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Ao receber a incumbência de fazer uma palestra, nesta série organizada pelo MATP, logo me acudiu o seguinte assunto: a imprensa operária no Brasil. Pareceu-me que seria de não pouco interesse lembrar os predecessores da nossa Tribuna Popular, isto é, os jornais que no passado se consagravam, de uma forma ou de outra, à obra histórica de esclarecimento das massas trabalhadoras e de luta pelo progresso do Brasil.
Evidentemente, não caberia nos limites de uma simples conversa entre amigos, como a que estou fazendo, traçar a história da imprensa operária em nosso país. A matéria daria para todo um curso ou para um livro, que seria ao mesmo tempo uma verdadeira história do movimento operário brasileiro, desde os meados do século passado até os dias de hoje. Devo restringir-me. por conseguinte, a algumas indicações mais significativas, valendo-me. para tanto, dos dados colhidos cm pacientes pesquisas por Maurício Vinhas de Queiroz, e também, no tocante a datas mais recentes, da minha própria memória.
O jornal mais antigo, que nos pode interessar aqui, intitulava-se O Socialista da Província do Rio de Janeiro, publicado em Niterói, a partir de 1 de agosto de 1845. Saía de três em três dias, e a sua coleção, não sei dizer se completa, se encontra na Biblioteca Nacional, em perfeito estado, impresso em papel de qualidade superior ao dos jornais de hoje. Em seu número inaugural, é assim definida a significação da palavra que lhe serve de título:
“O vocábulo — Socialista — sob cuja denominação sai hoje à luz a nossa folha, define exuberantemente o objetivo principal com que ela é publicada: a conservação e melhora do pouco de bom que existe entre nós; a extirpação de abusos e vícios provenientes da ignorância, falsa educação e imitação sem critério; a introdução de novidades do progresso universal; enfim, todo o aperfeiçoamento de que for suscetível a sociedade, provincial, nacional e universal, quer na parte moral, quer na material, em que naturalmente está dividida a morada humana no mundo terreno. Assim, pois, o Socialista tratará de agronomia prática, economia social, didática jacobista, política preventiva e medicina doméstica, e sobretudo do Socialismo, ciência, novamente explorada, da qual basta dizer que seu fim é ensinar os homens a se amarem uns aos outros”.
[... Faltando no original] cia socialista, desde Fourier, progride a passos agigantados...”
Estas coisas, escritas e publicadas em Niterói, no ano de 1845, convenhamos que são na realidade surpreendentes. Mas outra coisa me surpreendeu também, ao folhear a coleção d’O Socialista da Província do Rio de Janeiro — o fato de ter parado no 3º número do periódico a propaganda das ideias socialistas, enchendo-se as suas páginas quase que inteiramente, daí por diante, com os debates travados na Assembleia Legislativa da Província. Que teria acontecido? Não sei, e só alguma pesquisa mais demorada poderia talvez responder à indagação. Como não há tempo para tal pesquisa, passemos adiante.
No Recife encontraremos, pela mesma época, outro periódico de tendência socialista. Intitulava-se O Progresso, e apareceu como publicação mensal, em forma de revista, tendo saído o 1º número em julho de 1846 e o 11º e último em setembro de 1848. Era seu editor Antônio Pedro de Figueiredo, professor adjunto do Liceu de Pernambuco. Alfredo de Carvalho, historiador da imprensa pernambucana, refere-se à formação mental de Figueiredo, familiarizado com as teorias econômicas de Saint Simon, Fourier e Owen.
O Progresso era um periódico que correspondia plenamente ao seu título, e refletia com fidelidade o pensamento progressista do seu diretor, homem arguto e bem informado acerca dos problemas econômicos e políticos do seu tempo. As tendências socialistas reveladas em seus artigos decorrem, naturalmente, da sua receptividade às ideias de Fourier, Saint-Simon, Owen e outros da mesma natureza.
Cabe aqui lembrar o nome do engenheiro francês Vauthier, que viveu no Recife, de 1840 a 1846, contratado pelo governo da Província para dirigir as obras públicas da capital pernambucana. Vauthier era um adepto fervoroso de Fourier, e como tal exerceu não pequena influência nos meios em que vivia, conforme se pode verificar do seu diário íntimo, editado pelo Sr. Gilberto Freyre, que também lhe dedicou um livro, onde se lê:
“Vauthier concorre para a irradiação das ideias socialistas francesas nesta parte da América. Empresa livros. Indica autores. Assina gazetas. Consegue assinantes para revistas francesas. Há que associar à sua ação a voga de Saint-Simon, de Fourier, de Owen, no Recife intelectual da época”.
Digamos, por fim, que Vauthier foi colaborador assíduo da revista de A.P. de Figueiredo.
Já vimos que o “socialismo” d'O Socialista da Província do Rio de Janeiro durou muito pouco, embora o jornal sobrevivesse até... Mais importante, sem dúvida, foi O Progresso, como expressão do que podia haver de mais progressista na imprensa brasileira de meados do século XIX. Mas nem O Socialista de Niterói, nem O Progresso do Recife foram publicações operárias. Não o poderiam ser, tampouco, visto que a própria classe operária como tal mal começava a formar-se entre nós.
O primeiro jornal realmente operário, feito por operários, que se publicou no Brasil, foi o Jornal dos Tipógrafos. Sua importância histórica não resulta apenas do fato de ter sido o primeiro, mas sim do fato de ter surgido como um órgão de luta operária, como o porta-voz de trabalhadores em greve.
Maurício Vinhas de Queiroz contou a história do Jornal dos Tipógrafos, em artigo muito interessante aparecido na Revista do Povo. Resumirei os dados contidos nesse artigo.
Os maiores jornais do Rio, na época em que ocorreu a greve, eram o Diário do Rio de Janeiro, o Correio Mercantil e o Jornal do Comércio. Os operários gráficos, que trabalhavam nas oficinas desses jornais, pediram um pequeno aumento nos respectivos salários. Os patrões, depois de protelarem a resposta durante um mês inteiro, acabaram negando o modesto pedido. Esta resposta negativa foi dada a 8 de janeiro de 1858. No dia seguinte, 9 de janeiro, nenhum jornal saiu à rua. Mas os grevistas não se limitaram a abandonar as oficinas onde trabalhavam. Não: reuniram-se, recorreram a todos os recursos disponíveis e resolveram publicar o seu próprio jornal. Era seu intuito não deixar o público em falta e ao mesmo tempo utilizar o novo órgão como instrumento de defesa na luta que haviam iniciado. Saiu assim o 1º número do Jornal dos Tipógrafos no domingo, 10 de Janeiro de 1858.
A luta, nada fácil, como se pode imaginar, prolongou-se durante pelo menos dois meses, segundo é de supor à vista da coleção de 60 números publicados diariamente pelo Jornal dos Tipógrafos. Os patrões lançaram mão de todos os meios para liquidar o movimento: a polícia, o ministro da Justiça, o ministro da Fazenda, a Imprensa Nacional, o suborno, a intriga, a difamação, e acabaram vencendo; mas a resistência e a combatividade dos grevistas ainda hoje constituem motivo de admiração, levando-nos a recordar o fato como um dos mais gloriosos episódios da história das lutas operárias em nossa terra.
No artigo de Maurício Vinhas de Queiroz, que estou resumindo, ressalta-se, com toda a razão, que a greve de 1858, tal qual se desenrolou, teria sido impossível se não fosse a existência, já então, de uma organização profissional dos tipógrafos, a Imperial Associação Tipográfica Fluminense, fundada desde 1853, e certamente um dos primeiros agrupamentos operários surgidos no país. Era uma associação de caráter mutualista, com finalidades meramente beneficentes; mas o próprio fato da organização dos operários, unidos pelo sentimento de solidariedade profissional, levava-os, por sua vez, pela natureza mesma do desenvolvimento associativo, a uma consciência de classe cada vez mais clara. A greve, ação de classe, produziu o “momento” necessário à manifestação prática da consciência. A Associação Tipográfica possuía em caixa a importância de 12 contos de réis, destinados normalmente aos fins de beneficência associativa. Pois bem, a Associação empregou 11 contos — quantia elevada para a época e que representava quase todo o seu patrimônio em dinheiro — na manutenção do Jornal dos Tipógrafos. De órgão limitado a simples atividade mutualista, a Associação adquiria de pronto o caráter de legítima representante dos interesses de classe.
Não por acaso estampava o Jornal dos Tipógrafos, em artigo escrito em plena batalha, as palavras que se seguem:
“Já é tempo de acabarem as opressões de toda a casta; já é tempo de se guerrear por todos os meios legais toda exploração do homem pelo mesmo homem.”
Compreende-se que os operários gráficos, trabalhando em tipografias e fazendo jornais para os outros, tenham sido os primeiros a pensar em fazer jornais para a própria classe. Depois da admirável experiência do Jornal dos Tipógrafos, e passados quase dez anos, coube ainda aos gráficos a iniciativa de um periódico operário: O Tipógrafo, publicado aqui no Rio nos anos de 1867 a 1868. Encontramos outro título de jornal, em 1881, provavelmente feito também por tipógrafos: Gutemberg. E, já nas vésperas da República, em 1888, apareceu a Revista Tipográfica, que alcançou o novo regime. Em artigo assinado por seu diretor, Luiz de França, no qual se encarecia a necessidade de se organizar o partido operário brasileiro, lemos estas informações:
“Só em uma província do ex-Império do Brasil organizou-se um partido operário que tem conseguido eleger vereadores e deputados à Assembleia provincial. É o Rio Grande do Sul. Em Porto Alegre tem a sua sede o Partido Operário e em quase todas as localidades da província existem núcleos...”
Com o título O Trabalho, as fichas existentes na Biblioteca Nacional indicam 3 periódicos publicados antes do advento da República, ou sejam respectivamente, o primeiro de 1868 a 1873, denotando uma certa estabilidade, o segundo em 1879 e o terceiro em 1881. Do segundo menciona o Sr. Gondim da Fonseca, no seu livro Biografia do Jornalismo Carioca, que era uma
“revista histórica, literária e científica de artes e ofícios, exclusivamente consagrada aos interesses das classes operárias.”
Mais importante, porém, foi a Gazeta dos Operários, jornal diário de propriedade de operários, publicado em 1875. Tratava das más condições de vida dos trabalhadores dos arsenais, combatia o aumento do preço do pão, explicava a razão das greves. De um artigo estampado em seu número 17 são as seguintes palavras:
“Em quase todo o universo começa a erguer-se, se bem que vagaroso mas robusto, o proletariado; os operários, os filhos do trabalho, reclamam o lugar que de direito compete-lhes ocupar no todo social e que por tanto tempo lhes tem sido extorquido e daí nasce a maior barreira, a maior das lutas — negação do direito...”
A Gazeta dos Operários durou pouco.
De 1877 a 1878 publicou-se O Proletário, em 1881 O Operário e a Gazeta Operária, em 1883 O Artista e em 1885 o Jornal dos Alfaiates. Desses, O Artista é o que revela um conteúdo político mais definido, como se pode verificar na leitura do seu programa, do qual destacarei os seguintes trechos:
“Com todo o talento compatível com as condições de seus redatores, tratará de todas as questões momentosas que afetam a vida e o bem-estar da sociedade e em particular a condição do operário e do povo — máquina que ainda não se elevou à altura do princípio agente e dirigente. Tomará como tema de seus artigos editoriais, entre outras, as questões que têm relação com o elemento servil, a questão do trabalho nos arsenais e oficinas do Estado e particulares, reformas do sistema de instrução, sistema eleitoral, a ciência, as artes e a indústria...”
“O Artista fraternizará com todas as grandes ideias que atualmente trabalham em nosso meio social e tendem a melhorar o estado em que jazemos, e com o abolicionismo, principalmente, que nos dará melhores dias em um futuro não longe.”
Referindo-se à “imprensa sadia” daquele tempo, O Artista afirmava o seguinte, em artigo no seu número 11:
“A imprensa, potência poderosa e útil, muitas vezes, porém, hoje quase toda ao serviço do poder e da riqueza, não deixa um só dia de dizer em linguagem mais ou menos lastimosa, que as convulsões, agitando todos os países da Europa, onde uma má forma de governo e um péssimo sistema econômico têm acumulado causas e organizado elementos, são obra de petroleiros, comunistas, internacionalistas, niilistas, da mão negra, etc.; que esses ferozes partidários querem destruir todas as conquistas do trabalho, da ciência, o trono, o altar e a riqueza. Adula os poderosos, falta à verdade, nega a luz da história essa imprensa que assim se prostitui.”
Por onde se vê que a sem-vergonhice é coisa velha na imprensa reacionária.
O índice cronológico de jornais cariocas, que se encontra no livro do Sr. Gondim da Fonseca, menciona O Socialista com a data de 1878. Antes, porém, saíram a lume outros periódicos, cujo teor pode ser avaliado pelos respectivos títulos: A Revolução Social em 1876, A Barricada em 1877, O Carbonário em 1881, A Revolução em 1881 -1882, O Nihilista, em 1882-1883, declarando-se este último “órgão dos operários do Exército e da Armada”. É de supor que se referia aos operários dos arsenais de guerra e da marinha.
Com a abolição da escravatura e o advento de República, o movimento operário brasileiro alcança um certo grau de independência, ganhando corpo e ampliando-se, principalmente nos centros urbanos mais importantes. Os periódicos operários crescem de importância e são um reflexo vivo do progresso que se vai acentuando, de ano para ano, nas organizações corporativas e nas lutas de classe, greves e reivindicações, sustentadas não raro com extraordinária bravura e tenacidade. Repetem-se, no Rio, em São Paulo e noutros pontos do país, as tentativas de organização partidária socialista. Mas já nos primeiros anos deste século, as tendências anarquistas e anarcossindicalistas, favorecidas pelas próprias condições econômicas do país, em que predominam formas artesanais de trabalho, começam a penetrar nos centros operários e também em certos meios intelectuais e pequeno-burgueses.
E o que se passa no Rio de Janeiro repete-se por todo o país, em maior ou menor escala, conforme as condições locais de desenvolvimento econômico e político. Já me referi, de início, a O Socialista de Niterói e a O Progresso do Recife. Os dados de que dispomos mostram que depois da República, principalmente, os periódicos operários multiplicaram-se por toda a parte, desde o Amazonas até o Rio Grande do Sul. Citarei apenas alguns mais característicos, que apareceram antes de 1908:
Do Amazonas se conhece apenas um — O Operário, publicado no ano de 1892, em Manaus. Em Belém do Pará surgiram vários, entre 1889 e 1907, entre os quais A Confederação Artística, “órgão das classes operárias”, em 1888-1889, O Trabalho, semanário que durou de 1901 a 1907, e O Socialista, “órgão democrático da confraternização operária”, de que saíram dois números anuais, no dia 12 de maio de 1906 e 1907. No Maranhão publicava-se em 1908, o Jornal dos Artistas, “órgão dos interesses operários”. O título O Artista, muito usado até certo tempo, se encontra na cidade do Crato, no Ceará, em 1891, na Paraíba em 1893-1894 e no Piauí em 1902. A Fênix Caixeiral, órgão da antiga associação do mesmo título existente em Fortaleza, começou a sua publicação em 1893.
Em Maceió, onde havia em 1870 uma Associação Tipográfica Alagoana de Socorros Mútuos, de que era órgão O Século XIX, publicou-se O Proletário, no ano de 1902, com a seguinte legenda: “Proletários de todos os países, uni-vos!” A mesma legenda se repetiu numa folha comemorativa, que saiu a 11 de Novembro de 1905 — Os Mártires de Chicago. Ainda em Maceió publicou-se O Trabalho, em 1904, tendo como um dos seus redatores o operário Virgílio de Campos, que eu conheci pessoalmente aqui no Rio, durante o Congresso Sindical de 1913. Em Aracaju o título O Operário aparece duas vezes, em 1891 e 1896, nesta última data como "órgão da União Operária Sergipana".
Pernambuco, naturalmente, apresenta a maior e mais importante quantidade de periódicos operários. De anos anteriores à República, devemos lembrar A Locomotiva, órgão de uma associação beneficente de empregados da Companhia de Trilhos Urbanos do Recife a Olinda e Beberibe, publicado em 1872, e O Operário, de 1879, que estampava como legenda as seguintes palavras de Lemercier:
— "A legislação civil deve abandonar os princípios do direito romano e do direito feudal para apoiar-se nas doutrinas da filosofia moderna".
Depois da República apareceram no Recife, entre outros, a Gazeta dos Operários em 1890; O Socialista, órgão do Centro Social do Estado de Pernambuco, número único em 8 de Maio de 1898: O Clarim Social, mensário consagrado à propaganda do socialismo, em 1900; Aurora Social, órgão do Centro Protetor dos Operários do Recife, de 1901 a 1907.
As informações escasseiam da Bahia para baixo, relativamente ao período que temos em vista. Podemos apontar A Voz do Operário, órgão do Centro Operário da Bahia, em 1894. De Minas, em datas não mencionadas, citaremos: “O Socialista”, em Ouro Preto e São José do Paraíso; e com o mesmo título O Operário vários periódicos em numerosas cidades, a começar por Belo Horizonte. No Estado do Rio, havia O Operário, órgão de Centro Operário de Campos, em 1895; e depois, não sei em que cidade, o Avante! em 1904 e novamente O Operário em 1909.
De São Paulo, a informação mais antiga que pudemos colher, aliás do maior interesse, é a da revista Questão Social, que se publicava em Santos aí por volta de 1895. Um dos seus redatores era o Dr. Silvério Fontes, médico estimadíssimo naquela cidade, pai do poeta Martins Fontes. Através de Questões Social ficamos sabendo que [... falha no orginial]
[... falha no orginial] Benoit Malon, Bakunine, Kropotkine, Letourneau, Tabarant, Bellamy, dos portugueses Oliveira Martins e Magalhães Lima, e dos brasileiros Carlos Escobar (O que é o Socialismo) e Eugênio George. A este último cheguei ainda a conhecê-lo no meu tempo de ginasiano, em Niterói, onde o apontavam como um tipo estranho, esquisitão. meio maluco, fazendo propaganda contra o uso do fumo e em favor de uma sociedade protetora dos animais... Nesse mesmo ano em 1895 publicou-se na Capital do Estado um número único do Primeiro de Maio. Cinco anos mais tarde, isto é, no primeiro ano do século, aparece em São Paulo o periódico em castelhano El Grito del Pueblo, defensor dos interesse do proletariado, e na cidade de Ribeirão Preto o órgão anarquista La Canaglia, em italiano.
Igualmente em língua italiana e também de orientação anarquista, se bem que sob cabeçalho muito menos agressivo, Il Diritto saía a lume em Curitiba, na mesma época.
Digamos de passagem que a publicação desse e de outros periódicos em língua estranha — espanhol, italiano, alemão, etc. — se explicava pela afluência, nos Estados do Sul, de imigração europeia.
Quanto ao Rio de Janeiro, encontramos, entre 1890 e 1910, os seguintes títulos e datas: Voz do Povo. em 1890; O Operário. 1895: O Operário Italiano. 1897-1989; O Mensageiro, 1898; O Protesto, 1899; Tribuna Operária, 1900; Gazeta Operária, 1902-1903: Brasil Operário, 1903; A União Operária, órgão da União Operária do Engenho de Dentro, 1904; O Libertário, 1904; O Artista. 1905: novamente a Gazeta Operária, 1906; Semana Operária, 1907; A Voz do Trabalhador. 1908-1909; O Operário, 1908-1910. A respeito de alguns deste periódicos existem dados de não pequeno interesse.
Voz do Povo, por exemplo, estampou em seu 1º número a 6 de Janeiro de 1890, o convite seguinte:
"Tendo de ser eleita em setembro de 1890 a Constituinte dos Estados Unidos do Brasil, são convidados todos os artistas. operários e trabalhadores que souberem ler e escrever, a inscreverem-se no Partido Operário para, oito dias antes das eleições, escolherem os candidatos que devem sufragar em nome dos seus interesses.
“Esperamos que nenhum dos nossos confrades se esquivem de o fazer, pois acreditamos que todos sabem que é do interesse comum haver na Constituinte opiniões de todas as classes, de modo que a lei seja uma verdadeira emanação do povo. e não de algumas classes privilegiadas, como foram todas as leis do império".
O Operário, cujo primeiro número surgiu a 12 de outubro de 1895. publicou longo noticiário da formação do Partido Operário Socialista, seu programa e estatutos. O diretor desse jornal e membro do diretório do Partido era o operário cigarreiro Mariano Garcia, que redigiria mais tarde outros periódicos do mesmo gênero. Eu o conheci pessoalmente, aí por 1913, e lembra-me de ter escrito em jornais anarquistas muito desaforo contra ele e os seus companheiros — entre os quais, de resto, havia muitos sujeitos da pior espécie, dessa mesma espécie de que são feitos os atuais "chefes” trabalhistas ligados ao gabinete do Ministro do Trabalho.
O Protesto, ao que parece, foi o primeiro jornal de tendência anarquista publicado no Rio de Janeiro, em Í899-1900. Proclamava-se "periódico comunista-livre”, avisando aos leitores que “sai quando pode, por subscrição voluntária”. Seu diretor — o operário gráfico Mota Assunção, que ainda vive e é autor de vários livros. Em seu número datado de 4 de fevereiro de 1900, encontra-se um artigo intitulado A Greve dos Cocheiros que começa assim:
“Os dias 15 e 16 de Janeiro de 1900 marcam, pode dizer-se, a maior greve no Brasil. Parecia uma revolução. Os exploradores sabiam que cerca de 25.000 explorados se declaravam em parede..."
Diz em seguida o articulista que parou tudo quanto era veículo — bondes, tílburis, carros, carroças, carrinhos de mão, e comentava:
“A cidade esteve morta durante esses dois dias...”
No primeiro número do Brasil Operário, datado de 1º de maio de 1903, lemos a notícia de que um grupo de eleitores apresentou três candidatos operários para próximas eleições municipais.
Voz do Marmorísta, órgão do Centro dos Operários Marmoristas, publicou o seu 1º número em 1903 e durou mais de 20 anos.
A influência anarquista nos sindicatos operários aumentou enormemente a partir do Congresso Operário de 1906, reunido no Rio de Janeiro. É claro que daí por diante essa influência havia de se refletir com igual intensidade na imprensa operária. Novos jornais socialistas se fundaram, no Rio e nos Estados, depois de 1906; mas é um fato que nenhum pôde manter-se nem competir com alguns periódicos anarquistas, que chegaram, sobretudo de São Paulo, a adquirir uma larga ascendência entre as camadas mais avançadas da classe operária.
Datam desse período os jornais anarquistas Novo Rumo, editado no Rio, La Battaglia, em língua italiana, e Terra Livre, ambos editados em São Paulo. Terra Livre foi o primeiro jornal operário que me caiu nas mãos e veio a decidir do meu destino, justamente no momento em que a desilusão da campanha civilista de 1908-1910 me deixara perplexo e desamparado... Igualmente em São Paulo se publicava Lanterna, que durou ainda muitos anos e em cujas colunas publiquei os meus primeiros artigos revolucionários. Era um jornal anticlerical, mas de feição popular e muito combativo, dedicando boa parte das suas páginas ao movimento operário, o que explica o prestígio de massas que chegou a ter, não só em São Paulo como nos Estados vizinhos. O Livre Pensador, também anticlerical e também de São Paulo, viveu de 1902 a 1914 ou 1915.
Lembra-me também de um semanário de grande formato, A Vanguarda, órgão socialista, porta-voz do partido então organizado no Rio, em 1911, e do qual eram redatores, entre outros, dois antigos anarquistas que vinham do Novo Rumo. A Vanguarda e o partido socialista duraram poucos meses.
Novo Rumo também já não existia desde alguns anos, e Terra Livre dera os seus últimos números em 1910. No fim de 1911 começou a sair um novo semanário, impresso em São Paulo, mas com redatores lá e aqui no Rio, onde estava a sua administração. A coisa era um pouco complicada e em Janeiro de 1912 instalou-se tudo aqui no Rio, numa pequena sala do andar térreo do sobradinho da rua do Senado nº 196. O semanário chamava-se nada menos que isto — A Guerra Social: tradução brasileira do jornal de um socialista ultra-esquerdista de Paris, Gustave Hervé, o qual, ao deflagrar da guerra de 1914, se converteu num feroz chovinista. Estou fornecendo estes detalhes todos acerca do terrível semanário pela simples razão de que, ao instalar-se ele na saleta da rua do Senado, o seu redator e gerente era o mesmo cavalheiro que está contando agora estas coisas, com a diferença, bem entendido, de 35 anos a mais...
A Guerra Social morreu ao cabo de nove meses. Apareceu em seguida A Voz do Trabalhador, órgão da Confederação do Congresso Sindical Nacional, que se reuniria no ano seguinte. Em Porto Alegre, se não me falha a memória, já se publicava por essa época A Luta, órgão da Federação Operária local. Em São Paulo nasceu, no mês de março de 1913, uma publicação dupla ou de duas cabeças numa só folha de 4 páginas: duas páginas em português sob o título Germinal, “jornal anarquista”, e as outras duas em italiano com o nome de La Barricata, "periódico anárquico”. La Barricata vinha a ser uma continuação de La Battaglia, cuja saída fora suspensa pouco antes, depois de nove anos de existência. Ainda em São Paulo, a 1º de Maio de 1914, veio a lume A Rebelião “semanário de propaganda socialista-anarquista, escrito por trabalhadores e para os trabalhadores”.
Muitos outros e efêmeros pequenos jornais surgiam e desapareciam, então mais ou menos por todos os Estados e seria impossível, à falta de informações seguras, tentar sequer uma simples relação de títulos.
No Rio, em 1914 e 1915, apareceram duas revistas — A Vida e Na Barricada, ambas de tendência que esta última com a feição de panfleto, redigido pelo engenheiro e jornalista gaúcho Orlando Corrêa Lopes, convertido ao anarquismo e por isso mesmo egresso da imprensa burguesa. Durante a primeira gerra mundial surgiram quatro quatro novos periódicos, que merecem especial menção. Seguindo a ordem cronológica, devo lembrar primeiramente a Tribuna do Povo, impressa nalgum velho prelo perdido na cidade de Viçosa, Alagoas, terra de Otávio Brandão e dos Mota Lima. Seu número inaugural tem a data de 17 de agosto de 1916. Apresentava-se como “órgão dos interesses do povo” e seu redator-tipógrafo chamava-se Antônio Canelas, jovem operário que eu conhecera em Niterói, pouco antes e que não sei como foi parar em Alagoas. O caso é que a Tribuna do Povo se publicou durante uns seis meses, quando Canelas mudou-se para a capital do Estado e aí iniciou, a 30 de março de 1917, a publicação de outro semanário, A Semana Social, de formato um pouco maior e também melhor apresentado. Otávio Brandão poderá contar a maneira dramática pela qual terminou A Semana Social de Maceió, onde governava um digno antecessor do atual Silvestre Péricles. Mas Antônio Canelas era cabeçudo e possuía um temperamento de aventureiro: ei-lo, pois, à frente de uma nova Tribuna do Povo, porém agora no Recife, a partir de 1º de março de 1918 e sem o nome do redator-tipógrafo no cabeçalho.
O terceiro jornal a que me quero referir intitula-se A Plebe, “periódico comunista-libertário”, cujo primeiro número saiu em São Paulo, a 6 de Junho de 1917, em vésperas do grande movimento grevista de Julho daquele ano. A Plebe, editada pelo mesmo grupo da antiga A Lanterna, teve vida longa e cheia de peripécias, da qual também eu participei durante algum tempo. Sua publicação tem sido interrompida e retomada repetidamente e ainda agora está saindo de novo. Mas os seus redadores não aprenderam nada com o que aconteceu no mundo nestes vinte anos, e A Plebe de hoje nada mais tem de comum com o proletariado, preocupando-se principalmente em combater o comunismo e a União Soviética.
Já depois da revolução russa, em meados de 1918, registrou-se nos anais da imprensa brasileira o aparecimento de um minúsculo semanário, composto e impresso nas grandes oficinas do católico Jornal do Brasil, com este título nada ameno — Crônica Subversiva. Pelo nome logo se vê que era anarquista, mas defendia a revolução russa com unhas e dentes, e unhas e dentes bem afiados, posso dizê-lo sem maior ofensa à modéstia. A Crônica Subversiva distinguia-se pelo fato de possuir um único redator, que era ao mesmo tempo o seu revisor, gerente e vendedor. Não é preciso que eu decline o nome de tal indivíduo, segredo de polichinelo impossível de ocultar depois das intimidades que estou revelando.
Depois da Crônica Subversiva, de que saíram apenas 16 números, apareceu no Rio um grande semanário, Spártacus, título inspirado pelas lutas revolucionárias da organização chefiada por Liebknecht e Rosa Luxemburgo, em 1419, na Alemanha. Politicamente, Spártacus refletia o espírito reinante então nos meios operários brasileiros de tendência revolucionária: tradição anarco-sindicalista com profunda simpatia pela revolução bolchevique.
Sabe-se que após a primeira guerra mundial, o movimento operário no Brasil — como aliás no mundo inteiro — tomou um impulso tremendo. Reflexo imediato desse movimento de massas, os jornais operários surgiram às dezenas por toda parte, grandes e pequenos, com a particularidade muito importante de aparecerem, na sua absoluta maioria, como órgãos sindicais c corporativos. Citarei alguns títulos como exemplo:
O Extremo Norte, de Manaus, 1920; de Belém, Pará, o Jornal do Povo em 1918, A Revolta, em 1919 a A Voz do Trabalhador em 1920; O Artista, de Parnaíba, Piauí, em 1919; A Sentinela, órgão da União Ferroviária do Nordeste, 1922; A Vanguarda, órgão da União Geral dos Trabalhadores de Pernambuco, 1920; O Escravo, órgão da Federação Operária de Alagoas. 1920; Voz do Operário. Aracaju, 1920: O Operário, de Juiz de Fora. 1920; O Proletário, de Curitiba. 1919: O Nosso Verbo, órgão da União Geral dos Trabalhadores, da cidade do Rio Grande. 1919: O Sindicalista, da Federação Operária do R. G. do Sul, Porto Alegre, 1919; em São Paulo apareceram diversos no ano de 1920: O Trabalhador Gráfico, O Internacional (dos trabalhadores na indústria hoteleira), O Grito Operário (da Construção Civil), O Metalúrgico. Observemos que em São Paulo surgira em 1919, A Vanguarda, “periódico socialista”, em cujo segundo número começou a publicar-se o Manifesto Comunista de Marx e Engels; mas não sei informar se continuou a sair.
Eis uma relação incompleta dos que saíram no Rio, entre 1918 e 1923: O Gráfico (que vinha aliás de 1915), O Panificador, Voz Cosmopolita (da indústria hoteleira), Renovação (quinzenário sindicalista e comunista), O Metalúrgico, A Voz do Sapateiro, O Alfaiate.
Devemos salientar, nessa época, o aparecimento do jornal diário Voz do Povo, propriedade e órgão da Federação dos Trabalhadores do Rio de Janeiro, cujo primeiro número saiu a 5 de fevereiro de 1920. Composta a mão, tipo a tipo, e impressa numa velha almanjarra, uma dessas antigas Marinoni, já gastas e cansadas de tanto imprimir jornais, a Voz do Povo representava na realidade um imenso esforço da classe operária, que pretendia ter o seu próprio jornal, feio, mal feito, mas independente, — verdadeiro e legítimo porta-voz das massas trabalhadoras, sustentado até às últimas pela vontade de luta e pelo sacrifício de milhares de operários. Não me compete averiguar, neste momento, as causas do seu fracasso, depois de 10 meses de uma luta extremamente árdua. Na verdade, o movimento operário estava em declínio, depois das grandes greves de 1917 a 1920, e é compreensível que em tais condições não poderia a Voz do Povo sobreviver por muito tempo. Seja como for, a Voz do Povo correspondeu a um momento histórico muito importante, espelhando em suas colunas, de maneira ainda informe e confusa, os mais sentidos interesses e aspirações do proletariado, e bem assim as grandes debilidades, os erros fatais resultantes de uma orientação política que só podia conduzir ao fracasso.
1921 foi um ano de pausa forçada, de balanço das batalhas perdidas, de revisão de métodos, de autocrítica e sobretudo de busca de novos caminhos. A bancarrota do anarquismo na direção do movimento operário tornara-se patente, e dos seus escombros, sairiam os materiais de construção do partido da classe operária, estruturado segundo os ensinamentos e as experiências de Marx, Engels, Lênin.
Com o primeiro agrupamento de operários comunistas nasceu também o órgão de imprensa correspondente — o Movimento Comunista, pequena revista mensal e depois quinzenal, que se editou nesta cidade, a partir de Janeiro de 1922 até Junho de 1923. Dois anos depois, justamente a 1º de Maio de 1925, apareceu um novo jornal, destinado a marcar o início de uma nova época na imprensa proletária do Brasil. Já se percebe que estou me referindo à nossa muito gloriosa A Classe Operária. Sua história é conhecida por todos vós, e, mais do que conhecida, vivida por mais de um camarada presente a este ato. Por ela, em anos duros de luta contra a reação, deram a vida alguns heroicos companheiros cujos nomes permanecerão para sempre gravados na história das lutas populares em nossa terra. Perseguida, batida, suprimida cem vezes, cento e uma vezes ressuscitou A Classe Operária e não se extinguirá jamais, porque é imortal como a própria classe que ela encarna e representa na imprensa deste país.
Outros jornais comunistas, de maior ou menor importância, se publicaram no Brasil entre 1925 e 1945. Poderia também citar as experiências de jornais populares do tipo do vespertino A Nação, em 1927, e do matutino A Manhã, em 1935. Mas a hora já vai longa, e é forçoso que eu dê um salto de 10 anos para chegar a 22 de Maio de 1945, dia histórico da Tribuna Popular, véspera de outro dia histórico, 23 de maio de 1945, dia de festa popular, dia de encontro do povo com o seu amado líder — Luís Carlos Prestes.
Não é necessário que eu vos fale da Tribuna Popular. E o nosso jornal, o jornal nosso de cada dia, tão necessário à nossa vida como o ar que respiramos, a água que bebemos e o pão que comemos. Por ela estamos aqui, nesta noite fria, com o frio a gelar-nos a epiderme, mas, dentro de nós, com a chama inextinguível de uma dedicação que não conhece limites.
Devo terminar, mas não posso furtar-me, antes, a pelo menos lembrar os títulos dos nossos jornais atuais, genuínos porta-vozes das massas populares do Brasil: O Momento, da Bahia; Hoje, de São Paulo; O Democrata, do Ceará; Folha do Povo, do Recife; Tribuna do Pará, de Belém; Jornal do Povo, da Paraíba; O Estado de Goiás, de Goiânia; O Democrata, de Campo Grande, Mato Grosso; Jornal do Povo, de Belo Horizonte; Tribuna Gaúcha, de Porto Alegre; Jornal do Povo, de Aracaju; A Voz do Povo, de Maceió; Folha Capixaba, de Vitória; Voz do Povo, Caxias do Sul. E ainda e sempre, para todo o Brasil, a veterana A Classe Operária.
Do relato incompleto e imperfeito, que acabo de fazer, podemos desde logo concluir o seguinte: que a história da imprensa operária é a própria história da classe operária, das suas lutas, dos seus sofrimentos, das suas esperanças. Desde os primeiros periódicos, aparecidos há cerca de um século, quase todos de vida curta e difícil, até aos nossos diários de hoje, o que vemos palpitar em suas colunas é sempre o mesmo pensamento generoso voltado para o futuro, para uma pátria livre e independente, em que o trabalho seja a lei comum, a condição primeira e última do bem-estar para todos.
Nos primeiros tempos, ainda em regime de escravidão, os pequenos periódicos refletem sentimentos elementares e obscuros. Depois, já na República, começam a surgir, aqui e ali, os primórdios de uma afirmação socialista, cujo eco se perde no tumultuar de vagas e incertas aspirações. Segue-se a vaga de violências verbais e de ação caótica, durante a qual predomina a orientação anarquista. Ao cabo da primeira guerra mundial, concentrações operárias, já consideráveis nas principais cidades, jogam-se em grandes ações de massa, com ímpeto poderoso, que leva o pânico às classes dominantes; mas a direção anarquista mostrou-se incapaz, como não podia deixar de ser, de levá-las à vitória. As derrotas de então serviram, contudo, de lição fecunda — e uma vanguarda mais esclarecida de combatentes tomou o rumo que a própria experiência mundial indicava — rumo ditado, pela ciência marxista. A distância percorrida desde então pode ser medida, em termos de imprensa, pela comparação entre o Movimento Comunista, modesta e magra revistinha mensal com algumas centenas de leitores, e a Tribuna Popular, grande jornal de massas, que é hoje, sob a orientação do Senador Luiz Carlos Prestes, o baluarte inexpugnável da democracia brasileira em marcha para a frente.
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Inclusão | 16/04/2016 |