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Falarei de uma roupa de brim, de brim nacional. Parece uma coisa pouco importante uma roupa de brim nacional. Qualquer alfaiate a pode fazer, qualquer homem do povo a pode comprar. Mas é de uma roupa de brim que vou falar-vos, amigos, porque, por vezes também ela pode ser importante e marcar a medida de uma grandeza humana. Não quero vos falar apenas dos grandes sacrifícios, das torturas nas prisões, dos homens queimados a maçarico, das unhas arrancadas, a torquês. Quero falar também dessas pequenas coisas quotidianas, ignoradas e persistentes, desses sacrifícios que quase não se contam e no entanto são tão úteis para a construção da Revoluções e do Partido quanto a trágica condição dos presos, dos emparedados e dos assassinados. Um dia o mestre disse que é bem mais fácil morrer pela Revolução que viver pela Revolução. Há os que morrem heróis só porque sentiram a vibração de um momento e se jogaram numa trincheira. Muitos destes talvez não resistissem a um mês de vida ilegal, de diária miséria, de trabalho diário, de cabeça contra a parede, tendo que romper o muro da reação e do fascismo com os pobres punhos débeis. É preciso confiança e coragem e é por isso que agora vos falo de uma roupa de brim, de brim nacional, cosida na Bahia por um alfaiate de pobres. Não era exatamente elegante nem mesmo muito nova mas no clima tropical da Bahia era uma boa roupa que cumpria decentemente suas obrigações. Mas imaginai através de dois úmidos invernos paulistas, frios invernos desabrigados, essa mesma roupa baiana, de brim nacional. Sei bem que o militante dono da roupa fez sacrifícios infinitamente maiores, correu perigos inúmeros, jogou muitas vezes sua liberdade e mesmo sua vida. Sei que ele se arriscou a todo momento para cumprir a sua tarefa que era ajudar a levantar o Partido no Estado de São Paulo. Neste Estado onde existe o maior proletariado do Brasil e onde a canalha trotskista assentou seu acampamento na traição aos ideais do povo, na traição aos operários, na traição ao marxismo. Era a confusão gerada pelos trotskistas, eram as consecutivas quedas de direção, era o divisionismo, a falta de responsabilidade, a sabotagem, a liquidação do Partido. A sombra mesquinha de Trotsky, o traidor, abatia-se sobre o Partido em São Paulo. Mas, de outras regiões, da Bahia principalmente, chegou o reforço dos comunistas que iam nesses invernos paulistas ganhar uma condição de bolcheviques. E começou a luta árdua, difícil e por vezes desesperante. De um lado era a polícia de mil olhos, estendidas suas redes, era a quinta-coluna, era a perseguição. De outro lado estavam, afiveladas as máscaras de revolucionários, os constantes inimigos do Partido, os divisionistas, os da quarta internacional de infame memória. A missão dos homens que haviam chegado para a região rebentada do Partido, onde os diversionistas e os divisionistas acreditavam-se vitoriosos, era a de construir as bases de um grande Partido para a grande massa operária de São Paulo.
A história dessa luta contra um passado de erros, contra os vícios que se haviam infiltrado nos meios revolucionários paulistas, contra a ação dos trotskistas, contra o receio que dominara as massas ante a insegurança do Partido anteriormente penetrado de aventureiros, de policiais, de inimigos, a história dessa luta feita de confiança e abnegação daria uma epopeia dos tempos modernos. Os homens nos subterrâneos, poucos e sem recursos, rodeados de boatos alarmantes, apontados pelos trotskistas como agentes do governo, como inimigos da democracia, tendo que vencer a cada momento mil dificuldades. Viviam na ilegalidade mais completa, não podiam confiar senão em pouquíssimos quadros dos antigos elementos partidários porque o verme da divisão e da traição estava no corpo do velho Partido, não tinham finanças, suas ligações iniciais com a massa eram pequenas, difíceis e inconstantes. Como uma ilha rodeados pelo mar de lama que a corrupção trotskista lançara sobre a região de São Paulo. Isso foi nos dias primeiros do Brasil na guerra quando as tarefas dos comunistas se multiplicaram por mil e São Paulo parecia ser o baluarte da reação, parecia ser o campo de derrota do Partido.
Havia que levantar o Partido, limpá-lo das manchas da divisão e do extremismo trotskista, do policialismo e dos aventureiros. Havia que ir buscar nos cem grupos existentes os homens honestos, enganados. Havia que pesar cada um, numa meticulosa pesquisa do seu passado e do seu presente, para chamar os transviados que não eram inimigos. Havia que agir com amplitude e ao mesmo tempo sem falso liberalismo. Era preciso audácia e consciência, um coração que fosse humano e férreo. Existiam os honestos e enganados e existiam os traidores trabalhando. Era preciso ser juiz também e não sei de tarefa mais pesada que essa. Havia que transformar um pequeno, deficiente, teoricamente inseguro, viciado e dividido Partido, onde sempre haviam predominado os falsos intelectuais de fracassada literatura e os falsos operários nascidos da pequena-burguesia e “proletarizados” no falso proletarismo trotskista, em um grande Partido de massas, de autêntica direção proletária, onde estivessem, como estão hoje, os melhores homens, os melhores filhos da massa operária. Havia também que estudar, que atravessar as madrugadas sobre os livros dos mestres do marxismo-leninismo, porque era preciso não errar, novas eram as condições do mundo em guerra contra o fascismo e o marxismo criador exigia criadores nos Partidos sobre a face da terra. Stalin, o grande, criava de armas na mão, sua espada refulgia com um brilho de nascimento de estrelas, era a concepção de um mundo. Aqueles poucos homens chegados de outros Estados não podiam errar. Os problemas nacionais eram assoberbantes. Tínhamos um governo que vinha de uma aventura fascistizante para a guerra ao lado das democracias. Era necessário apoiar os atos concretos desse governo em guerra, empurrá-lo cada vez mais para o lado das Nações Unidas, para o caminho da democracia. Era necessário clamar pelo envio de tropas brasileiras para o teatro de guerra, era urgente formar uma sólida frente interna antifascista. O governo era impopular, nascera com o golpe de 37. Os inimigos do povo, os que desejavam a vitória do fascismo, os trotskistas, desligavam o problema nacional do internacional, pregavam a violência, o golpe, desconheciam a guerra, lutavam contra a Unidade Nacional que era a palavra de ordem do Partido. Dividiam, arrastavam para os movimentos de “resistência”, que no fundo iam servir à quinta-coluna, muitos homens honestos, democratas sinceros que no entanto não abrangiam o problema na sua visão global, em sua plenitude. Havia que levantar grandes campanhas populares, grandes movimentos de massa.
Eu vos lembrarei, amigos, que esses tempos ainda de ontem foram os dias em que as palavras de liquidação do Partido correram pelo país. Os inimigos do proletariado levantaram a bandeira de liquidar-se o Partido Comunista. A quinta-coluna nazi-trotskista trabalhava sem descanso, invadia os meios intelectuais, procurava desorientar as massas, conduzir o país a uma luta contra o governo em guerra, que nos levasse por fim à luta armada na frente interna, servindo assim aos desígnios do nazismo. Que melhor presente poderia a quinta-coluna oferecer ao Führer do que o Brasil dividido na guerra civil? Por aqui, pelas nossas bases, passavam milhares de aviões diários para os campos de batalha. Aprestavam-se os soldados da FEB para a partida. Nossos navios guarneciam a costa ao lado dos nossos aviões. A guerra civil em nossa Pátria poderia ter modificado o curso da guerra em determinado momento. Isso bem o sabiam os asseclas do fascismo e por isso incitavam o povo à desordem, à luta contra o governo declarando-se os mais ardorosos democratas, os que desejavam apenas derrubar o fascismo no Brasil. O Partido, seus homens conscientes, também compreendiam o jogo da quinta-coluna e respondiam com a palavra de ordem de Unidade Nacional. E então, arrastando atrás de si homens honestos e iludidos, os nazi-trotskistas negaram a existência do Partido, negaram sua face que brilhava do fundo dos subterrâneos, e declararam que ele não existia.
O centro, o coração mesmo, de toda essa podridão, desse conluio miserável contra o povo brasileiro, estava em São Paulo onde, da pobreza intelectual de alguns ambiciosos, dos vícios de alguns pequeno-burgueses carreiristas, nascia um prestígio trotskista que sujava o meio literário e estudantil, que alarmava o proletariado. A batalha de São Paulo era para o Partido a natal ha decisiva. Havia que ganhá-la porque senão teríamos fracassado e o Brasil mergulharia na guerra civil. O ódio, a intolerância, a maledicência, a antipatia, cercavam os militantes comunistas jogados na mais dura ilegalidade. Havia que vencer. Foi nessas lutas que os quadros comunistas foram forjando suas almas de bolcheviques para realizar esse grande Partido que hoje mostra ao povo brasileiro sua resplandecente face.
E a batalha foi ganha. Custou sacrifícios que são uma epopeia mas, amigos, sabeis o que é hoje o Partido Comunista do Brasil em São Paulo, sabeis de que homens é formada sua direção, quais os quadros que o integram, sabeis que ele é um partido de massas proletárias, sabeis que ele é uma luz que todos enxergam, sabeis que agora São Paulo é região exemplar do Partido. Tudo isso nasceu não do nada que seria bem mais fácil, mas do erro que existia, da divisão que existia, da infiltração trotskista que existia. Nasceu da liquidação dessas mazelas que roíam e enfraqueciam o corpo do Partido. Os homens que construíram em São Paulo o grande Partido de hoje tiveram audácia e fé, coragem e decisão, souberam estudar e trabalhar, aplicar a teoria à prática e apreender os ensinamentos do trabalho, souberam ser humanos e firmes. A isso eu chamo de heroísmo.
Poderia falar-vos, amigos, de muito ato heroico, de muita coisa que parecia tarefa para gigantes e foi realizada por esses homens. Mas desejo falar-vos apenas de uma roupa de brim, de brim nacional. E muito de propósito eu vos quero falar assim de uma coisa prosaica, quotidiana e simples como uma roupa de brim nacional que qualquer alfaiate pode fazer e qualquer pessoa pode. vestir sem que isso mude sua condição humana. É porque importa saber que existem além dos grandes sacrifícios, daqueles que marcam de heroísmo os que os realizam, existem os pequenos sacrifícios, mastigados minuto a minuto, permanentes, e bem mais difíceis de suportar e vencer. Porque o difícil, amigos, é viver pela Revolução, mais difícil que morrer por ela espetacularmente. Imaginai urna roupa baiana de brim, de vagabundo brim nacional, em meio à neblina de São Paulo, dois invernos consecutivos. Tudo o mais, os perigos, as dificuldades, as lutas, em determinado momento não existem. Mas a roupa de brim está presente todo o tempo, através dela a neblina e o frio, através dela o cansaço e a angústia, ela era como que a corporificação de todas as dificuldades a vencer. Outros passavam de sobretudo, cachecol no pescoço, camisas de lã, grossos sapatos. Que pode uma roupa de brim contra um úmido inverno de São Paulo?
Era uma vez, amigos, o inverno úmido da quinta-coluna, coberto pela neblina do trotskismo. Era uma vez uma roupa de brim em meio a esse inverno. Mas o coração daquele que a vestia batia com o coração dos homens de Stalingrado. Era de aço também e não importava o frio nem a umidade penetrando como punhais. Havia que construir o Partido. Falo-vos de uma roupa de brim porque há que amar esses pequenos sacrifícios, essa condição diária de luta, essa capacidade de vencer ninharias, de colocar-se acima delas. É difícil, bem o sabeis. Mas no Brasil estão se formando bolcheviques!
Inclusão | 08/04/2014 |