A Querela do Humanismo

Louis Althusser


Primeira Parte


No detalhe das futilidades e das querelas, seja a favor ou contra o humanismo, é necessário render-se à evidência: a História adora as histórias.

A "querela do humanismo" começou o mais calmamente possível. Num dia do verão de 1963, eu encontrei por acaso na casa de um amigo o Doutor(**) Adam Schaff, membro da Direção de um de nossos partidos comunistas. Responsável pelos "intelectuais" junto à Direção do partido comunista polonês, Schaff é um filósofo conhecido por suas obras sobre a semântica e sobre o problema do homem no marxismo,(1) e um dirigente político apreciado pela sua cultura e sua abertura de espírito. Ele voltava dos Estados Unidos, onde havia falado de Marx perante amplos auditórios universitários apaixonados. Ele me colocou a par de um projeto de Erich Fromm, que ele conhecia bem, e havia recentemente encontrado nos Estados Unidos. Fromm esteve, antes da guerra, nos anos 1930, ligado a um grupo marxista alemão esquerdizante, que se exprimiu numa revista efêmera,(2) a Zeitschrift für Sorialforschung, onde se fizeram conhecer, entre outros, Adorno, Horkheimer, Borkenau, etc. O nazismo fez de Fromm, como de muitos outros, um exilado. Desde então, tornou-se célebre por seus ensaios sobre a sociedade de "consumo" moderna,(3) à análise da qual ele aplica conceitos extraídos de um certo confronto entre o marxismo e o freudismo. Fromm acabava de publicar nos Estados Unidos uma tradução de excertos de textos da juventude de Marx, e, preocupado em estender a audiência do marxismo, formava o projeto de editar uma grande obra coletiva consagrada ao "Humanismo socialista", para a qual ele convidara filósofos marxistas dos países do Oeste e do Leste. O Doutor A insistia para que eu aceitasse participar desse projeto. Eu havia, aliás, recebido alguns dias antes uma carta de Fromm.(4) Por que Fromm, que eu não conhecia, havia-me escrito? O Doutor A havia-lhe anunciado a minha existência.

Eu alegava a conjuntura, e o título solene sob o qual havíamos reunido essa belíssima orquestra internacional: o resultado não poderia ser outro senão uma Missa Solemnis em Humanismo Maior, da qual minha partitura pessoal chocaria a Harmonia Universal. Procurei transmitir, em vão, na conversa, todas essas maiúsculas às quais obrigava-me a Circunstância, e, uma vez esgotados os argumentos, apresentar os meus, chamar um gato de um gato, enfim, dizer que não se quereria a minha música. A (Schaff) calou a minha boca com um silogismo impecável. Todo Humanista é um Liberal; ora, Fromm é um Humanista, logo, Fromm é um Liberal. Seguia-se que eu poderia livremente tocar, em paz, o meu instrumento. Eu me fiz rogar o quanto necessário: o suficiente para saborear a situação, mas também por escrúpulo. Afinal de contas, eu podia estar errado: com uma boa teoria do deslocamento da dominante, a qual procurava professar, podia-se, a despeito da conjuntura, conceber que um Humanista fosse "também" um Liberal. Questão de conjuntura.

Escrevi, logo depois, meu artigo. Em todo caso, pensando no público desconhecido que o leria, fi-lo bastante curto e claro demais, e tive mesmo a precaução de submetê-lo ao rewriting, ou seja, de torná-lo ainda mais curto e ainda mais claro. Resolvi, com autoridade, em duas linhas, a questão da evolução intelectual de Marx; em dez, a história da filosofia, da economia política e da moral nos séculos XVII-XVIII. Eu fui ao essencial, com conceitos e argumentos bastante grosseiros (oposição brutal ciência/ideologia) para que, no caso de não serem verdadeiramente convincentes, ao menos fossem tocantes. Eu fui ao ponto de me permitir uma leve malícia teórica, que tive a presunção de acreditar que cairia na categoria do humor anglo-saxão, e seria percebida como tal, introduzindo o mais seriamente possível o conceito absurdo do humanismo "de classe".(5) Fiz traduzir meu texto em inglês por um amigo competente(6) e tanto mais escrupuloso, pelo fato de que suas idéias estavam nos antípodas das minhas; e postei sem atraso este pequeno texto ad hoc. Era preciso apressar-se: os prazos.

Esperei. O tempo passou. Eu esperava. Apenas vários meses mais tarde, veio-me uma resposta de Fromm.(7) Ele estava consternado. Meu texto era extremamente interessante, ele não contestava seu valor intrínseco, mas, decididamente, não podia entrar no projeto, ou seja, no concerto dos outros. Agradecimentos, desculpas. Minha lei do deslocamento da dominante não havia funcionado; o silogismo Humanista, logo Liberal, também não: questão de conjuntura. Uma razão a mais para pensar que, entre o Humanismo, o Liberalismo de um lado e a conjuntura de outro, existia, como aliás meu artigo dizia claramente, algo como uma relação não acidental.

Uma razão a mais para publicar meu texto. Ali onde era, então, possível: questão de conjuntura. O liberalismo de Critica Marxista de um lado, jovem revista teórica do partido comunista italiano, e da seção filosófica dos Cahiers de l'Isea (dirigida por Jean Lacroix) permitiu esta publicação na Itália e na França (primavera-verão de 1964).(8) Guardo um real reconhecimento a essas duas revistas: elas tiveram algum mérito pois, em cada uma delas, meu texto ia na contracorrente de toda ou parte de sua ideologia explícita. Vários meses passaram sem que nada acontecesse. No trabalho intelectual, isso também é lei corrente.

Então, tive, num dia de janeiro de 1965, a surpresa de ler na revista mensal Clarté, órgão da UEC(9) [Union des Étudiants Communistes] da época, uma crítica, cortês, mas bastante dura de meu texto, assinada por Jorge Semprun, escritor conhecido por um belíssimo romance sobre a deportação.(10) Sua refutação residia no que se pode chamar de uma argumentação marxista "italiana". Peço desculpas a nossos camaradas italianos: não se trata aí, ao contrário do que se poderia crer, nem da Itália, nem do partido comunista ou do marxismo italianos, ou seja, de um simples adjetivo da geografia física, mas de um adjetivo da geografia política, pelo qual um certo número de intelectuais franceses, ou de cultura francesa, designavam, no mapa político francês, a posição particular que eles entendiam ocupar.(11) O vínculo desta posição dita "italiana" com a Itália verdadeira (o verdadeiro e o mito desse vínculo) é uma outra questão, que será curioso estudar um dia. No entanto, eu fui levado a crer, à vista de informações ulteriores, mas seguras, que certos intelectuais do partido italiano tinham desejado que se respondesse a meu artigo publicado na Critica Marxista: por delicadeza em relação ao francês que eu era, e ao partido comunista francês, eles haviam preferido que me fosse dada a resposta em um órgão político francês. Contingências, sem dúvida, haviam resultado na escolha da Clarté.

Desde então, as coisas se precipitaram. Com o assentimento de Jorge Semprun e o meu, La Nouvelle Critique publicou o "dossiê" do debate, e abriu a discussão (março de 1965). Ela durou meses: intervenções de Francis Cohen, Michel Simon, Geneviève Navarri, M. Brossard, Michel Verret, Pierre Macherey, etc. A discussão foi relançada pela aparição do Pour Marx e de Lire le Capital na coleção "Théorie" das Edições François Maspero (novembro de 1965). Ela prosseguiu por ocasião de uma assembléia geral dos Filósofos comunistas ocorrida em Choisy-le-Roi(12) em janeiro de 1966, onde certos oradores, por exemplo Roger Garaudy, atacaram violentamente meus ensaios. O Comitê central de Argenteuil(13) discutiu, em março de 1966, o Humanismo e tomou, direta ou indiretamente, partido sobre as teses presentes na "discussão", declarando-a, em todos os sentidos do termo, "aberta". Doravante, resta claro que ela não está perto de se "fechar".

Foi assim que um evento absolutamente menor (algumas páginas sobre uma questão de aparência puramente teórica, ou até doutrinária), e que se poderia (eu, em primeiro lugar) crer limitado a um simples "acidente" de ordem quase autobiográfica (encontro do projeto de Fromm e [de] alguns estudos por mim realizados), tomou uma proporção desmedida em relação às suas origens. Sinal de que, mesmo sob sua forma bastante frusta, o artigo que eu havia redigido para um público americano devia ter atingido um ponto de extrema sensibilidade na conjuntura senão teórica, pelo menos ideológica atual. Digamos que de um certo modo ele "entrava" nessa conjuntura forçando uma porta, que alguns, sem dúvida, tinham interesse em manter obstinadamente fechada e fechando uma outra porta, que os mesmos tinham, sem dúvida, interesse em apresentar como a única publicamente aberta. Porta aberta ou porta fechada: a conjuntura havia feito dela, a seu modo, uma das Portas da Hora, interditada à desatenção ou anunciada à atenção de todos. Eu não pretenderei que, ao escrever meu texto, tivesse estado totalmente inconsciente de sua incidência em uma conjuntura significativa, pois, ao contrário, eu insisto, em dez ocasiões, sobre o sentido "conjuntural" da maré "Humanista" em certos meios do marxismo contemporâneo. Mas uma coisa é a "consciência" do que se pensa fazer, defendendo uma Tese, outra coisa é o vínculo dessa "consciência" com o real. As pequenas "histórias" que eu contei, e os efeitos que se seguiram, são, de certo modo, o protocolo experimental do confronto de uma tese (ou de um diagnóstico) e da realidade: é por aí que as pequenas "histórias" entram na história. E eu não teria jamais exposto o detalhe do seu mecanismo, se não fosse agora claro que esse mecanismo anedótico não era nada mais que o efeito de uma necessidade que, uns e outros, partes nesse debate, sentíamos todos. Na verdade, se a história faz sempre histórias, ela não as adora todas: ela adora apenas as que, a um título ou a um outro, a concernem. E ela não deixa a ninguém, mesmo a suas vítimas, o cuidado de "fazer a triagem". Digamos: sobre a "querela do Humanismo", a triagem está feita, ou melhor, a triagem está sendo feita. E na miúda moeda de alguns conceitos, e mesmo de algumas palavras entre as quais a triagem está sendo feita; sentimos todos que uma certa partida, que concerne a todos, pode estar sendo jogada; partida da qual essa "discussão" de alguns filósofos sobre o Humanismo é o eco infinitamente longínquo e próximo: o modo de entender Marx, e de colocar seus conceitos em prática.

É tempo então de se lembrar que, diante dos gigantescos problemas que nos inflige a temível conjuntura que nos cerca, tantos e tantos homens se perguntam "O que fazer?", segundo a advertência de Lenin tirada da obra que leva esse título.(14) [...]

I. A revolução teórica de Marx

1

Retomo pois, uma vez mais, à questão da história da evolução do pensamento teórico de Marx, a questão do "corte epistemológico" entre a pré-história ideológica e a história científica do seu pensamento, a questão da diferença teórica radical, que separa para sempre as obras de juventude de O Capital.

Aviso: não me desculpo por retomá-la. Retomá-la-emos sempre que for necessário, e por tanto tempo quanto for necessário, isto é, enquanto não tiver sido resolvida, no seu fundo e nos seus efeitos, essa questão-chave. Para chamar as coisas pelo seu nome: enquanto não tiver sido liquidado um equívoco fundamental, que, na sua origem, serve hoje objetivamente de base teórica à ideologia burguesa (filosófica e religiosa) no próprio seio de certas organizações da luta de classe proletária, aqui e alhures. O objeto desse equívoco é extremamente grave: trata-se da luta pela defesa da teoria marxista contra certas interpretações e formulações teóricas de tendência revisionista.

Sobre os problemas teóricos e históricos da história da formação do pensamento de Marx, sobre o período crucial dos Manuscrits de 1844, das Thèses sur Feuerbach e de Uidéologie allemande; os estudos aprofundados que requer essa questão estão em curso. Publicá-los-emos no momento certo. Gostaria hoje de resgatar apenas algumas conclusões provisórias, mas essenciais.

A "volta a Marx" não consiste em fetichismo erudito, tampouco o é seguir ao pé-da-letra, nos seus textos, o desenvolvimento do seu pensamento. Não é também fetichismo de historiador recolocar em pauta os Manuscrits de 1844, Uidéologie allemande e Le Capital. Não se trata de "fugir" do presente para um passado, mesmo que ilustre. Trata-se do nosso próprio presente: da teoria de Marx. Está fora de questão estabelecer-se, como alguns acreditaram poder dizer(15) com uma fórmula singularmente demagógica, na "fortaleza" de um marxismo a-histórico, na "eternidade dos conceitos" na "abstração pura", para, a partir dessa altura pronunciar decretos doutrinários sobre a prática dos outros, às voltas com os problemas reais e complexos da história. Trata-se, pelo contrário, de armar-nos com os únicos princípios teóricos disponíveis que nos permitirão dominar os gigantescos e difíceis problemas reais que a história apresenta hoje ao Movimento comunista internacional. Não se pode dominar tais problemas práticos a menos que se compreenda os seus mecanismos: só se pode compreender esses mecanismos produzindo o seu conhecimento científico. A crítica à "abstração doutrinária", a exaltação do "concreto", a denúncia do "neo-dogmatismo" não são apenas os argumentos de uma vulgar demagogia, ideológica e política. Eles são também, quando não simples acidentes estilísticos individuais, os sempiternos sintomas do revisionismo teórico no próprio marxismo."(a)

Se voltamos a Marx e colocamos conscientemente, na conjuntura atual, a ênfase sobre os problemas teóricos, e, antes de tudo, sobre o "elo decisivo" da teoria marxista, a saber a "filosofia", é para defender a teoria marxista das tendências do revisionismo teórico que a ameaçam; é para desprender e precisar o domínio onde a teoria marxista deve a qualquer preço se desenvolver para produzir os conhecimentos de que os partidos revolucionários precisam urgentemente para confrontar os problemas políticos cruciais do nosso presente e do nosso futuro. Não pode haver nesse ponto nenhum equívoco. O passado de Marx, que será abordado, é, que se queira ou não, uma via direta ao nosso presente: é o nosso próprio presente, e também o nosso futuro.

2

Passo, portanto, ao essencial, em algumas páginas, e em algumas distinções necessariamente esquemáticas.

Estamos, talvez, ainda perto demais da gigantesca descoberta de Marx para medir sua excepcional importância na história dos conhecimentos humanos. No entanto, começamos a estar em condições de qualificar a descoberta de Marx como um evento teórico prodigioso que "abriu" ao conhecimento científico um novo "continente", o da História.(16) A esse título, ela é comparável, do ponto de vista teórico, apenas a duas outras grandes descobertas em todo o conhecimento humano: a descoberta de Tales "abrindo" ao conhecimento o "continente" da matemática, e a descoberta de Galileu, abrindo ao conhecimento o "continente" da natureza física. Aos dois "continentes" (e às suas regiões interiores diferenciadas) aos quais tinha acesso o conhecimento, Marx acrescentou, pela sua descoberta fundadora, um terceiro, que acabamos de começar a explorar.

Não apenas acabamos de começar a explorar esse "continente", do qual não suspeitamos ainda as riquezas, mas apenas começamos a medir o peso sem precedente dessa descoberta científica. Ela é mais do que uma descoberta simplesmente científica, pois traz em si, como todas as grandes descobertas científicas "continentais", conseqüências filosóficas incalculáveis, das quais ainda não tomamos a verdadeira medida. Esse último ponto é essencial. A revolução científica de Marx contém em si uma revolução filosófica, sem precedente, que, forçando a filosofia a pensar a sua relação com a história, perturba a sua economia. Estamos ainda perto demais de Marx para apreciar realmente o peso da revolução científica que ele provocou. Com mais razão ainda, estamos ainda perto demais dele para termos apenas uma idéia da importância da revolução filosófica que essa revolução traz consigo. Se hoje, de um modo em muitos aspectos cruel, nós nos confrontamos com o que se deve chamar de "atraso" da filosofia marxista com relação à ciência da história, não é apenas por razões históricas, mas por razões teóricas, das quais procurei alhures(17) dar uma primeira idéia bastante sumária. Esse atraso é, em uma primeira fase, inevitável. Em contrapartida, em uma segunda fase, doravante aberta diante de nós, esse atraso pode e deve ser, no essencial, ultrapassado.

3

É sobre o fundo geral da dupla evolução teórica provocada pela descoberta de Marx (na ciência e na filosofia), que podemos colocar o problema da história da formação e da transformação teórica do pensamento de Marx.

Para bem fazê-lo, e assim esperar resolver esse problema, deve-se distinguir nitidamente os seus aspectos.

Deve-se inicialmente distinguir a história política de um lado, e a história teórica, de outro lado, do indivíduo Marx.

Do ponto de vista político, a história do indivíduo Marx é a história da passagem de um jovem intelectual burguês alemão, vindo ao mundo intelectual e político nos anos 1840, do liberalismo radical ao comunismo. Liberal-radical em 1841-42 (no tempo dos artigos de La Gazette Rhênane), Marx passa ao comunismo em 1843-44. O quê significa: passar ao comunismo? É, em primeiro lugar, posicionar-se subjetivamente, e depois objetivamente ao lado da classe operária. Mas é também adotar algumas concepções comunistas profundamente ideológicas: utopistas, humanistas, enfim, idealistas, e de um idealismo marcado pelas noções maiores da ideologia religiosa e moral.

Daí o atraso da evolução teórica de Marx com relação à sua evolução política. Esse descompasso é uma das chaves da questão da qual nos ocupamos: se não considerarmos esse descompasso, não compreenderemos que os Manuscrits de 1844 possam ser a obra de um autor politicamente comunista, mas teoricamente ainda idealista.

A história teórica do jovem filósofo Marx, que deve ser considerada em si mesma, é a história de uma dupla passagem. De um lado, passagem de uma ideologia da história aos primeiros princípios, revolucionários, de uma ciência da história (cujas premissas estão contidas em Uidéologie allemande, sob uma forma extremamente confusa); de outro lado, passagem do idealismo racionalista neo-hegeliano (um Hegel reinterpretado em uma filosofia da Razão Prática, portanto "lido" através de uma ideologia filosófica de aparência kantiana) ao materialismo humanista de Feuerbach (1842), em seguida ao empirismo historicista de Uidéologie allemande (1845-46), e enfim, no momento dos trabalhos que deviam resultar n'O Capital entre 1847 e 1867, a uma filosofia radicalmente nova (o que chamamos de materialismo dialético). Se compararmos a história teórica de Marx à sua história política, constataremos um incontestável atraso dos eventos da história teórica com relação aos eventos da história política. Duplo atraso: atraso do "corte" científico em relação ao "corte" político; e atraso suplementar do "corte" filosófico em relação ao "corte" científico.

Evidentemente, todos esses "eventos" e sua dialética de defasagens complexas não podem ser pensados como "atos" correspondentes de um indivíduo, "inventando" ou "criando" uma teoria nova no puro mundo de sua "subjetividade". Como bem mostrou Lenin, para compreender a necessidade histórico-teórica das descobertas de Marx (sua possibilidade e sua necessidade), deve-se pensá-las como eventos de uma história teórica específica da qual o indivíduo Marx fora o "agente", história teórica desenrolando-se, ela própria, sobre o fundo de uma história social e política.

Pensada no campo dessa história das teorias, a descoberta de Marx torna-se então o efeito revolucionário produzido pela conjunção da filosofia alemã, da economia política inglesa, e do socialismo francês, em uma conjuntura teórico-ideológica determinada, sobre o fundo de uma conjuntura sociopolítica determinada (as lutas de classes provocadas pelo crescimento do capitalismo no mundo ocidental). É no campo dessa história das teorias que se tornam inteligíveis os "cortes" epistemológicos (entre a filosofia da história e a ciência da história, entre o idealismo e o materialismo humanista, o materialismo historicista de um lado e o materialismo dialético de outro) dos quais podemos observar a realidade na história intelectual do indivíduo Marx.

Deve-se notar que se a indicação de Lenin é de altíssima valia, se possuímos a convicção de que é necessário elaborar essa teoria da história das teorias, estamos, nesse plano, muito longe de dispor de seus conceitos específicos. A teoria da história das teorias, ideológicas, científicas e filosóficas, está ainda na sua infância. Não se trata de um acaso: essa teoria da história das teorias pertence de direito ao "continente" história ao qual Marx acaba de nos dar acesso. Não é insensato esperar que, com a ajuda de alguns trabalhos de grande valor, conduzidos por especialistas de história das ciências (Bachelard, Koyré, Canguilhem, etc), possamos, um dia, por exemplo na ocasião da história da formação da teoria marxista, propor alguns conceitos próprios à constituição dos rudimentos dessa teoria.

4

De qualquer forma, é sobre o fundo geral dessa história que podemos ressaltar as razões conscientes que temos para introduzir a tese do anti-humanismo teórico de Marx.

Disse alhures,(18) e repito, que rigorosamente dever-se-ia falar do a-humanismo teórico de Marx. Se empreguei a expressão anti-humanismo teórico de Marx (como proponho igualmente falar do anti-historicismo, do antievolucionismo, e do antiestruturalismo da teoria marxista), é para acentuar o aspecto impiedoso da ruptura que Marx teve de realizar para conceber e enunciar sua descoberta. É também para ressaltar que não estamos quites com essa polêmica: temos de prosseguir, ainda hoje, contra os mesmos preconceitos ideológicos, a mesma luta teórica, sem a esperança de vê-la encerrada tão cedo. Não nos iludamos, o humanismo teórico tem, por muito tempo ainda, "belíssimos dias" à sua frente. Suas "contas", não mais dos que as das ideologias evolucionistas, historicistas e estruturalistas, não serão ajustadas até a próxima primavera.

Falar(19) da ruptura de Marx com o Humanismo teórico é uma tese muito precisa: se Marx rompeu com essa ideologia, é porque ele a havia desposado, se ele a havia desposado (e não foi um casamento branco), é porque ela existia. Jamais há esposas imaginárias, mas uniões consagradas pela história das teorias, mesmo no domínio particular das teorias que é o domínio imaginário das ideologias. O humanismo teórico com o qual Marx se casou é o de Feuerbach.

Marx "descobriu" Feuerbach, como todos os jovens hegelianos, em condições muito particulares, das quais, no rastro de Auguste Cornu, eu disse algo(20): Feuerbach "salvou" teoricamente, por um tempo, os Jovens-hegelianos radicais das contradições insolúveis provocadas na sua "consciência filosófica" racionalista-liberal pela teimosia desse sagrado Estado prussiano que, sendo "em si" a Razão e a Liberdade, obstinava-se em desconhecer a sua própria essência, perseverando, além de toda conveniência, na Desrazão e no Despotismo. Feuerbach os "salvou" teoricamente, forne-cendo-lhes a razão da contradição Razão-Desrazão: através de uma teoria da alienação do Homem.

Falei, no meu artigo, efetivamente do Humanismo como se este houvesse sustentado diretamente toda a problemática da filosofia clássica. A fórmula é brutal demais para ser algo mais do que uma indicação geral, que se deveria precisar e corrigir. Este pode ser o objeto de trabalhos ulteriores, aos quais alguns dentre nós se dedicam. Já que se trata de ser um pouco mais preciso, vamos restringir nosso objeto, e falar apenas de Feuerbach.

Não poderíamos evidentemente nos dar por quites com relação a Feuerbach, a qualquer título que fosse, mesmo o marxista, através de uma confissão do gênero: algumas de suas citações, ou de Marx, ou de Engels, que, por sua vez, haviam-no lido. Não estamos tampouco quites com esse adjetivo da comodidade e da ignorância que, no entanto, soa bem nas polêmicas: antropologia especulativa. Como se bastasse retirar a especulação da antropologia para que a antropologia (supondo que se saiba o que entende por isso) permaneça firme: quando se corta a cabeça de um pato, ele não vai longe. Como se bastasse também pronunciar essas palavras mágicas para chamar Feuerbach pelo seu nome (os filósofos, mesmo não sendo cães de guarda, são como vocês e eu: para que eles venham, deve-se chamá-los pelo seu nome). Procuremos portanto chamar Feuerbach pelo seu nome, ou, se necessário, pela abreviação do seu nome.

Falaremos evidentemente apenas do Feuerbach dos anos 1839-45, ou seja, do autor de Uessence du christianisme, e dos Príncipes de la philosophie de l'avenir, e não do Feuerbach do pós-1848, que, contrariamente aos seus primeiros preceitos, colocou muita água no seu vinho (na sua juventude, pretendia que se saboreasse todas as coisas sem mistura, puras, "naturais", por exemplo o café sem açúcar).

O Feuerbach de Uessence du christianisme ocupa, na história da filosofia, uma posição absolutamente extraordinária. De fato, ele realiza esse feito de pôr "fim à filosofia clássica alemã", de pôr abaixo (mais precisamente: de "inverter") Hegel, o Último dos Filósofos, em quem toda sua história se resumia, por uma filosofia teoricamente retrógrada relativamente à grande filosofia idealista alemã. Deve-se entender "retrógrada" num sentido preciso. Se a filosofia de Feuerbach traz consigo os traços do idealismo alemão, seus fundamentos teóricos datam de antes do idealismo alemão. Com Feuerbach, voltamos de 1810 a 1750, do século XIX ao XVIII. Paradoxalmente, por razões que teriam como provocar vertigem em uma boa "dialética" vinda de Hegel, é pelo seu caráter retrógrado na teoria que a filosofia de Feuerbach exerceu felizes efeitos progressistas na ideologia, e mesmo na história política de seus partidários. Mas deixemos este ponto de lado.

Uma filosofia que carrega os traços do idealismo alemão mas que ajusta suas contas com o idealismo alemão, e com o seu representante supremo, Hegel, através de um sistema teoricamente retrógrado: o que entendemos por isso?

Os traços do idealismo alemão: Feuerbach assume os problemas filosóficos colocados pelo idealismo alemão. Acima de tudo, os problemas da Razão Pura e da Razão Prática, os problemas da Natureza e da Liberdade, os problemas do conhecimento (o que posso eu conhecer?), da moral (o que posso eu fazer?) e da religião (o que posso eu esperar?). Portanto, os problemas kantianos fundamentais, mas "retomados" através da crítica e das soluções hegelianas (de um modo geral, a crítica das distinções ou abstrações kantianas, que se relacionam, para Hegel, com um desconhecimento da Razão, rebaixada ao papel do Entendimento). Feuerbach coloca os problemas do idealismo alemão, na intenção de dar-lhes uma solução de tipo hegeliano: ele quer efetivamente pensar a unidade das distinções ou abstrações kantianas, em algo que se assemelha à Idéia hegeliana. Esse "algo" que se assemelha à Idéia hegeliana, mesmo sendo a sua "inversão" radical, é o Homem, ou a Natureza, ou a Sinnlichkeit (ao mesmo tempo, materialidade sensível, receptividade e intersubjetividade sensível).

Acredito que, para manter tudo isso junto, deve-se pensar, como uma unidade una essas três noções: Homem, Natureza, e Sinnlichkeit. É uma aposta teórica perturbadora, que faz da "filosofia" de Feuerbach um voto filosófico, ou seja, uma incoerência teórica de fato investida em um "desejo" de impossível coerência filosófica. "Desejo" comovente, é verdade, patético até, pois exprime e reclama com grandes gritos solenes a vontade desesperada de sair de uma ideologia filosófica da qual ela continua sendo o rebelde, ou seja, o prisioneiro. O fato é que essa impossível unidade deu lugar a uma obra, que desempenhou um papel na história, e produz efeitos desconcertantes, uns imediatos (sobre Marx e seus amigos), outros demorados (sobre Nietzsche, sobre a Fenomenologia, sobre uma certa teologia moderna, até mesmo sobre a filosofia "hermenêutica" recente que dela resultou).

É uma impossível unidade (Homem-Natureza, Sinnlichkeit) que permitia a Feuerbach "resolver" os grandes problemas filosóficos do idealismo alemão, "superando" Kant, e "invertendo" Hegel. Por exemplo, os problemas kantianos da distinção da Razão Pura e da Razão Prática, da Natureza e da Liberdade, etc, encontram em Feuerbach sua solução em um princípio único: o Homem e seus atributos. Por exemplo, o problema kantiano da objetividade científica, como o problema hegeliano da religião, encontram em Feuerbach a sua solução em uma extraordinária teoria da objetividade especular ("o objeto de um ser é a objetivação de sua Essência": o objeto — os objetos — do homem são a objetivação da Essência Humana). Por exemplo, o problema kantiano da Idéia e da História, superado por Hegel na teoria do Espírito como momento último da Idéia, encontra a sua solução em Feuerbach em uma extraordinária teoria da intersubjetividade constitutiva do Gênero Humano. No princípio de todas essas soluções, encontra-se sempre o Homem, seus atributos, e seus objetos "essenciais" ("reflexos" especulares de sua Essência).

Assim, o Homem é, em Feuerbach, o conceito único, originário e fundamental com várias serventias, que faz as vezes do Sujeito Transcendental, do Sujeito Numenal, do Sujeito Empírico e da Idéia kantianos, que faz igualmente as vezes da Idéia hegeliana. O "fim da filosofia clássica alemã" é então simplesmente a supressão verbal dessas soluções sem abandono dos seus problemas. É a substituição dessas soluções por noções filosóficas heteróclitas, recolhidas aqui e acolá na filosofia do século XVIII (o sensualismo, o empirismo, o materialismo da Sinnlichkeit, emprestados à tradição condillaciana; um pseudobiologismo vagamente inspirado em Diderot; um idealismo do Homem e do "coração" tirado de Rousseau), e unificadas através de trocadilhos teóricos sob o conceito de Homem.

Daí essa extraordinária posição e os efeitos que Feuerbach podia tirar de sua incoerência: declarando-se, a cada vez e, ao mesmo tempo, (e para ele, não havia nenhuma malícia, nem incoerência) materialista, idealista, racionalista, sensualista, empirista, realista, ateu e humanista. Daí suas declamações contra a especulação de Hegel, reduzida à abstração. Daí seus apelos ao concreto, à "própria coisa", ao real, ao sensível, contra todas as formas da alienação, cuja abstração constitui para ele a essência última. Daí o sentido de sua "inversão" de Hegel, que Marx durante muito tempo adotou como a crítica real de Hegel, enquanto que ela permanece inteiramente presa ao empirismo do qual Hegel é apenas a teoria sublimada: inverter o predicado no sujeito, inverter a Idéia no Real Sensível, inverter o Abstrato no Concreto, etc. Tudo isso sob a categoria do Homem que é o Real, o Sensível, e o Concreto propriamente ditos. Velha música, da qual nos servem hoje as variações deformadas.

Eis o Humanismo teórico que Marx enfrentou. Digo teórico pois o Homem não é apenas, para Feuerbach, uma Idéia no sentido kantiano, mas o fundamento teórico de toda sua "filosofia", como o foi o Cogito para Descartes, o Sujeito transcendental para Kant, e a Idéia para Hegel. É esse Humanismo teórico que encontramos, com todas as letras, em operação nos Manuscrits de 1844.

5

Mas, antes de chegar a Marx, uma palavra ainda sobre as conseqüências dessa posição filosófica paradoxal, que pretende abolir radicalmente o idealismo alemão, mas que respeita seus problemas, e pretende resolvê-los pela intervenção de um amontoado de conceitos do século XVIII, reunidos sob a conjunção teórica do Homem, que lhes imprime unidade e coerência "filosófica".

Pois não se "volta" impunemente para trás de uma filosofia, conservando os problemas que ela colocou em dia. A conseqüência fundamental dessa regressão teórica correlata da conservação de problemas atuais, de outro lado, é provocar um encolhimento prodigioso da problemática filosófica existente, sob as aparências de sua "inversão", que não é senão o impossível "desejo" de invertê-la.

Engels e Lenin tiveram perfeita consciência desse "encolhimento" em relação a Hegel. "Comparado a Hegel, Feuerbach é pequeno".(21) Vamos ao essencial: o que imperdoavelmente Feuerbach sacrificou em Hegel é a História e a Dialética, ou melhor, pois trata-se de um todo para Hegel, a História ou a dialética. Também aí, Marx, Engels e Lenin não se enganaram: Feuerbach é materialista nas ciências, mas... ele é idealista em História. Feuerbach fala da natureza, mas... ele não fala da História; a Natureza tomando seu lugar. Feuerbach não é dialético. Etc.

Precisemos, com o distanciamento de que dispomos, esses julgamentos fundados.

De fato, trata-se efetivamente da história em Feuerbach, que sabe distinguir a "natureza humana hindu", "judaica", "romana", etc. Mas não encontramos na sua obra uma teoria da história. E sobretudo, não há traços dessa teoria da história que devemos a Hegel, como processo dialético de produção de formas.

De fato, podemos começar a dizê-lo agora, o que mancha irremediavelmente a concepção hegeliana da história como processo dialético é a sua concepção teleológica da dialética, inscrita nas próprias estruturas da dialética hegeliana, em um ponto extremamente preciso: o Aufliebung (superação-conservando-o-superado-como-superado-interiorizado), expresso diretamente na categoria hegeliana da negação da negação (ou negatividade). Quando criticamos a filosofia da História hegeliana, por ser ela teleológica, por perseguir, desde suas origens, um objetivo (a realização do Saber absoluto), portanto quando recusamos a teleologia na filosofia da história, mas quando, ao mesmo tempo, retomamos tal qual a dialética hegeliana, caímos em uma estranha contradição. Pois a dialética hegeliana é, ela também, teleológica em sua estruturas, já que a estrutura chave da dialética hegeliana é a negação da negação, que é a própria teleologia, idêntica à dialética. É a razão pela qual a questão das estruturas da dialética é a questão chave que domina todo o problema de uma dialética materialista. É a razão pela qual Stalin pode ser considerado um filósofo marxista extraordinariamente perspicaz, ao menos nesse ponto, por ter eliminado a negação da negação das "leis" da dialética.(22) Mas, na medida em que podemos fazer a abstração da teleologia na concepção hegeliana da história e da dialética, resta que devemos a Hegel alguma coisa que Feuerbach, obnubilado pelo seu horror ao Homem e ao Concreto, foi absolutamente incapaz de entender: a concepção da história como processo. Incontestavelmente, pois passou por suas obras, e Le Capital é a prova disso, Marx deve a Hegel essa categoria filosófica decisiva de processo.

Deve-lhe ainda algo de que o próprio Feuerbach não desconfiou. Deve-lhe o conceito de processo sem sujeito. É de bom-tom, nas conversações filosóficas, das quais faz-se por vezes livros, dizer que em Hegel a História é "a História da alienação do Homem". O que quer que tenhamos em mente ao pronunciar essa fórmula, enunciamos uma proposição filosófica que possui um sentido implacável que reencontraremos, sem dificuldades, em seus rebentos, supondo-se que ele não possa ser detectado na mãe dos mesmos. Enunciemos: a História é um processo de alienação que tem um sujeito, e esse sujeito é o Homem.

Ora, nada é mais estranho ao pensamento de Hegel que essa concepção antropológica de História. Para Hegel, a História é realmente um processo de alienação, mas esse processo não tem o homem como sujeito. Em primeiro lugar, na história hegeliana não se trata do Homem,(23) mas do Espírito, e querendo-se a qualquer preço (o que em relação ao "sujeito" é aliás errado) um "sujeito" na História, é dos "povos" que se deve falar, ou mais exatamente (e aproximamo-nos da verdade), é dos momentos do desenvolvimento da Idéia convertida em Espírito. O que há a dizer? Essa coisa muito simples, mas, querendo-se bem interpretá-la, essa coisa extraordinária do ponto de vista teórico: a História não é a alienação do Homem, mas a alienação do Espírito, ou seja, o último momento da alienação da Idéia. Como interpretá-la? Para Hegel, o processo de alienação não começa com a História (humana), já que a própria História não é senão a alienação da Natureza, ela própria alienação da lógica. A alienação, que é a dialética (em seu princípio derradeiro negação da negação, ou Aufhebung), ou falando mais claramente, o processo de alienação não é, como pretenderia toda uma corrente da filosofia moderna, que "corrige" e "encolhe" Hegel, próprio à História Humana. Do ponto de vista da História humana, o processo de alienação sempre-já começou. Isso quer dizer, levando-se esses termos a sério, que, em Hegel, a História é pensada como um processo de alienação sem sujeito, ou um processo dialético sem sujeito. Que se queira considerar, por um só instante, que toda a teleologia hegeliana está contida nas expressões que acabei de enunciar, na categoria de alienação, ou no que constitui a estrutura mestra da categoria da dialética (negação da negação), e que se aceite fazer abstração do que, nessas expressões, representa a teleologia, resta então a fórmula: a história é um processo sem sujeito. Creio poder afirmá-lo: essa categoria de processo sem sujeito, que deve ser arrancada à teleologia hegeliana, representa, certamente, a mais alta dívida teórica que liga Marx a Hegel.

Sei bem que, finalmente, há em Hegel um sujeito nesse processo de alienação sem sujeito. Mas é um sujeito bem estranho, sobre o qual observações importantes deveriam ser feitas: esse sujeito é a própria teleologia do processo, é a Idéia no processo de auto-alienação, que a constitui como Idéia.

Não se trata de uma tese esotérica sobre Hegel: pode-se verificá-la a cada instante, isto é, a cada "momento" do processo hegeliano. Dizer que não há nenhum sujeito no processo de alienação, seja na História, na Natureza ou na Lógica, é simplesmente dizer que não se pode, em nenhum "momento", determinar como sujeito no processo de alienação qualquer "sujeito" que seja: nem tal ser (nem mesmo o homem), nem tal povo, nem tal "momento" do processo, nem a História, nem a Natureza, nem a Lógica. O único sujeito do processo de alienação é o próprio processo na sua teleologia. O sujeito do processo não é o próprio Fim do processo (poderíamos nos enganar: Hegel não disse que o Espírito é o "devir Sujeito da Substância"?), é o processo de alienação enquanto perseguindo o seu Fim, portanto o próprio processo de alienação enquanto teleológico. Teleológico não é tampouco uma determinação que se adiciona do exterior do processo de alienação sem sujeito. A teleologia do processo de alienação está inscrita, com todas as letras, na sua definição: no conceito de alienação, que é a própria teleologia no processo.

Ora, é aqui que pode começar a ser esclarecido o estranho estatuto da Lógica em Hegel. Pois o que é a Lógica? O conceito da Idéia, isto é, o conceito do processo da alienação sem sujeito, ou seja, o conceito do processo de auto-alienação que não é nada mais, considerado na sua totalidade, do que a Idéia (= do processo de alienação sem sujeito), ela é portanto o conceito desse estranho sujeito que procuramos. Mas como esse sujeito é apenas o conceito do próprio processo de alienação, ou seja, como esse sujeito é a Dialética, portanto o próprio movimento da negação da negação, vê-se o extraordinário paradoxo de Hegel. O processo de alienação sem sujeito (ou a dialética) é o único sujeito que Hegel reconhece. Não há sujeito no processo: é o próprio processo que é o sujeito, enquanto ele não tem sujeito. Se queremos encontrar o que, finalmente, assume o lugar de "Sujeito" em Hegel, é na natureza teleológica desse processo, na natureza telelógica da dialética, que se deve procurá-lo: o Fim já está na Origem. É por isso também que não há em Hegel uma origem, nem (o que jamais é senão o seu fenômeno) começo. A origem, indispensável à natureza teleológica do processo (já que ela não é senão a reflexão do seu Fim) deve ser negada desde o instante em que é afirmada, para que o processo de alienação seja um processo sem sujeito. Seria demasiadamente longa a justificação desta proposição, que eu introduzo apenas para antecipar desenvolvimentos ulteriores: essa exigência implacável (afirmar e, no mesmo momento, negar a origem), Hegel a assumiu de modo consciente na sua teoria do começo da Lógica: o Ser é imediatamente não-Ser. O começo da Lógica é a teoria da natureza não originária da origem. A Lógica de Hegel é a Origem afirmada-negada: primeira forma de um conceito que Derrida introduziu na reflexão filosófica, o "rabisco".(24) Mas o "rabisco" hegeliano, que é, desde sua primeira palavra, a Lógica, é negação da negação, dialética, portanto teleológica. É na teleologia que jaz o verdadeiro Sujeito hegeliano. Eliminem a teleologia, resta essa categoria filosófica que Marx herdou: a categoria do processo sem sujeito.(25)

Pode parecer que essas considerações nos levam muito longe de Feuerbach, e de nosso problema: Marx. Na verdade, elas nos conduzem diretamente para ele, pela razão seguinte: elas nos fazem compreender o extraordinário encolhimento que Feuerbach impôs aos problemas e ao propósito de Hegel.
Todo mundo sabe que Feuerbach "retomou" de Hegel o conceito da alienação. O Homem e a alienação são os conceitos-chave de Feuerbach. Mas quando se reduziu a História ao Homem, quando se fez do Homem o sujeito do que é tido como história, quando se declara o homem o sujeito da alienação (religiosa ou outra), conserva-se em vão a palavra hegeliana da alienação, volta-se a cem léguas aquém de Hegel, às próprias concepções que Hegel recusava em toda a sua lucidez. Nada surpreendente, portanto, que o conceito feuerbachiano da alienação não seja, também ele, senão o encolhimento derrisório, e a caricatura, do conceito hegeliano de alienação.

Em Feuerbach, não há teoria da história como processo, não há portanto dialética, nem teoria do processo sem sujeito. O que se tem como história, em Feuerbach (digamos: os objetos culturais do mundo humano, religião, ciência, filosofia, arte, etc.) é rebaixado à antropologia mais superficial. Não há alienação senão a do homem, não da Natureza; não há dialética da Natureza. A prodigiosa concepção hegeliana da História como alienação de um processo sempre-já começado (Lógica e Natureza) reduz-se à teoria de uma essência arbitrária, da qual não se sabe quais títulos pode ela exibir para desempenhar esse papel: a essência, objetivando-se nos seus objetos na imediatidade de uma relação especular que desenha, em volta dela, o círculo de um Horizonte Absoluto (o Horizonte da espécie humana: cada espécie possui assim seu horizonte absoluto, a libélula, o rosago, tal planeta, etc). A Essência humana objetiva-se imediatamente em seus objetos: sem processo. Estão fora de questão, em Feuerbach, o processo de produção dos objetos do "mundo" humano, e o trabalho, ao qual Hegel havia atribuído o papel decisivo de produzir as Obras da Cultura (Bildung). A Essência humana é dotada de atributos genéricos, que se realizam objetivando-se em objetos que são o "espelho" onde o homem não lida nunca senão com sua essência, e apenas com a sua essência, mesmo quando pensa estar lidando com Deus. A alienação é, então, reduzida, no seio desta equação especular Sujeito = Objeto, à modalidade do sentido dessa identidade, precisamente a uma inversão desse sentido. O homem acredita ser o objeto de um Sujeito que é Deus, enquanto que ele é o verdadeiro Sujeito de seu Objeto genérico que é Deus, onde ele reencontra apenas a sua própria essência, simplesmente na forma de uma inversão de sentido (nas duas acepções da palavra sentido: direção = significado).

Da mesma forma, a história, como processo dialético, desaparece para ser substituída pelo campo fechado do horizonte absoluto da relação especular da Essência humana e de seus objetos (por excelência, a religião, mas também as ciências, a arte, a filosofia, a política, o Estado, etc). Da mesma forma, por essa razão, a dialética desaparece também, sendo ela supérflua. A essência genérica do Homem sendo "atribuída" ao conjunto dos homens passados, presentes e futuros, todos indivíduos constituídos pela essência "absoluta" do Homem, a História se refugia na diferença entre os indivíduos e o "gênero": o que ainda não foi realizado dos atributos da Essência humana o será nos próximos séculos. A história feuerbachiana é um eterno presente que necessita de um eterno suplemento: o Futuro. Por esse golpe de prestidigitação, "mal infinito" no sentido hegeliano, Feuerbach acerta suas contas com o que resta nele de história, e no mesmo golpe, com a dialética.

A alienação sai disso igualmente desfigurada: ela atua apenas no seio da relação especular entre o Sujeito humano e seus Objetos onde sua essência se objetiva adequadamente: na sua "inversão" de sentido. A alienação não é mais processo agindo sobre transformações reais, mas abstração, agindo apenas sobre significações. A desalienação do homem não é então mais do que uma simples "inversão" da "inversão" de um sentido ligando o Homem à sua Essência alienada-realizada nos seus Objetos. Essa "inversão da inversão" age assim apenas sobre o "sentido": ela se relaciona, em suma, com a tomada de consciência corrigida do que já existe em ato, ela é em suma a "boa leitura" de um texto já escrito e que os homens liam, até o momento, ao contrário. Ela é, no seu princípio mesmo, hermenêutica. Se ela possui acentos revolucionários que levam a crer que o mundo vai "mudar de base', ela ocorre inteiramente na consciência, que deve apenas corrigir: todos os males da humanidade, dizia Feuerbach, para justificar seu silêncio total durante os terríveis anos das revoluções de 1848-1849, são, no final das contas, "dores de cabeça". Não é sobre as barricadas que se decide o destino da humanidade, nem com mais razão ainda, o destino da classe operária, mas na reforma da consciência, no reconhecimento que a religião de Deus não é, por toda a eternidade, senão a religião do Homem que se desconhece. O Humanismo teórico mostrava assim, na prática, o que ele tinha "em mente": uma ideologia pequeno-burguesa descontente com o despotismo prussiano e com a impostura da religião estabelecida, mas assustada com a Revolução que seus conceitos morais tinham de antemão desarmado.


Notas:

(**) Inúmeras palavras encontram-se, às vezes sem motivo aparente, grafadas com iniciais maiúsculas no texto original. Optamos por manter essa formatação na tradução aqui apresentada. (retornar ao texto)

(a) Lenin: Que faire?: "No momento atual (isto aparece claramente hoje em dia) os fabianos ingleses, os ministerialistas franceses, os bernsteinianos alemães, os críticos russos formam uma só família, congratulam-se reciprocamente, instruem-se uns aos outros, e movem campanha conjunta contra o 'dogmatismo' marxista" (Oeuvres choisies em 2 vol., Éditions de Moscou, I, p. 176, nota). "'O dogmatismo, o doutrinarismo', 'a ossifícação do Partido, castigo inevitável da compreensão forçada do pensamento', tais são os inimigos contra os quais entram em liça os campeões da "liberdade de crítica" do Rabotcheié Diélo. Ficamos felizes que essa questão esteja colocada na ordem do dia... mas quem são os nossos juizes?... Assim, vê-se que as grandes frases sobre a ossificação do pensamento, etc, dissimulam a indiferença e a impotência em fazer progredir o pensamento teórico. O exemplo dos social-democratas russos ilustra... esse fenômeno comum à Europa... que a famosa liberdade de crítica não significa a substituição de uma teoria por uma outra, mas a liberdade em relação a todo sistema coerente e pensado: ela significa ecletismo e ausência de princípios...". "Pode-se julgar a falta de tato demonstrada pelo Rabotcheié Diélo quando este lança com um ar triunfante esta definição de Marx: 'Todo passo real do movimento prático importa mais do que uma dúzia de programas'. Repetir tais palavras nessa época de debandada teórica eqüivale a clamar, à vista de um cortejo fúnebre: 'Eu lhes desejo ter sempre algo disso a carregar'. Aliás, essas palavras são emprestadas da carta sobre o programa de Gotha, na qual Marx condena categoricamente o ecletismo no enunciado dos princípios. Se realmente é necessário unir-se, escrevia Marx aos chefes do partido, passem acordos visando atingir os objetivos práticos do movimento, mas não cheguem até o comércio dos princípios, não façam 'concessões' teóricas. Tal era o pensamento de Marx, e eis que se encontram pessoas que, em seu nome, procuram diminuir a importância da teoria!".
"...Essas pessoas que não podem, sem ficar amuadas, pronunciar a palavra 'teórico'; que chamam 'sentido da vida' a sua idolatria perante a falta de preparo e de desenvolvimento para as coisas da vida, mostram na verdade a sua ignorância de nossas tarefas práticas mais urgentes...". (Ibid, p. 190 ss.) (retornar ao texto)

(1) Cf. por exemplo, Introduction à la sémantique, 1960 (nova edição, Paris, UGE, 1974); Le Marxisme et l'Individu, Paris, Armand Colin. 1968. Tradução francesa. Adam Schaff era então membro do comitê central do Partido Operário Unificado polonês. (retornar ao texto)

(2) Esse modo surpreendente de designar a Escola de Frankfurt confirma a pouca familiaridade de Althusser com seus trabalhos. (retornar ao texto)

(3) Cf. por exemplo Société aliénée et société saine (tradução francesa, Courrier du livre, 1967), ou, posteriores ao presente texto de Althusser, Espoir et révolutions, Paris, Stock. 1970. Tradução francesa. La crise de la psychanalyse. Essais sur Freud, Marx et la psychologie sociale, Paris, Anthropos. 1971. Tradução francesa. (retornar ao texto)

(4) Carta de Erich Fromm a Louis Althusser, datada do 27 de setembro de 1963. Althusser havia constituído um dossiê, conservado nos seus arquivos, de sua correspondência com Erich Fromm (quatro cartas de Erich Fromm, três cartas de Louis Althusser). Ela confirma totalmente as suas afirmações. (retornar ao texto)

(5) Cf. Pour Marx, p. 227: "De fato, a luta revolucionária teve sempre por objetivo o fim da exploração e, portanto, a liberação do homem, mas, na sua primeira fase histórica, ela teve, como Marx previa, de assumir a forma da luta das classes. O humanismo revolucionário podia então ser apenas um 'humanismo de classe'" Cf. igualmente a nota da mesma página de Pour Marx. (retornar ao texto)

(6) Em uma carta do 1 8 de novembro de 1963, Althusser agradece a Jean Lauzier pela qualidade de sua tradução, a qual não foi conservada nos seus arquivos. (retornar ao texto)

(7) Carta de Erich Fromm a Louis Althusser, 8 de janeiro de 1964. (retornar ao texto)

(8) Cahiers de l'lsea, junho de 1964, Critica Marxista na 2. 1964. (retornar ao texto)

(9) Jorge Semprun, "O humanismo socialista em questão", Clarté, janeiro de 1965, retomado em La Nouvelle Critique, na 164, março de 1965. (retornar ao texto)

(10) Le grand voyage, Paris, Gallimard. 1963. (retornar ao texto)

(11) No contexto da "cisão do movimento", os "italianos" seguiam uma linha assaz próxima das teses defendidas pelo partido comunista italiano, opondo-se nisso tanto à direção do PCF quanto às diferentes tendências "esquerdistas" e pró-chinesas. Os "italianos" dirigiram a União dos Estudantes Comunistas em 1963-64, antes de ser retomada em mãos pela direção do PCF em 1965. O livro de Jacques Rancière, La leçon d'Althusser (Paris, Gallimard. 1975), contém uma interessante análise da posição dos "althusserianos" e da tática adotada pela direção do PCF com relação aos conflitos internos à União dos Estudantes Comunistas. (retornar ao texto)

(12) Levando-se em conta uma carta de Michel Verret a Louis Althusser de 24 de janeiro de 1966, as "Jornadas de estudo dos filósofos comunistas" (22-23 de janeiro de 1966), ocorridas diante de toda a secretaria política do PCF, tiveram por objeto essencial o último livro de Roger Garaudy (De l'anathème au dialogue. Un marxiste s'adresse au Concile, Paris, Plon. 1965) e Pour Marx e Lire Le Capital. Ausente devido a uma doença, Althusser pedira a Michel Verret que lesse excertos de um de seus textos no evento. Notas (45 páginas manuscritas) tomadas ao longo dessa reunião por Michel Verret foram conservadas nos arquivos de Althusser, juntadas ao texto datilografado de 75 páginas da intervenção de Roger Garaudy, começando por essas palavras: "Um problema fundamental é colocado: em nome da ciência um assalto é realizado contra o humanismo marxista". O ataque enérgico de Garaudy contra Althusser e seus discípulos gerou, entre outras coisas, uma não menos enérgica réplica de Pierre Macherey. (retornar ao texto)

(13) O comitê central de Argenteuil "sobre os problemas ideológicos e culturais" (11-13 de março de 1966, Cahiers du communisme, na 5-6, maio-junho de 1966) é um momento importante na elaboração pelo partido comunista francês de uma estratégia de união da esquerda e de "passagem pacífica ao socialismo". Centrada sobre o tema da autonomia da "cultura" e dos produtores culturais ("as exigências experimentais da literatura e da arte não poderiam ser negadas ou entravadas, sem que se prejudicasse gravemente o desenvolvimento da cultura e do próprio espírito humano"; "O desenvolvimento da ciência necessita de debates e de pesquisas. O partido comunista não saberia como contrariar esses debates, nem como apresentar uma verdade a priori, ainda menos como resolver de modo autoritário discussões inacabadas entre especialistas"), a resolução adotada em decorrência dos debates é fortemente marcada pela polêmica em andamento no "humanismo marxista", e a quase totalidade das intervenções cita o artigo de Althusser "Marxisme et humanisme". Lê-se assim na resolução final: "Há um humanismo marxista. Diferentemente do humanismo abstrato pelo qual a burguesia mascara as relações sociais e justifica a exploração e a injustiça, ele decorre da tarefa histórica da classe operária. A afirmação de um tal humanismo não significa de nenhum modo a rejeição de uma concepção objetiva da realidade no benefício de um vago impulso do coração. Pelo contrário, o marxismo é o humanismo de nosso tempo pois ele funda o seu andamento em uma concepção rigorosamente científica do mundo; mas ele não separa seu esforço de compreensão do real de sua vontade de mudá-lo pelo bem de todos os homens". Althusser reagirá a esse texto redigindo uma longa carta de 27 páginas datilografadas "aos camaradas do Comitê central do PCF". Nela, ele afirma substancialmente 1. Que a resolução é contraditória, decidindo "de fato", e sem dizê-lo, em um debate aberto; 2. Que ela confunde os necessários compromissos políticos com inaceitáveis compromissos teóricos. (retornar ao texto)

(14) Essas páginas são seguidas de apresentações dos textos que Althusser desejava inicialmente publicar sob forma de "dossiê", e em particular do artigo citado de Jorge Semprun. Como elas não possuem nenhum sentido fora de um tal dossiê, renunciamos a publicá-las. (retornar ao texto)

(15) Essas citações foram extraídas do artigo citado de Jorge Semprun. (retornar ao texto)

(16) Idéia desenvolvida em Lénine et la philosophie. (retornar ao texto)

(17) Althusser havia aqui previsto uma nota, jamais redigida. Ele se refere provavelmente ao seu texto inédito em francês La tache historique de la philosophie marxiste. (retornar ao texto)

(18) Lire Le Capital, tomo II, p. 73. (retornar ao texto)

(19) As análises que seguem, até o ponto que indicaremos mais adiante, foram publicadas por Louis Althusser, sob uma forma ligeiramente modificada, em "Sur le rapport de Marx à Hegel" (in Lénine et la philosophie seguido de Marx et Lénine devant Hegel, Petite collection Maspero, 1972, p. 62-70). (retornar ao texto)

(20) Cf. "Sur le jeune Marx", retomado em Pour Marx. Lembremos que esse artigo é dedicado a Auguste Cornu, autor, dentre outros, de um monumental Karl Marx et Friedrich Engels, Paris, PUF. 1958-1970. (retornar ao texto)

(21) Engels, Ludwig Feuerbach et la fin de la philosophie classique allemande, in Marx-Engels, Études philosophiques, Éditions sociales, 1951, p. 38. (retornar ao texto)

(22) Cf. Pour Marx, p. 205, nota 43: "Uma palavra ainda sobre a 'negação da negação'. É hoje oficialmente conveniente censurar Stalin por tê-la eliminado das 'leis da dialética', e mais genericamente, por ter-se desviado de Hegel, para melhor assentar o seu dogmatismo. Sugere-se de bom grado, ao mesmo tempo, que um certo retorno a Hegel seria salutar. Essas declarações serão talvez um dia o objeto de uma demonstração. Enquanto isso não ocorre, parece-me mais simples reconhecer que essa rejeição da 'negação da negação' do domínio da dialética marxista pode manifestar um real discernimento teórico no seu autor". (retornar ao texto)

(23) Cf "Lettre à Jean Lacroix", Écrits philosophiques et politiques, tomo I, p. 291-292. (retornar ao texto)

(24) Cf., por exemplo, De la grammatologie, da qual Althusser anotou longamente, sobre a separata oferecida por Derrida, a primeira versão, publicada nos números 223 e 224 de Critique (dezembro de 1965-janeiro de 1966), ou ainda "Freud et la scène de Técriture" (Tel Quel, na 26, verão de 1966, retomado em L'Écriture et la différence, Paris, Seuil. 1967), igualmente bastante anotado. De um modo geral, a presença dos trabalhos de Derrida na sua reflexão é muito mais importante do que deixaria supor essa única referência à sua obra nos textos publicados, enquanto vivo, por Althusser. Numerosas separatas de Derrida, bastante anotadas, foram em particular reencontradas na sua biblioteca. (retornar ao texto)

(25) Aqui termina o texto publicado em "Sur le rapport de Marx à Hegel" (cf. nota 19). (retornar ao texto)

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Inclusão 16/12/2008