Esboço de uma Análise da Situação Econômica e Social do Brasil

M. Camboa e L. Lyon(1)

Outubro de 1931


Primeira Edição: La Lulle de Classes, número 28/29

Fonte: http://www.ler-qi.org/ - Na Contracorrente da História. Documentos da Liga Comunista Internacionalista 1930 – 1933. Fúlvio Abramo e Dainis Karepovs (orgs.)

Tradução: Fúlvio Abramo.

Transcrição e HTML: Fernando Araújo.


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O modo de produção capitalista e a acumulação — e, por conseqüência, a propriedade privada capitalista foram exportados diretamente das metrópoles para o Novo Mundo. A base do sistema capitalista é a expropriação da massa popular; mas, nas colônias, em geral, o excesso de terra pode ser transformado em propriedade privada e meio individual de produção. Tendo sempre o colono livre a possibilidade de tornar-se proprietário de seu meio de produção, isto é, podendo o trabalhador acumular por si próprio, torna-se impossível a acumulação e o modo de produção capitalistas. Ali está a contradição que a burguesia da metrópole deveria resolver – “o segredo de sua floração e de sua gangrena” (Marx). A dependência do trabalhador em relação ao capitalista, proprietário dos meios de produção, teve de ser criada por meios artificiais: a apropriação da terra pelo Estado, que a converteu em propriedade privada, e a introdução da escravidão indígena e negra; numa palavra, a colonização sistemática.

No Brasil, a acumulação primitiva do capital fez-se de maneira direta: a transformação da economia escravagista em salariado do campo se fez diretamente e o afluxo migratório, que já começara antes da abolição da escravatura, teve como objetivo oferecer braços à grande cultura cafeeira(2). Produziu-se aqui, portanto, o que Marx chama de "uma simples troca de forma". O Brasil nunca foi, desde a sua primeira colonização, mais que uma vasta exploração agrícola. Seu caráter de exploração rural colonial precedeu historicamente sua organização como Estado. Nunca houve aqui terras livres; aqui também não conhecemos o colono livre, dono de seus meios de produção, mas o aventureiro da metrópole, o fidalgo português, o comerciante holandês, o missionário jesuíta — que não tinham qualquer outra base a não ser o monopólio das terras. Sob uma forma peculiar de feudalismo, todos vinham explorar a força de trabalho do indígena adaptado e do negro importado(3).

A classe dos pequenos proprietários, fator da pequena produção, geralmente anterior ao regime capitalista e cuja expropriação é um dos fatores determinantes deste, não pôde se desenvolver na formação econômica do Brasil. O Estado brasileiro se caracteriza sempre por rígido esquematismo de classe. A sociedade monárquica sustentava-se com a exploração do braço escravo por uma minoria de donos da terra e a monarquia vegetou dois terços de século em meio à turbulência dos vizinhos do continente, prolongando, através da passividade burocrática, a vida de um regime político já caduco. Trabalho escravo, latifundium, produção dirigi da pelos senhores da terra com a sua clientela, burguesia urbana e uma camada insignificante de trabalhadores livres, tanto nas cidades quanto nos campos — tais foram as particularidades que marcaram com a sua chancela a formação econômica e política do Brasil na América Latina, onde, em geral, a ausência de uma agricultura organizada teve como conseqüência a luta pela terra contra o indígena e a luta contra o monopólio do comércio detido pela coroa de Espanha. Nas colônias espanholas o colono vivia da criação de gado e do contrabando.

A destruição do regime escravagista, que foi determinada pela necessidade do desenvolvimento capitalista do Brasil, abria ao mesmo tempo nova expansão à indústria inglesa que monopolizava, então, o mercado mundial. A burguesia brasileira nasceu no campo, não na cidade. A produção agrícola colonial foi destinada desde o começo aos mercados externos. O Brasil foi, no século XVII, o principal produtor de açúcar do mundo. Dos dois eixos de colonização, Bahia-Pernambuco e São Paulo-Rio de Janeiro, o primeiro alcançou sobre o segundo uma vantagem considerável. Nas capitanias do Norte, o braço africano edificou sobre vastos domínios a prosperidade da aristocracia rural. Mas a produção açucareira brasileira foi vencida, pouco a pouco, pela concorrência estrangeira e tendeu a restringir-se aos mercados internos. Com a descoberta das minas de ouro, o centro da atividade econômica da colônia transportou-se para o interior dos estados de Minas Gerais e da Bahia(4). O trabalho foi atraído para essas regiões e o movimento agrícola decresceu. A prospecção minerológica tornou-se a indústria principal, cujo desenvolvimento caracteriza o século XVIII. A decadência das minas, porém, logo começou, pois eram exploradas por meios rudimentares. À pobreza do minerador, à falta de escravos aliou-se a pressão do fisco. Retomou-se à exploração agrícola (cereais, cana-de-açúcar, fumo, algodão).

A cultura do café começou relativamente tarde, nas regiões montanhosas vizinhas do Rio de Janeiro. Desde então, adquiriu as características particulares que mantém até agora(5).

A República foi imposta ao Brasil pela burguesia cafeeira do estado de São Paulo, que não podia aceitar a forma de produção reacionária e patriarcal(6). Com o advento da república, esse Estado impôs sua hegemonia à Federação. Para que se possa operar, sem choques muito graves, o desenvolvimento capitalista nas antigas províncias, unidas por liames puramente políticos mas, em compensação, separadas por uma diversidade quase sem igual de possibilidades econômicas, os legisladores da constituinte(7) deram à República uma forma federativa.

O formidável desenvolvimento da cultura cafeeira é, tipicamente, um desenvolvimento capitalista. Todas as condições necessárias para a grande exploração estavam reunidas: terras virgens, ausência de rendas fundiárias, possibilidades de maior especialização na produção, numa palavra, possibilidades de monocultura. Assim, o cafeicultor faz convergir simultaneamente todos os seus meios de produção para um único objetivo e, por conseguinte, obtém benefícios até então desconhecidos. O tipo da exploração determinou, portanto tanto, prosperidade favorável ao desenvolvimento do capitalismo sob todas as suas formas. Desse modo, o sistema de crédito, o crescimento da dívida hipotecária, o comércio nos portos de exportação, tudo ajudava a preparar uma base capitalista nacional. Os braços que faltavam foram importados. A imigração adquiriu, a partir daí, caráter de empresa industrial.

A burguesia e o poder

As lutas políticas que a República conheceu até agora e que se produzem, geralmente, por ocasião das eleições presidenciais, desenrolam-se ao redor dos grupos políticos dominantes no Estado de São Paulo. A diferenciação econômica entre os Estados da Federação acentua-se cada vez mais. A burguesia de São Paulo, aliada à de Minas Gerais, conquistou o governo federal. Os representantes parlamentares dos estados secundários tornaram-se representantes do poder central nos estados, ao invés de — segundo a ficção constitucional — representar os estados junto ao poder central. Mas o processo econômico estendeu-se pouco a pouco a todo o território brasileiro e o capitalismo penetrou todo o Brasil, transformando as bases econômicas mais retardatárias. À medida que progride economicamente, o Brasil integra-se cada vez mais à economia mundial e entra na esfera de atração imperialista. Com a Grande Guerra e o protecionismo, o crescimento industrial acentou-se, complicando as relações de classe e os problemas decorrentes. A política da burguesia orientava-se, até então, no sentido da manutenção do monopólio da produção cafeeira no mercado mundial. Com o surto da indústria e da maior penetração capitalista, o problema principal complicou-se com a necessidade da criação de mercados internos. A política interna encontra-se cada vez mais subordinada às seguintes questões: o recente desenvolvimento das rodovias, a política financeira de estabilização, a intervenção direta do governo federal nos negócios dos estados não têm outra explicação. A urgência e penúria do mercado interno constitui um dos pontos nevrálgicos da instabilidade econômica e política do Brasil. Para o desenvolvimento dos mercados internos todos os meios são bons e um governo forte e centralizado é condição essencial. A penetração imperialista é um revulsivo constante que acelera e agrava as contradições econômicas e as contradições de classe. O imperialismo altera constantemente a estrutura econômica dos países coloniais e das regiões submetidas à sua influência, impedindo o seu desenvolvimento capitalista normal, não permitindo que esse desenvolvimento se realize de maneira formal nos limites do Estado. Por essa razão, a burguesia nacional não tem bases econômicas estáveis que lhe permitam edificar uma superestrutura política e social progressista. O imperialismo não lhe concede tempo para respirar e o fantasma da luta de classe proletária tira-lhe o prazer de uma digestão calma e feliz. Ela deve lutar em meio ao turbilhão imperialista, subordinando sua própria defesa à defesa do capitalismo. Daí, sua incapacidade política, seu reacionarismo cego e velhaco e — em todos os planos — a sua covardia. Nos países novos, diretamente subordinados ao imperialismo, a burguesia nacional, ao aparecer na arena histórica, já era velha e reacionária, com ideais democráticos corruptos. A contradição que faz com que o imperialismo — ao revolucionar de modo permanente a economia dos países que lhe são submetidos — atue como fator reacionário em política encontra a sua expressão nos governos nos fortes e na subordinação da sociedade ao poder executivo. É assim que se repete na fase imperialista, por processo análogo, a subordinação da sociedade ao poder executivo, na qual Marx via a expressão da influência política dos camponeses parcelários. Além disso, as exigências do desenvolvimento industrial obtêm, como condição essencial, o apoio direto do Estado: a indústria nasce ligada ao Estado pelo cordão umbilical. O reforço gradativo do poder executivo é, aliás, um processo regular e sistemático do desenvolvimento industrial nos países politicamente secundários, como o demonstra Trotsky com relação à Rússia tzarista. Esse processo acentuou-se aqui (Brasil) desde a Grande Guerra, coincidindo com o domínio preponderante do imperialismo norte-americano no cenário mundial, especialmente na América Latina. Ou seja, desde o governo de Epitácio Pessoa. Então a reação tornou-se sistemática e assumiu caráter de classe muito claro. A apologia dos governos fortes, a divinização da ordem, o ataque contra a democracia e o liberalismo foram os pontos principais da ideologia reacionária, que surgiu entre a fumaça das chaminés das fábricas e dos dreadnoughts americanos. O governo Epitácio Pessoa (1920-1922) assinala o ponto culminante da vaga de constitucionalismo e do fetichismo da autoridade constituída. Durante os quatriênios seguintes o governo foi presa da obsessão histérica da ordem do regime social. Washington Luís, o presidente cujo mandato expirou a 15 de novembro de 1930 representa a hipertrofia do poder executivo, já separado dos interesses imediatos da fração da burguesia que o levou ao poder(8). Aqui, ainda, verifica-se o que Trotsky dizia das relações entre as classes burguesas e o tzarismo, a saber, que não era a força dessas classes que determinava o poder da monarquia russa, mas a sua fraqueza. No Brasil, todas as classes estão subordinadas ao executivo e as palavras de ordem liberais, mesmo as mais banais, têm, para o governo, um caráter subversivo. A parlapatice de Mauricio de Lacerda, seu frenesi pequeno-burguês adquirem, para o governo, o sentido de declarações comunistas. Os chamados liberais aplaudem a repressão policial quando esta se exerce contra as organizações proletárias. Marx escreveu que, nas vésperas do golpe de Estado de Napoleão III, a burguesia francesa tachava de heresia "socialista" o que ela qualificava, anteriormente, como "liberal" e reconhecia, desse modo, que para conservar intacto seu poder social, era mister romper seu próprio poder político e que a burguesia não pode continuar a explorar as outras classes e a gozar tranqÜilamente da propriedade, da família, da religião e da ordem, senão à condição de ver sua classe condenada à mesma nulidade política que as outras classes e, assim, proclama sua dominação política incompatível com a sua segurança e sua própria existência.

Centralização e federação

A burguesia de São Paulo sacrificou seus interesses gerais de classe e seu interesse político em benefício de interesses particulares mais limitados, mais imediatamente materiais, sem quaisquer outras considerações de solidariedade de classe de caráter coletivo. Daí vem a luta de uma parte da burguesia nacional contra o "Partido Republicano Paulista"(9). Sob o regime burguês,o aparelho estatal tende a evoluir naturalmente para uma centralização crescente. No Brasil, certas causas particulares acentuam e aceleram o processo: a extensão territorial; a fraca densidade populacional; sua agricultura industrializada, graças ao caráter especial da produção; a ausência da renda fundiária, que ocasiona a confusão entre o proprietário da terra e o proprietário da exploração agrícola; o desenvolvimento desigual do capitalismo; a divisão política que legaliza a supremacia dos estados mais fortes sobre os mais fracos; o impulso industrial progressivo e a pressão imperialista. Essa centralização acentuou-se com o desenvolvimento industrial e a intervenção do capital yankee, isto é, desde que se patenteou a necessidade da criação de mercados internos. O poder federal fortaleceu-se e a constituição foi reformada a fim de facilitar a intervenção da União nos estados. Na medida em que se acentua a centralização da máquina governamental, a burguesia, sentindo-se ao abrigo dos perigos e dos encargos do governo, tende a identificar-se a seus interesses gerais. O aparelho de Estado federal adapta-se cada vez mais aos interesses econômicos da burguesia, na razão direta de sua centralização. Se, atualmente, serve de maneira imediata aos interesses dos partidos dominantes de São Paulo, ele pode servir, amanhã, aos interesses dos partidos dominantes de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul. O levante atual destes dois estados, que', por motivos circunstanciais, arrastaram consigo o da Paraíba, realizou-se em nome da autonomia dos estados, pela defesa da Federação. Assim, os políticos desses estados defendem suas próprias posições. Se eles se resignassem a suportar as violências do governo federal, isso teria significado o término, no Brasil, do processo centralizador do aparelho de Estado, consagrando a hegemonia definitiva de São Paulo sobre os demais estados da Federação. O levante de hoje indica o contrário: a fórmula definitiva ainda não foi encontrada. A contradição entre a necessidade imperiosa da centralização e a forma política federativa é evidente. O processo econômico exige a centralização, ao passo que a formação histórica dos estados exige a Federação como condição da unidade nacional. Com o desenvolvimento capitalista dos outros estados do Brasil, é natural que os partidos dominantes nesses estados desejem participar cada vez mais — em pé de igualdade — da gestão do aparelho do governo central. Assim, o poder executivo tornou-se, na sociedade brasileira, a força decisiva que permite à oligarquia do partido que o exerce um domínio quase completo. A burguesia nacional vê a força do Estado escapar de suas mãos e está condenada a ceder o controle político à ação.internacional imperialista, devido a sua incapacidade histórica de agir coletivamente como classe. Suas diferentes frações não tiveram tradições políticas comuns, não se formaram com a consciência de seus interesses comuns de classe e não foram obrigadas a expropriar uma classe de pequenos proprietários da terra. Suas tradições históricas são, antes de tudo, patrioteiras, elas combateram ,os invasores estrangeiros, mas essa foi uma luta episódica que nunca se estendeu a todo o país, mas, ao contrário, conservou caráter regional e, desse modo, foi logo esquecida durante o longo desenvolvimento histórico ulterior. A burguesia só começa a adquirir sua consciência de classe graças a seu pavor da revolução social. No Brasil, os partidos políticos — expressão das oligarquias políticas — não podem, pois, possuir caráter nacional nem tradições políticas para defender. Estas oligarquias têm cada vez mais necessidade do poder federal e isso na medida em que o Estado se fortalece e se centraliza e que o capitalismo transforma a base econômica sobre a qual elas se sustentam. Daí, a luta constante pela Presidência da República. O levante atual marca um momento desse processo. Os estados revoltados procuram resolver pelas armas a violenta contradição que opõe a forma política federativa ao, desenvolvimento pacífico das forças produtoras. A burguesia brasileira procura uma forma conciliadora entre a tendência à centralização do governo e a forma federativa, garantia da unidade política do Brasil.

A unidade nacional

A unidade nacional foi antes uma conquista política do que uma conseqüência econômica. Ê chegado o momento de levá-la à prova. A burguesia nacional intenta hoje consolidá-la pelas armas, o que é aparentemente paradoxal, mas obedece, no fundo, à dialética do desenvolvimento econômico. O desenvolvimento das forças produtoras no quadro nacional obriga à luta por uma forma política adequada ao equilíbrio dos estados que estão chegando ao momento de assumir seu impulso capitalista. Se a indústria de São Paulo carece de mercados, a indústria, surgente e o caráter policultor do Rio Grande do Sul exigem uma proteção mais atenciosa do governo central. A produção variada de Minas Gerais e suas perspectivas de desenvolvimeNto da indústria pesada reclamam participação maior no poder central, além dos motivos políticos de seu levante, que se expressam no rompimento da aliança tradicional com São Paulo, pelo exercício do governo federal. O Nordeste exige uma intervenção menos precária da União, a fim de resolver mais sistematicamente os problemas fundamentais de sua economia, para tornar possível um desenvolvimento mais regular de suas produtoras. Os interesses dos imperialistas agravam ainda mais as contradições, pesam exageradamente sobre o Estado. O balanço dos pagamentos sempre foi deficitário, embora o Estado não tenha conseguido outro recurso senão emprestar dinheiro em Londres e Nova York. A necessidade de recorrer sempre ao crédito para cobrir a dívida anterior — processo clássico 'da acumulação imperialista — teve, como conseqüência natural, a majoração progressiva dos impostos e, a seguir, a expropriação das classes rurais e proletárias. O empobrecimento dessas classes torna difícil, por uma parte, o desenvolvimento dos mercados internos existentes e ainda mais difícil a formação de novos. Ao mesmo tempo — devido à crise atual do café, que favorece maior racionalização da cultura — , a tendência à diferenciação das classes no campo se realiza como fator favorável à criação de novos mercados internos. A contradição da propriedade e sua divisão constituem a base contraditória do processo, favorecido ainda pelo desenvolvimento da luta armada, pela formação de uma classe média de pequenos proprietários. Por isso mesmo, qualquer reagrupamento aparece na arena política do Brasil como uma formação estranha à tradição histórica e econômica do país. Sua origem deve-se mais às correntes imigratórias estrangeiras do que às velhas populações rurais brasileiras; e seus interesses, por sua própria natureza, são regionais. Por outra parte sua economia proporciona a base regional de um sentimento patriótico que não ultrapassa as divisas de um estado. Por necessidade de autodefesa, ela pode procurar impor a sua vontade de classe sobre a base provincial, mas, na atual fase histórica do imperialismo, está irremediavelmente condenada, pois sua ascensão como classe no Estado tem como conseqüência a penetração ainda mais acentuada e constante do capital estrangeiro, que a submete, assim, mais diretamente, ao domínio imperialista. Desse modo, a independência nacional torna-se ainda mais precária, e mais difícil é a manutenção da unidade política do país, uma vez que a pequena propriedade não tem qualquer interesse específico pelo problema da unidade nacional.

Mas, seja qual for o resultado da luta atual, a unidade do Brasil mantida pelo domínio da burguesia será garantida na razão direta da exploração crescente das classes oprimidas e do achatamento sistemático das condições de vida do proletariado. 0- grau mais ou menos elevado de sua consciência de classe, o tempo mais ou menos longo que ela levará para formar-se decidirão da sorte dessa unidade, neste momento impossível nos estreitos limites capitalistas do Estado burguês nacional.

Em plena tormenta revolucionária, em 1917, Lenine dava como palavra de ordem primordial a necessidade da organização do proletariado. No Brasil, nas condições atuais, a obra mais urgente do proletariado é a criação de um verdadeiro partido comunista de massas, capaz de. conduzi-lo para a sua tarefa histórica: a instauração da ditadura proletária e a salvaguarda da unidade nacional mediante a organização do Estado soviético.

Outubro de 1931


Notas de rodapé:

(1) M. Camboa, pseudônimo de Mario Xavier de Andrade Pedrosa (1900-1981). Jornalista e critico de arte. Entra para o PCB em 1927, sendo responsável pelo Socorro Vermelho (entidade criada para prestar apoio às vitimas da repressão). É enviado pela direção do Partido para freqüentar a Escola Leninista de Moscou, mas em Berlim adoece, toma contato com a Oposição de Esquerda e desiste de freqüentar o curso. Em correspondência com vários camaradas brasileiros os põe a par do que ocorria na Internacional Comunista e toma a defesa das posições de Trotsky, ganhando vários deles para a Oposição de Esquerda. Retorna ao Brasil em 1929 e lança as bases do primeiro grupo oposicionista brasileiro: o Grupo Comunista Lenine, criado em maio de 1930. Ê um dos fundadores do jornal A Luta de Classe. Empenha-se nas lutas sindicais e nas campanhas antifascistas. Ê um dos fundadores do jornal O Homem Livre, que se torna órgão da Frente Única Antifascista. Participa do enfrentamento entre antifascistas e integralistas, no dia 7 de outubro de 1934, quando é ferido, a bala. Em 1938 é enviado, co.mo representante das seções 'latino-americanas, para participar da conferência de fundação da IV Internacional, onde intervém sob o pseudônimo de Lebrun. É designado responsável pela América Latina no Comitê Executivo. Com a ida do Comitê Executivo da IV Internacional para Nova Iorque, passa a aproximar-se das posições de Max Schachtman (1903-1972), que critica a caracterização da União Soviética feita pela IV Internacional. Rompe, em 1940. Volta clandestinamente em 1941, sendo preso e expulso, retornando em 1945 ao Brasil, defendendo a criação de um Partido Socialista através das páginas do jornal Vanguarda Socialista. L. Lyon, pseudônimo de Livio Barreto Xavier (1900). Advogado e jornalista. Entra para o PCB em 1927. Em 1928 é um dos signatários do documento que, criticando a falta de democracia interna do PCB, exige a convocação de uma conferência para discutir o assunto. Com a negativa da direção do PCB, afasta-se do partido, aproximando-se da Oposição de Esquerda, através da correspondência troca da com Mario Pedrosa, que fora seu colega na Faculdade de Direito do Rio de Janeiro. Torna-se um dos principais dirigentes da Oposição de Esquerda brasileira, afastando-se da militância por ocasião da cisão ocorrida na Liga Comunista Internacionalista em 1935. (retornar ao texto)

(2) Os dois fatores contrários ao estabelecimento de uma grande corrente imigratória, o regime de latifundium, o monopólio dos grandes senhores da terra, de fato e de jure, e a força do trabalho escravo, que criavam ambiente pouco propício ao desenvolvimento rápido do trabalho livre na exploração agrícola, sofreram um primeiro golpe com a abolição da escravatura, expressão jurídica de um processo econômico de que podemos compreender claramente a evolução, a partir de 1884, época em que a imigração aumentou progressivamente, apoiada em abundantes subsídios dados pelo Império. 
Na província de São Paulo, a progressão foi a seguinte: 
1884 4.879 imigrantes 
1885 : 6.500 imigrantes 
1886 9.356 imigrantes 
1887 32.112 imigrantes 
1888 92.086 imigrantes 
(Dioclécio D. Duarte, Estudos de economia brasileira, p. 72.) (Nota do original)  (retornar ao texto)

(3) A coroa portuguesa distribuiu as terras do Brasil, repartidas em capitanias, a seus nobres e serviçais. O capitão-geral (governante da capitania), não conseguindo ocupar as terras, teve de recorrer ao braço escravo. Enquanto a exploração das terras tinha caráter extensivo, o indígena servia; mas desde que o trabalho se tornou intensivo, foi mister importar negros da África. Em 1587 a capitania da Bahia contava, para fazer face às demandas da cultura açucareira, além de 6.000 indígenas, com 4.000 escravos africanos. (Nota do original.) (retornar ao texto)

(4) Humboldt diz que o Brasil forneceu metade do ouro da produção americana. As "bandeiras" (expedições) de São Paulo para a caça dos índios transformaram-se, pouco a pouco, em empresas de prospecção. (Nota do original.) (retornar ao texto)

(5) "Perto do fim do século XVIII, certas culturas do Pará foram introduzidas na província do Rio de Janeiro. O vale do Paraíba prosperou, as plantações ganharam, pouco a pouco, a província de São Paulo. Foi a partir de 1835 que o desenvolvimento dos cafezais paulistas tornou-se mais considerável." (Delgado de Carvalho: O Brasil Meridional.) 
A progressão da porcentagem paulista na produção brasileira foi a seguinte: 
1840 2,8% 
1860 10.5% 
1870 15,1% 
1880 27.5 % 
1890 50 %   (retornar ao texto)

(6) Desde o período colonial, a metrópole instituiu a colonização livre. Em 1746, 4.000 famílias foram transportadas da Ilha da Madeira e das Açores ao Brasil. As primeiras concessões de terras aos estrangeiros residentes no Brasil foram efetuadas em 1808, mas a colonização oficial só foi tentada em 1818, com o estabelecimento de uma colônia de suíços e alemães. As tentativas oficiais de colonização livre, com a institucionalização da pequena propriedade, chocavam se com o regime geral de grande propriedade rural e com o caráter industrial da produção agrícola no Brasil. dependente, desde o seu começo. do mercado muno dial. O proprietário do latifundium viu-se obrigado a importar a força de trabalho, mas não lhe convinha importá-la como pequeno proprietário isolado. Com a decadência do tráfico africano, a substituição do escravo pelo trabalhador assalariado tornou-se preocupação constante dos senhores da terra. O relatório da missão Abrantes. enviado em 1848 pelo Império à Alemanha, é edificante. Com o objetivo de prevenir a crise iminente — o tráfico tendia a cessar — o marquês de Abrantes propunha, entre outras, as seguintes medidas: "Instituir a colonização, atraindo braços livres e capitais; provocar a separação da agricultura e da usina. na grande cultura cafeeira e açucareira; organizar por meio de regulamentos e pela ação da polícia local. o trabalho entre os libertos obrigando-os a ‘alugarem-se’ junto aos fazendeiros."
A introdução sistemática do trabalhador assalariado pela agricultura paulista (imigração mantida financeiramente pelo Estado ou explorada por grandes companhias particulares), começou sob o ministério Cotegipe (1886). Antes disso, os fazendeiros paulistas deviam importar de outras províncias grupos de escravos, sobretudo das províncias do Norte. (Nota do original.)  (retornar ao texto)

(7) Trata-se da Constituinte de 1891. (retornar ao texto)

(8) Epitácio Lindolfo da Silva Pessoa (1863-1942), sob cujo governo se iniciaram as rebeliões tenentistas (em 5,7.1922), foi sucedido por Artur da Silva Bernardes (1875-1955), líder do Partido Republicano Mineiro, que governou o país de 1922 a 1926 sob permanente estado de sítio, em função dos levantes militares e da Coluna Prestes. Sobre seu sucessor Washington Luís ver a nota 19. É interessante observar que este documento foi redigido antes dos acontecimentos de 3.10.1930, como se pode constatar pela expectativa de que a sucessão ocorreria normalmente, mas, no entanto, no parágrafo seguinte, são apresentados e intuídos os elementos constitutivos da rebelião militar de outubro de 1930. (retornar ao texto)

(9) O Partido Republicano Paulista foi fundado em 1873, em Itu. (Nota do original.) (retornar ao texto)

Inclusão: 22/03/2020