, que não pode ser acusada de preguiça ou de lentidão, não chegou a destruir a classe nobliárquica em França. A aristocracia foi, se não completamente destruída, pelo menos profundamente abalada, não pela guilhotina mas pelo confisco e a venda das suas propriedades. E em geral pode dizer-se que as carnificinas políticas nunca mataram partidos; elas têm-se mostrado impotentes contra as classes privilegiadas, pois o poder reside muito menos nos homens do que nas posições que os homens privilegiados ocupam na organização das coisas, isto é, a instituição do Estado e a sua consequência, bem como a sua base natural, a propriedade individual.
Para fazer uma revolução radical, devemos portanto atacar as posições e as coisas, destruir a propriedade e o Estado; de modo que não precisaremos de destruir os homens e nos condenarmos à reação infalível e inevitável que nunca deixou nem deixará de produzir, em cada sociedade, o massacre dos homens.
Mas para termos o direito de ser humanos para com os homens, sem perigo para a revolução, deveremos ser impiedosos para com as posições e as coisas; devemos destruir tudo e, acima de tudo e antes de tudo, a propriedade e o seu corolário inevitável – o Estado. Eis todo o segredo da revolução.
Não é de surpreender que os Jacobinos e os Blanquistas que se tornaram socialistas mais por necessidade do que por convicção, e para quem o socialismo é um meio e não o fim da Revolução – uma vez que querem a ditadura, isto é, a centralização do Estado –, e que o Estado os levará por uma necessidade lógica e inevitável à reconstituição da propriedade, é muito natural, dizemos nós, que não querendo fazer uma revolução radical contra as coisas, eles sonhem com uma revolução sanguinária contra os homens. Mas esta revolução sanguinária, baseada na construção dum Estado poderosamente centralizado, teria por resultado inevitável, como provaremos mais tarde, a ditadura militar com um novo chefe. Portanto, o triunfo dos Jacobinos ou dos Blanquistas seria a morte da Revolução.
4. Somos os inimigos naturais destes revolucionários – futuros ditadores, reguladores e tutores da revolução – que, antes mesmo que os Estados monárquicos, aristocráticos e burgueses atuais sejam destruídos, sonham já com a criação de novos Estados revolucionários, tão centralizadores e mais despóticos que os Estados que hoje existem; que possuem um tão grande hábito da ordem criada por uma qualquer autoridade de cima e um tão grande horror do que lhes parece desordem e que mais não é do que a franca e natural expressão da vida popular; que antes mesmo que uma boa e salutar desordem seja produzida pela revolução, sonham já com o fim e a mordaça pela ação duma qualquer autoridade que da revolução só terá o nome, mas que de facto não será mais do que uma nova reação, pois será de facto uma nova condenação das massas populares, governadas por decretos, à obediência, à imobilidade, à morte, isto é, à escravidão e à exploração por uma nova aristocracia quasi-revolucionária.
5. Entendemos a revolução no sentido do desencadeamento do que hoje se chama as más paixões e da destruição do que na mesma linguagem se chama “ordem pública”.
Nós não tememos, nós invocamos a anarquia, convencidos de que desta anarquia, isto é, da manifestação completa da vida popular desencadeada, deve sair a liberdade, a igualdade, a justiça, a nova ordem e a própria força da Revolução contra a Reação. Esta nova vida – a revolução popular – sem dúvida não demorará a organizar-se, mas ela criará a sua organização revolucionária de baixo para cima e da circunferência ao centro, de acordo com o princípio da liberdade, e não de cima para baixo, nem do centro à circunferência de acordo com a moda de toda a autoridade – pois pouco nos importa se essa autoridade se chama Igreja, Monarquia, Estado constitucional, República burguesa ou mesmo ditadura revolucionária. Detestamos e rejeitamos todas a igual título, enquanto fontes infalíveis de exploração e de despotismo.
6. A revolução tal como a entendemos deverá desde o primeiro dia destruir radical e completamente o Estado e todas as suas instituições. As consequências naturais e necessárias desta destruição serão:
7. Não pode haver revolução política ou nacional triunfante a menos que a revolução política se transforme em revolução social e que a revolução nacional, precisamente pelo seu caráter radicalmente socialista e destrutivo do Estado, se torne revolução universal.
8. Sendo que a revolução deverá ser feita em toda a parte pelo povo, a suprema direção – devendo permanecer sempre no povo organizado em federação livre de associações agrículas e industriais, organizando-se de baixo para cima por via da delegação revolucionária e abraçando todos os países insurretos em nome dos mesmos princípios, sem levar em conta as velhas fronteiras e as diferenças de nacionalidades –, terá por objeto a administração de serviços públicos e não o governo dos povos. Constituirá a nova pátria, a Aliança da Revolução Universal contra a Aliança de todas as reações.
9. Esta organização exclui toda a ideia de ditadura e de poder dirigente tutelar. Mas para o próprio estabelecimento desta aliança revolucionária e para o triunfo da revolução contra a reação, é necessário que no meio da anarquia popular, que constituirá a própria vida e toda a energia da revolução, a unidade do pensamento e da ação encontre um órgão. Esse órgão deve ser a Associação Secreta e Universal dos Irmãos Internacionais.
10. Esta associação parte da convicção de que as revoluções nunca são feitas nem pelos indivíduos nem mesmo pelas sociedades secretas. Elas fazem-se a si mesmas, produzidas pela força das coisas, pelo movimento dos eventos e dos factos. Elas preparam-se durante muito tempo no fundo da consciência instintiva das massas populares – depois explodem, muitas vezes suscitadas aparentemente por causas fúteis. Tudo o que pode fazer uma sociedade secreta bem organizada é, primeiro, ajudar ao nascimento duma revolução espalhando nas massas ideias correspondentes aos seus instintos e organizar, não o exército da revolução – o exército deve ser sempre o povo – mas uma espécie de estado-maior revolucionário composto de indivíduos devotados, enérgicos, inteligentes e sobretudo amigos sinceros, e não ambiciosos nem vaidosos, do povo, capazes de servir de intermediários entre a ideia revolcionária e os instintos populares.
11. O número destes indivíduos não deve portanto ser imenso. Para a organização internacional em toda a Europa cem revolucionários forte e seriamente aliados são suficientes. Duas, três centenas de revolucionários bastarão para a organização do maior país.
Notas finais do apresentador em Fondation Besnard::
(1) No “Programa da Sociedade da Revolução” de 1868, lê-se: “II. Negação do livre arbítrio e do direito da sociedade de punir” (retornar ao texto)
(2) No “Programa da Sociedade da Revolução Internacional” de 1868, lê-se: “– As quatro grandes causas de toda a imoralidade são:
Observa-se que Bakunin deixou de parte o primeiro ponto que raramente impediu as insurreições populares. (retornar ao texto)